Por NILMAR RIPPEL*
Considerações sobre a China e a reconfiguração da ordem global
1.
A China nos últimos anos tem ganhado relevância em âmbito global, sobretudo, devido sua participação no comércio internacional dado seu peso na pauta de exportações dos mais variados países. Seu efeito gravitacional e suas estratégias de longo prazo, permitiram que tanto a chegada de capital estrangeiro na China nas décadas de 1980, 1990, bem como os Investimentos Diretos Chineses a partir dos anos 2000, estão no “guarda-chuva” da estratégia chinesa (RIPPEL; MEDEIROS, 2024).
Para Schutte (2017) a ascensão econômica chinesa foi um dos grandes fenômenos na trajetória do capitalismo global nas últimas décadas. A internacionalização da economia chinesa se dava prioritariamente pela exportação. A China aumentou sua participação no comércio internacional de uma média de 1,4%, na década de 1980, para 4,3%, em 2001, quando formalizou sua entrada na Organização Mundial de Comércio (OMC).
Em 2010, já superava a marca de 10%, o que provocou uma acumulação extraordinária de reservas internacionais, que aumentaram de um patamar de US$ 2,2 bilhões, em 1980, para US$ 3,2 trilhões, em julho 2016. Entre aproximadamente 2001 e 2015, segundo De Conti e Blikstad (2017) “o produto chinês saltou de meros 4% para impressionantes 15,2% do produto global”.
Simultaneamente a ascensão econômica chinesa, torna-se perceptível, na atual quadra histórica, um definhamento do centro hegemônico de poder, liderado por Washington, e o surgimento de “economias baleias” como China, Rússia, Índia e Brasil, fazendo frente (ainda que cada um preservando seus interesses) a um processo de transição sistêmica da ordem internacional.
Dada a paralisia das estruturas hegemônicas, as quais não oferecem respostas efetivas para os problemas globais, como a crise de 2008, a pandemia da Covid-19 e o massacre em Gaza, por exemplo, abriu espaço a um quadro, que favoreceu o surgimento de novos arranjos diplomáticos, para fazer frente a esse processo, como o Fórum de Cooperação China-África (FOFAC); Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN); Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC); Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e o BRICS+ (os quais possuem enorme parcela de população economicamente ativa, com reservas naturais gigantescas e possuem maior parcela da porção terrestre do globo).
2.
A China, segundo Pautasso e Nogarra (2024), visando resolver um problema macroeconômico endógeno de supercapacidade produtiva e evitar ociosidade industrial, passou a realizar massivos investimentos em infraestrutura, o qual designou como a “diplomacia da Infraestrutura”. Tais investimentos são direcionados a países em desenvolvimento que possuem carências de infraestrutura, dentre as quais, a falta de escolas, hospitais, estradas de ferro, rodovias, portos e aeroportos, são as mais visíveis.
Os investimentos chineses no Brasil somaram US$ 1,73 bilhão em 2023, um aumento de 33% em relação ao ano anterior. Dos 29 projetos, 72% foram direcionados a energias verdes e setores relacionados – 16 pontos percentuais a mais do que em 2022 e a maior participação registrada desde o início da série histórica em 2007.
A diplomacia da infraestrutura é o exemplo cabal dos princípios fundamentais orientados por uma filosofia milenar que rege a política exterior chinesa, que outrora, também foi fundamental na condução de sua política econômica interna. Os investimentos públicos, conduzidos em grande medida por empresas estatais, constituíram a ‘essência do fenômeno’, segundo Jabbour (2006).
Inicialmente, desempenharam papel central na superação da crise asiática de 1997, objetivando direcionar recursos ociosos para setores economicamente estrangulado. Posteriormente, foram retomados na política externa chinesa – após a crise de 2008 –, com o projeto Nova Rota da Seda lançado em 2013.
