Ensaios e conferências de Gerd Bornheim

Imagem: Robert Rauschenberg
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Por GASPAR PAZ, THAYS ALVES COSTA & ERIKA MARIANO*

Apresentação pelos organizadores do livro póstumo do filósofo e crítico de artes

Este livro é uma compilação de ensaios e conferências que compreende a última fase de produção de Gerd Bornheim. Trata-se de uma amostragem significativa de textos, em sua maioria dos anos 1998 a 2002, que tecem questões fundamentais de filosofia da arte, estética e áreas correlatas. Tais textos foram organizados e reunidos por integrantes do grupo de pesquisa Crítica e Experiência Estética, que atua no Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde 2015 e vem realizando um trabalho de organização documental sobre a vida e a obra de Gerd Bornheim.

A ideia motivadora do livro foi expandir os debates sobre a reinterpretação de nossas heranças culturais, filosóficas e artísticas, reunindo textos para o estudo das noções de “crítica” e “experiência estética”, que na obra de Bornheim são tomadas em perspectiva dialética. Essa vertente se desenha em seus ensaios e posicionamentos desde o livro Dialética teoria e práxis (1983a [1977]) e suas incursões atentas sobre as obras de Hegel e Marx. O itinerário ganha um relevo todo especial com a entrada do autor nas interpretações da cena teatral, que foi para ele um dos espaços mais férteis para reflexões e ações sociopolíticas. Vale sublinhar que foram mais de quatro décadas dialogando com a atualidade das práticas culturais e teatrais (tomadas aqui num sentido amplo de conexão entre as expressões e práticas artístico-culturais).

Gerd Alberto Bornheim nasceu na Serra Gaúcha, na cidade de Caxias do Sul, em 19 de novembro de 1929. Esse exponencial pensador brasileiro destacou-se por seus estudos sobre filosofia moderna e contemporânea e pela densidade e clareza de suas análises críticas, expressas em ensaios, cursos, entrevistas e conferências. Notável por seus questionamentos culturais sobre a realidade brasileira, mostrava-se imerso na pluralidade dos temas abordados. Ainda jovem, realizou períodos de estudos na Europa, o que foi um dos fatores determinantes para suas elaborações intelectuais.

Acompanhava com interesse todas as novidades surgidas no cenário artístico e cultural e foi dessa forma que começou a desenvolver seu próprio espírito crítico, por meio de análises profundas de teses e concepções filosóficas que admirava e analisava à exaustão em seus múltiplos conceitos e pontos de vista. Desde então tornou-se um viajante interessado em todos os meandros das esferas culturais. Transitava por cidades brasileiras e estrangeiras (como Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Frankfurt e Paris). Em Paris era assíduo aos cursos ministrados por Gaston Bachelard, Jean Hyppolite, Jean Wahl e Merleau-Ponty, entre outros. E nessa trajetória de viagens descobre-se escritor.

No Brasil, em 1969, com a intensificação de suas atividades docentes e de formador de opinião, foi cassado pela ditadura civil-militar. Nessa época, atuava como professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Acusado de subversivo por manifestar seus posicionamentos críticos ao governo, foi impedido de lecionar em universidades. Nessa mesma época, publicou o resultado da sua tese de livre docência, Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais (1969). Na imersão desse percurso flâneur, Gerd Bornheim viaja em direção à descoberta de sua própria personalidade.

E descrevendo as vicissitudes que o assolaram na universidade, reflete: “O pior é autoexpurgar-se, ou ser obrigado a fazê-lo, da vida intelectual. Até agora ainda não fui levado a tal extremo, pois continuo trabalhando muito, em casa. Contudo, minha situação é tal que dificilmente poderei manter-me desta maneira além de um mês. Espero que até março surja alguma coisa de positivo, que não me obrigue a abandonar o meu trabalho” (BORNHEIM, 1970).

Os anos de exílio na Europa marcaram o despontar da sua produção bibliográfica, não apenas a partir de temas filosóficos, mas também com atenção à literatura, às linguagens artísticas, e de maneira ímpar sobre Brecht e o teatro. Nesse viés, dedicou sua vida ao ensino e à produção de uma obra que perpassa a filosofia, as artes e a política. Faleceu em 5 de setembro de 2002 no Rio de Janeiro, lugar escolhido – com um sentimento aflorado – como morada das últimas décadas de sua vida.

