Por LAURINDO MARTINS JUNQUEIRA FILHO & SÍLVIA POMPÉIA*
A história do sonar brasileiro, com seu componente “emprestado” e resgatado por um guia espiritual na Guarapiranga, revela o engenho e a espionagem à brasileira que marcaram o esforço de guerra nacional
Como de costume, num dia desses um grupo de físicos da USP se reuniu para bater um papo à distância. Eram todos dos anos 1968, em que o chumbo grosso e quente rolava solto. Como ficou comum durante a Covid 19, todos nos acostumamos a fazer encontros digitais remotos. E a conversa versou sobre um tema do momento, que é a dita Inteligência Artificial que, segundo alguns, não é nem artificial nem, muito menos, inteligente.
Afora esse, outros temas rolaram entre nós. Assuntos como a criação da Bomba Atômica, a “espionagem” nuclear feita pelo Brasil num país vizinho, a mui esperta iniciativa do metrô de SP para conseguir obter tecnologias de automação e controle de sistemas complexos, que eram ditas “sensíveis” nos anos 1970… E assim por diante.
Vários dos confrades, amigos e companheiros descreveram casos bizarros, todos versando sobre iniciativas brasileiras de libertar nosso País do jugo tecnológico imposto pelas potências de plantão. Apesar de até hoje não divulgados, os principais protagonistas dessas histórias, se já não se foram, já estão indo embora desta para outra melhor.
1.
Ficamos todos muito surpresos quando ouvimos nossa querida colega de turma do ano de 1965, Sílvia Pompéia, contar uma verdadeira aventura de espionagem sobre um segredo militar do qual seu pai foi protagonista. De fato, Paulus Aulus Pompéia foi professor e pesquisador da Escola Politécnica, do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP; do ITA (cujo projeto e estrutura inicial ele ajudou a criar); da Faculdade de Arquitetura da USP e do IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
Cientista jovem e muito promissor, coube a ele, entre 1940 e 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, estagiar em conceituada instituição de ensino e pesquisa dos EUA, em Chicago. Seu orientador de pesquisas era não menos do que o consagrado físico Compton, que iria para a história da ciência por ter descoberto o efeito que levou o seu nome.
O então estagiário e bolsista, como todo jovem brasileiro deslumbrado por tudo o que acontecia de grave no mundo em guerra, curioso demais da conta e dotado de uma visão política acurada, não deixou passar batido um fato inusitado ocorrido na universidade em que estagiava: uma área do campus estava sendo protegida por cercas. Depois, um edifício sem janelas passou a ser erigido em seu interior. À sua frente colocaram um nome fantasia: “Metalurgical Lab”.
Paulus Aulus Pompéia era genro de outro nacionalista de alçada, o velho Mattos Pimenta, avô de Silvinha. Junto com o escritor Monteiro Lobato, seu avô participou das campanhas “O petróleo é nosso” – lema criado por Pimenta em seu Jornal de Debates. A esse movimento que emulou tantas consciências políticas nos brasileiros, juntou-se o do “O ferro é nosso”. As potências imperialistas evitavam que o Brasil viesse a descobrir e explorar suas reservas de minerais estratégicos, reservando-as para si. Monteiro Lobato, Mattos Pimenta e Paulus Aulus Pompéia, hoje quase esquecidos pela nacionalidade brasileira, foram personagens destacados de nossa história.
2.
Como é sabido pelos brasileiros, em sociedade tudo se sabe. Na convivência alegre e solta dos estudantes na cantina da universidade, tudo e mais um pouco era comentado e, portanto, sabido. E isso não se resumia ao relato feito a meia-boca de quem dormia com quem. Muito mais do que isso, incluía (principalmente), o que era segredo de Estado e escondido da maioria dos mortais. E, para descobrir segredos, nada melhor do que atentar para o que é feito intramuros, à socapa, mesmo que tendo que espiar pelo buraco de uma fechadura.
Pois não demorou nadinha de nada para que se viesse a saber que estavam a construir uma instalação secreta que, fantasiada por uma placa anódina de laboratório de metalurgia, era, na verdade, voltada para o estudo da energia nuclear. Como era de se desconfiar, havia interesse bélico nesse laboratório: a fabricação da primeira Bomba Atômica.