Com esse projeto, a China busca, por um lado, solucionar um problema econômico interno relacionado à supercapacidade produtiva acumulada em decorrência do crescimento acelerado dos anos anteriores; por outro, procura atenuar tensões geopolíticas – como as associadas ao Estreito de Malaca – a partir de uma lógica geoeconômica, isto é, utilizando-se de mecanismos de mercado como instrumentos para alcançar objetivos de natureza geopolítica.
3.
Ao mesmo tempo em que a China demonstra surpreendente capacidade de articular planejamento interno e projeção externa de forma integrada e combinada, países como o Brasil ainda enfrentam dificuldades para alinhar suas estratégias de desenvolvimento a um projeto de inserção internacional de longo prazo, muito especialmente por não conseguir elaborar um Projeto Nacional de Desenvolvimento com objetivos claros, considerando a conjuntura internacional.
Essa comparação levanta algumas questões que considero essenciais, que para mim continuam inquietantes e que tais respostas não são nada triviais: será que a reconfiguração da ordem global passa inevitavelmente de um mundo atrelado ao individualismo metodológico, artificial e concorrencial com vistas a objetivos imediatistas, para um mundo mediado pela cooperação, com vistas a objetivos coletivos de longo prazo?
Será que o Brasil, como nos lembra Ignácio Rangel em Economia brasileira contemporânea “continua sendo useiro e vezeiro em acertar por equívoco” ou definitivamente podemos concluir, de acordo com Celso Furtado em O longo amanhecer que “em nenhum momento da nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”?
Acredito que se tomarmos os destinos do Brasil sob nossas mãos, considerando o que é essencial e muitas vezes não aparente, em detrimento das perfumarias cosméticas que ofuscam o que é importante, torna-se a pedra de toque fundamental de nosso desenvolvimento. Portanto, relegar o desenvolvimento econômico às forças de mercado em oposição ao planejamento estatal como se fossem coisas excludentes; não considerar a desindustrialização como epifenômeno da crise contemporânea e; não entendermos que a concentração de renda e riqueza e a queda do dividendo nacional é uma problemática lastimável em um país com demandas potenciais, é ignorar possibilidades latentes deste país.[1]
*Nilmar Rippel é doutorando em geografia econômica na UNIOESTE.
Referências
CARIELLO, Tulio. Investimentos chineses crescem 33% no Brasil em 2023, com foco em energias verdes e carros elétricos. Conselho Empresarial Brasil-China. Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://www.cebc.org.br/2024/09/03/investimentos-chineses-crescem-33-no-brasil-em-2023-com-foco-em-energias-verdes-e-carros-eletricos/.
DE CONTI, Bruno; BLIKSTAD, Nicholas. Impactos da economia chinesa sobre a brasileira no início do século XXI: o que querem que sejamos e o que queremos ser. Instituto de Economia. Unicamp. Texto para discussão, 2017.
JABBOUR, Elias. China: as infra-estruturas como essência do fenômeno. 2006. Ano 3 . Edição 26 – 1/9/2006. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/server/api/core/bitstreams/f0da033e-4fa3-4f9f-8d0f-e249e613cde7/content
PAUTASSO Diego; NOGARA, Tiago. A China e a nova rota da seda: da reconstrução nacional a rivalidade sino-estadunidense. São Paulo. Editora Cultura, 2024.
RIPPEL, Nilmar; CLOVIS MEDEIROS, Marlon. Ascensão chinesa e os investimentos diretos chineses no Brasil: o caso do setor de infraestrutura de transporte. ENTRE-LUGAR, v. 15, n. 30, p. 160–179, 2024. DOI: 10.30612/rel.v15i30.18820. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/entre-lugar/article/view/18820
SCHUTTE, Giorgio R. A expansão dos investimentos externos diretos chineses. o caso do setor energético brasileiro. Conjuntura austral. Porto Alegre. v. 8, n.44, 2017.
Nota
[1] Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro que tem sido fundamental para o desenvolvimento deste artigo de opinião e também o meu agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O fomento concedido contribuiu diretamente para o avanço da pesquisa, possibilitando a dedicação necessária à análise e produção científica.
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