Lá escreveu inúmeros ensaios, foi professor universitário inicialmente na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, posteriormente, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) até o final da sua trajetória. A cidade do Rio de Janeiro era também um local de descanso das atividades acadêmicas e das inúmeras viagens para conferências e palestras que fazia no Brasil e no exterior. Nessas conferências, que proferia com uma oratória impecável e sedutora, a voz grave, melodiosa e consistente demonstrava o prazer e o desejo de dialogar com grandes plateias. Deixou-nos um legado de proposições de pensamento, que contribuem para uma melhor compreensão de temas estético-político-culturais. Algumas dessas valiosas incursões poderão ser acessadas nesta edição.

Mais algumas palavras sobre a seleção dos textos desta coletânea. Optamos por uma disposição que deixasse transparecer as imbricações de cada um desses escritos, sem indicar explicitamente subdivisões de capítulos por temas específicos. Contudo, o leitor perceberá ao menos seis perspectivas de interpretações do autor: (1) a problematização da crítica artística; (2) a estética teatral entre a cena e o texto; (3) instanciações literárias que brotam de preocupações políticas com os andamentos da democracia e da cultura; (4) a experiência estética e o aprendizado do olhar nos escritos sobre artes plásticas; (5) a música como paradigma estético; 6) o problema da comunicação e as novas paragens das artes contemporâneas.

 

A crítica artística e a experiência estética entre a cena e o texto

Os dois primeiros textos, “As dimensões da crítica” (ensaio sobre a crítica publicado em 2000) e “A questão da crítica” (transcrição de uma conferência de 2001, publicada em 2002) são exemplos de uma apreensão dialética de questões de filosofia da arte. Tanto a ensaística quanto a oralidade que marcam esses dois capítulos revelam uma percepção estética que se espraia pelos capítulos seguintes. Gerd Bornheim, numa retomada vivaz de Brecht e Marx, dialoga com seu amigo Ruggero Jacobbi para pensar o exercício da crítica. Considera importantes o lado ensaístico de interpretação do (con)texto ou da produção da obra (a peça, o quadro, o filme) e a consequente preocupação com os desdobramentos dos eventos, espetáculos ou acontecimentos artísticos de uma forma geral. A exigência é que se acompanhem os andamentos da obra através de um diálogo estimulante. Esse exercício de pensar a crítica pode ser conferido também em outras publicações do autor, tais como “Gênese e metamorfose da crítica” e “Da crítica”, em Páginas de filosofia da arte (1998), e “Crítica necessária”, em Temas de filosofia (2015).

Segundo ele, no ensaio que abre este volume: “O pressuposto fundamental da crítica situa-se de certo modo no âmago da própria cultura ocidental: trata-se nada menos que a invenção do espírito crítico inerente ao nosso mundo, em decorrência do surgimento da filosofia e do espírito científico de modo geral – isso de perscrutar racionalmente os processos reais e os cometimentos humanos. No caso particular que nos vai ocupar, quer-se saber que tipo de necessidade presidiu o surto mesmo da crítica de arte: de onde veio, a que veio – e isso a ponto de estabelecer-se como uma espécie de gênero literário a postular as exigências de todo um departamento de nossas bibliotecas” (BORNHEIM, 2000b, p. 34).

Percebe-se então o gesto performático que revela a um só tempo o teatral e o literário, ambos elementos constituintes do plano de sua escrita. Ousamos enxergar nesses textos o entrelaçamento de um jogo semelhante ao trabalho preliminar por que passam as montagens de espetáculos teatrais e que, pela própria natureza de síntese de práticas artísticas, traz exemplos das artes plásticas, da música, da literatura, do cinema etc. É através de sua maneira natural de filosofar que ele nos convida, nesse espaço de expressão, a experienciar a importância da linguagem no decorrer das mudanças ocorridas no campo das artes, assim como as crises existentes no âmbito da reflexão estética no mundo contemporâneo.