Incrivelmente, nós, estudantes brasileiros de física, quando, nos anos 1970, trabalhando, no Brasil, nos laboratórios do Instituto de Energia Atômica, nos deparamos com algo similar, bem aqui, no campus da USP, sob os nossos olhos duplamente curiosos, de jovens cientistas e de brasileiros da gema.
Paulus Aulus Pompéia, então, foi “gentilmente convidado” a trabalhar no que se pesquisava por trás da tal cerca. O Professor Compton o convidou a se integrar à equipe que iria se subordinar ao físico Openheimer, um dos principais criadores da Bomba Atômica, hoje retratado em filme de sucesso. Mas Paulus Aulus Pompéia, renitente nacionalista e humanista que era, recusou-se a aceitar o convite.
Apesar de sua opinião pessoal ser frontalmente contrária à construção da Bomba A, o motivo alegado para a recusa foi o de que o Brasil ainda não havia firmado um acordo com os Aliados para o envio de tropas brasileiras para lutar na Segunda Guerra Mundial. E Pompéia, caso aceitasse o convite, teria que concordar com um compromisso de sigilo que não se sentia autorizado a assumir. Claro que Paulus Aulus Pompéia era a favor dos Aliados contra o nazismo. Mas não se podia esquecer que o ditador Vargas flertava com as ideias de Hitler e que sua polícia política reprimia a ferro e fogo os que a ele se contrapunham.
Com o fim de sua bolsa de estágio, Paulus Aulus Pompéia se preparou para voltar para casa. No Brasil, contudo, nossos navios cargueiros estavam seguidamente sendo torpedeados por submarinos alemães. Muitos náufragos morriam à deriva, ladeados por caixas e sacas de alimentos produzidos em nossas terras.
Há quem diga terem sido 26 os navios afundados. Mas há quem afirme terem sido 46. Segundo depoimento de meu pai, que participou das operações de salvamento dos náufragos, teriam sido 29. Como consequência, intensas manifestações de rua passaram a exigir do ditador Getúlio Vargas o imediato envio de tropas brasileiras para lutar na Europa contra o nazifascismo. O Brasil já havia se tornado, nessa época, um protagonista global da produção de alimentos fundamentais para a sobrevivência dos países em guerra (proteínas, grãos e água).
3.
Ocorreu, porém, de Paulus Aulus Pompéia ficar sabendo que um telegrama urgente lhe fora endereçado pela Embaixada Brasileira nos EUA. Como ele já havia embarcado, não ficou sabendo, de imediato, do seu teor. Mas, ao cá chegar, descobriu que a mensagem do governo brasileiro, mais do que um mero convite, instava-o a se dedicar integralmente ao dito laboratório sigiloso dos EUA.
Getúlio Vargas havia “mudado de opinião e se convertido” à causa da luta contra o nazifascismo. Com o Brasil aderindo aos Aliados, o argumento formal de Paulus Aulus Pompéia deitava-se por terra. Mas, estando já a caminho do Brasil, não precisou retornar – ainda mais que em seu íntimo restava-lhe ainda o argumento ideológico de ser contra a Bomba Atômica…
Ele sabia muito bem dos objetivos daquele que, mais tarde, viria a receber o nome de Projeto Manhattan. Alguns físicos mundialmente proeminentes haviam se proposto a trazer à luz as potencialidades do átomo, mesmo que elas viessem a ser usadas para destruir humanos em massa, às centenas de milhares a cada bomba lançada.
Entre eles estava o italiano Enrico Fermi (que morara no Brasil por alguns meses?). Pesava bastante na decisão o fato de que um grupo seleto de físicos, químicos e engenheiros já havia aderido à iniciativa de fabricar a bomba atômica dos EUA, antes que os nazistas alemães viessem a fazê-lo.
O então estagiário Paulus Aulus Pompeia não aceitava contribuir para que essa opção tão mortífera viesse a ser levada adiante com sua contribuição pessoal. Assim sendo, sentiu-se feliz de não ter se integrado a um projeto tão letal para a espécie humana. Na verdade verdadeira, há suspeitas (não confirmadas) de que esses profissionais teriam sido alertados pelos próprios cientistas alemães (em sociedade, tudo se sabe …) quanto à iminência de os germânicos terem a tal da Bomba A.