Se nos dois primeiros capítulos o autor se põe a pensar sobre a crítica, nos dois capítulos que os seguem, “A estética brechtiana entre a cena e o texto” e “Brecht e as quatro estéticas”, o que se faz presente é toda uma aplicação dialética desse modo de interpretação. Brecht, trabalhando no limiar entre texto e cena, entre teoria e prática, vivencia e problematiza em sua obra e em suas discussões com as equipes de trabalho, ao menos quatro tendências estéticas: imitação, sujeito, objeto e linguagem. Para Gerd Bornheim (2007, p. 59), Brecht foi um “problematizador do teatro, não um teórico – Brecht não foi um teórico. Num nível essencialmente prático, ele foi problematizador”. Assim, uma das problematizações brechtianas é colocada a partir da separação e do distanciamento, signos de sua vigorosa atuação no teatro, na poesia e nas artes em geral.

Para Bornheim (2001b, p. 30), a separação em Brecht é uma ação “fundamental para reinstalar na realidade o homem, alienado que foi pelo palco italiano, passivo, sentado no escuro, desligado do mundo”. Ele exemplifica o fato dizendo: “Eu entro num cinema e vejo um drama ou uma comédia, acaba o filme, eu ri muito, chorei muito, saio do cinema e digo assim: “Então, amanhã eu tenho que trabalhar”. Quer dizer, voltei à realidade. A arte serviu para me afastar da realidade. Brecht quer um tipo de arte prazeroso, elegante, litúrgico quase, e que mergulhe o homem, devolva o homem a uma realidade que ele esquece não só quando está no cinema, mas quando trabalha, quando está passeando pela rua. É só” (BORNHEIM, 2001b, p. 30).

Na esteira desse “caminhar com a obra de arte comentada”, próprio das interpretações de Gerd Bornheim, o leitor encontrará, nesta edição, dois textos que se espraiam em diálogo com os capítulos anteriores: “A concepção do tempo – os prenúncios” e “Beckett e os significados do gerúndio”, ambos transcritos a partir de datiloscritos originais do autor. Distintas concepções das intuições de tempo e espaço aparecem em cena.

No primeiro texto, por exemplo, o autor relembra Mircea Eliade, que percebe essas noções a partir do profano e do sagrado: “Existiria o nível de um tempo e de um espaço profano, no qual se desenvolveria a vida usual dos indivíduos em determinada sociedade, e a esse nível se contraporia uma outra dimensão do espaço e do tempo, ligada agora a todas as coisas que codificam o mundo sagrado […]”.

É assim que o autor pinta todo um histórico que remonta aos gregos antigos e interpreta o impacto desses feitos nos acontecimentos atuais. Por outro lado, em “Beckett e os significados do gerúndio” e também em “O sentido da tragédia” ele tem em vista uma realidade contrastada por essas intuições. Para ele, conforme o primeiro texto, “tempo e espaço são noções que se movem no curso da dramaturgia beckettiana de modo especialmente incisivo. Em Esperando Godot, a peça inaugural, há um momento em tudo privilegiado em que se vê os dois palhaços-mendigos instalados em um meio-fio qualquer. Um deles tira o velho e esburacado sapato e põe-se a sacudi-lo, como se nele houvesse algo a impedir, quiçá, futuras caminhadas. Seu parceiro observa essa estranha azáfama, e pergunta intrigado: “você acha que nós temos um sentido?” O sapatólogo para, responde ao olhar, faz uma pequena pausa e dá uma estrondosa gargalhada. Nem deixa de ser curioso que a mesma pergunta apareça ainda em outra peça do autor. E a situação, note-se, tem tudo a ver com aquelas noções de tempo e espaço”.

Segundo ele, Beckett nos lança numa outra percepção das coisas: “o grande problema está exatamente aí: o espaço e o tempo perdem o sentido ou se fragmentam ou se tornam uma realidade altamente problematizada” (BORNHEIM, 2002c, p. 28). O corpus beckettiano é, portanto, uma experiência disruptiva e radical com a linguagem, o que para Bornheim é um campo aberto de experimentações. O interessante é que os textos presentes neste volume vão se conectando.

Em “O sentido da tragédia”, Bornheim fala de um possível diálogo teatral que poderia ter havido entre Brecht e Beckett, duas experiências que modificaram a forma de encarar o teatro contemporâneo. No mesmo texto há comentários sobre os tempos da epopeia homérica e das interações da tragédia grega que se ligam diretamente ao ensaio “A concepção de tempo – os prenúncios”, mas também à experiência da escrita e da cena que se vê configurada na dramaturgia do brasileiro Nelson Rodrigues. O profano e o sagrado, a culpa, o pecado e a utopia são associados pelo filósofo ao jogo da linguagem de Nelson no prefácio para o livro A mentira, organizado por Caco Coelho (fruto da pesquisa O baú de Nelson Rodrigues).

O ensaio sobre Nelson Rodrigues, que mostra as nuances de uma tragédia contemporânea à brasileira,[i] foi o último texto escrito por Gerd Bornheim antes do seu falecimento em 2002. Nessa edição, o ensaio enfeixa, junto de “A propósito da história de uma vida: o livro” e “Democracia e cultura”, as preocupações de Bornheim com a realidade social e política dos tempos atuais. Une-se a essas dimensões uma percepção literária que faz resistentes: “os descendentes de Machado de Assis”, como disse Bornheim (2000a, p. 44) sobre o livro.

 

Instanciações literárias e preocupações políticas e culturais

O ensaio “Democracia e cultura” é um marco desta compilação, pois mostra que as ligações entre a crítica, as experiências estéticas e as interpretações de filosofia da arte sustentam-se a partir de uma verve política fundamental. E ele está disposto aqui não por acaso, pois, como dizia Guimarães Rosa, o real aparece no meio da travessia. Com as ideias de democracia, cultura e cidadania, às quais os ensaios precedentes se ligam diretamente, toda a atualidade da cena começa a ser colocada.

Segundo Gerd Bornheim (2001d, p. 24): “São dois, repito, os personagens novos que tudo reinventam: o indivíduo e o elemento coletivo”. E, para dar um exemplo disso, ele fala das peripécias da dramaturgia de Schiller: “Numa primeira peça, Os bandidos, o poeta apresenta um grupo de rapazes, herdeiros de Rousseau, que se rebelam contra a ordem da cidade estabelecida, e tentam organizar-se, baldadamente, fora dela – o fracasso da empresa nem importa: trata-se da invenção de uma nova raça que ainda hoje povoa as nossas ruas, os hippies de todas as espécies. Em outro texto do mesmo poeta, Fiesko, assiste-se à luta de autoextermínio da tradição: são dois duques que se aniquilam na busca do poder; de permeio, a plateia consegue ouvir os gritos enraivecidos de protesto do povo, mas sem vê-lo: é que o povo apenas começa a nascer, situado ainda nos bastidores da cena. Schiller chegava a constranger-se com a violência que ele mesmo predizia; alguns meses depois da encenação de Os bandidos, o dramaturgo escreve um prefácio ao texto para desdizer-se, condena o furor dos jovens e declara-os perigosos à ordem vigente. Tarde demais: os jovens já se instalavam na cena viva, e embrulhavam-se nas aventuras de uma política em tudo novidadeira, a começar pelos prenúncios da Revolução Francesa” (BORNHEIM, 2001d, p. 24).

Não poderíamos ter deixado de citar aqui essa passagem, pois, além de sua visível atualidade, ela faz o enlace entre as experiências estéticas e o exercício do olhar propostos por Gerd Bornheim nos cinco textos que se seguem, cuja temática gira em torno das artes plásticas: “Bez Batti”, “Vasco Prado”, “A pintura que é pintura”, “Verde que te quero verde”, “A coerência de um itinerário”. Cabe ressaltar que esses escritos são potencializados pelo interesse do autor em compreender o sentido das imagens, do imaginário e da própria realidade das coisas. Esse exercício do ver a realidade através das imagens e quadros de pintores como Cézanne e Van Gogh, proposto por Rodin ao jovem Rilke, é também uma das investidas poéticas de Bornheim. Seguindo o labor rilkiano, ele alia vivência e percepção artística para aceder à realidade. Essa conexão será vital para sua experiência com a linguagem e para a tomada de consciência de seu tempo.

 

As artes plásticas e o aprendizado do olhar

Gerd Bornheim era um admirador das artes em sua completude e dedicava-se ao estudo e à escrita sobre as diversas linguagens artísticas, cujo funcionamento buscava compreender. Desse modo, produziu importantes questionamentos sobre as obras de artistas plásticos, como Bez Batti, Carlos Scliar, Vasco Prado, Glenio Bianchetti, José Carlos Moura, Marta Gamond, alguns reunidos nesta edição. Discursou sobre a dicotomia sujeito e objeto, a subjetividade impregnada na pintura, a plasticidade da escultura, as rupturas representativas na estética e com os valores morais, refletindo assim sobre os inúmeros elementos que envolvem uma obra de arte. Mais do que uma escrita sobre arte, nos ensaios de Gerd Bornheim repousa toda uma verve poética. Seus textos não se restringem a formatos de catálogos ou de publicações com teor acadêmico; havia algo mais, algo mais sensível, algo mais vivo, que só os experimentos e as percepções poéticas poderiam alcançar na escrita e na filosofia.

Da simplicidade da forma em Vasco Prado a uma “espécie de anjos diabólicos” (BORNHEIM, 1994, p. 93) nas cabeças esculpidas por Bez Batti, Bornheim sentiu o silêncio da escultura. E constatou: “A escultura ama o silêncio” (1994, p. 93). Na ação das mãos dando vida e forma à matéria bruta consiste o ato de esculpir, o ato de criar. Há silêncio na relação artista e matéria, assim como há silêncio na escultura, “mas há um silêncio ainda mais forte, vindo de muitas distâncias, confluências de um homem; há a suficiência das mãos que tudo sabem, síntese da terra e do humano” (BORNHEIM, 1984, p. 77), e há o silêncio como uma expressão natural da vida, que toca por extensão a arte, como algo inerente ao ser humano. Nesse viés, a escultura é a possibilidade de existência para um artista como Bez Batti.

Para nosso autor, “nada mais silencioso que a escultura” (1984, p. 77). Um silêncio que se condensa nas formas quase primitivas ou na “ideia que ficou atravancada na cabeça ou paralisada nas mãos” (1994, p. 93) de Bez Batti, seu amigo e interlocutor. Na contraparte do silêncio nasce também o som vertente de um rio, que traz consigo seixos esculpidos pelas águas que correm caudalosas em direção a Bez Batti. O basalto é para Batti uma paixão de infância que se intensificou nos momentos que passou no Rio Taquari, contemplando um mar de seixos.

Foi então que começou a esculpir cabeças, lembranças dos totens tribais ou de máscaras africanas, remetendo-nos às origens das civilizações, e conseguindo com elas “sua expressividade maior, seu meio de reescrever a fábula do mundo” (1984, p. 77). O escultor Bez Batti busca a obra de arte na natureza, mesmo que a pedra se mostre resistente à imposição da forma. Ele sabe que “a luta com a matéria crua sabe ser árdua” (1984, p. 77), e talvez seja por isso que tenha investido no contraste da pedra polida e da pedra bruta como signo de suas obras e suas lutas. O silêncio em Bez Batti aparece na solidão ou na relação com a natureza, seu refúgio, seu ateliê pessoal e onde encontra a matéria, construindo assim, com a escultura, seu lugar.

 

Música, comunicação e novas paragens das artes contemporâneas

Depois dos textos sobre a experiência estética nas artes plásticas é a vez de a música marcar presença como um paradigma estético. Na conferência “Nietzsche e Wagner: o sentido de uma ruptura”, Bornheim situa duas perspectivas que para ele são importantes para se compreender as artes contemporâneas: a totalidade wagneriana e a separação brechtiana. A música entre a audição e a fala, como no escrito sobre Enio Squeff, vai compondo um panorama de sonoridades e reverberações fundamentais sobre o tema da comunicação e da linguagem. É justamente a comunicação, recorrente em outras passagens deste livro, que será retomada no datiloscrito original “Arte e comunicação” e na conferência “A comunicação como problema”. Em “A estética da saúde” também aparece um tema crucial para os questionamentos bornheimianos, o corpo. Corpo, alteridade, sujeito, objeto, tecnologia e política requisitam o pensar sobre as novas paragens das artes contemporâneas.

*Gaspar Paz é professor do Departamento de Teoria da Arte e Música da UFES. Autor de Interpretações de linguagens artísticas em Gerd Bornheim (Edufes).

*Thays Alves Costa é doutoranda em história na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

*Erika Mariano é mestra em Teoria, crítica e história da arte pela UFES.

Referência


Gerd Bornheim. Ensaios e conferências sobre teatro, literatura, artes plásticas, música e crítica de arte. Organização: Gaspar Paz, Thays Alves Costa e Erika Mariano. Vitória, Edufes, 2022.

Nota


[i] É sempre bom lembrar o ensaio de referência escrito por Bornheim sobre a tragédia, “Breves observações sobre o sentido e a evolução do Trágico”, em O sentido e a máscara (1992).

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