Diante da inevitabilidade desse projeto, seria fundamental que várias potências tivessem acesso a ela. Seria melhor para a humanidade que viéssemos a viver sob o horror sem fim da ameaça múltipla de uma guerra nuclear, do que se submeter ao final horroroso de um único país vir a possui-la.
4.
Assim que chegou de volta ao Brasil, Paulus Aulus Pompeia se viu diante de um novo desafio ligado à situação de guerra. A Marinha de nosso país, diante dos ataques continuados aos navios mercantes brasileiros durante a Segunda Guerra, viu-se diante da necessidade urgente de construir um sistema próprio de detecção de submarinos.
Então já conhecido como “Sonar”, ele estava sendo fundamental para os Aliados se contraporem aos ataques de submarinos nos mares do Atlântico. As pressões populares, empresariais e militares causadas por esses ataques estavam num crescendo e se espalhando pelas principais cidades brasileiras.
E foi aí que já professor, Paulus Aulus Pompéia voltou à cena, junto com seu amigo Marcello Damy de Sousa Santos. Damy teve importante participação na fundação do Instituto de Energia Atômica (hoje IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), além do Departamento de Física da FCLUSP (hoje Instituto de Física da USP).
Por conta disso tudo, Paulus Aulus Pompéia e Marcello Damy foram convidados a cooperar com o esforço de guerra brasileiro e dos Aliados contra o Eixo nazifascista. Concretamente, Pompéia foi questionado se estaria disposto a desenvolver o projeto de um sonar brasileiro. Seria ele um dispositivo de concepção eletrônica (embora ainda à válvula). Era preciso que os vasos de guerra da Marinha do Brasil se tornassem capazes de identificar, localizar e classificar um submarino inimigo submerso, para poder bombardeá-lo antes que ele pusesse a pique algum dos nossos navios.
A denominação “sonar” vinha em consonância com o recém-inventado “radar”, destinado a detecções aeronáuticas. Segundo o físico Diomar Bittencourt, um projeto brasileiro de radar teria sido executado por outro físico já citado, Marcelo Damy, que lhe renderia uma Medalha do Mérito Naval no grau de Comendador.
E foi assim que Paulus Aulus Pompéia aceitou a encomenda patriótica. Ele dominava a técnica necessária para tal. Mas havia um “porém” a ser resolvido … Faltava-lhe um componente essencial e difícil de ser conseguido. Levaria algum tempo para conseguir que a traquitana almejada fosse capaz de gerar ondas sonoras de frequências precisas, adequadas a cada tipo de objeto submerso. A onda sonora enviada refletiria no alvo e, ao voltar ao sonar, possibilitaria sua identificação.
Caso fosse uma nave de guerra, poderia ser bombardeada. Indagado a respeito do tempo que isso tomaria, caso viesse a ser desenvolvido nos laboratórios da Poli – Escola Politécnica da USP, Pompéia vacilou: – “Pode ser rápido, ou pode levar muito tempo! Talvez até mesmo a guerra já tenha chegado ao seu fim”.
O Almirantado brasileiro não se deu por satisfeito, dado o caráter de emergência da missão. Foi aventada, então uma alternativa que, em tempos normais, pareceria meio maluca. Mas, como se tratava da construção autóctone do sonar brasileiro, se a causa não era pequena, tudo valeria a pena. Afinal, como havia dito Camões (depois do general romano) e, a seguir, repetido por Fernando Pessoa e por Caetano Velloso, “navegar era preciso! E viver era preciso!”
5.
A 4ª. Frota naval dos EUA havia sido criada por ocasião da II Guerra Mundial para vigiar os submarinos alemães no Atlântico Sul. A Inglaterra, então, estava praticamente cercada pelos submarinos alemães. É de se destacar que esse mesmo dispositivo de guerra dos EUA voltou, recentemente, a operar nos “verdes mares bravios de nossa terra natal”. E, agora, os EUA ocuparam o mar do Caribe, para ameaçar a Venezuela.
Afinal, esse país tem as maiores reservas de petróleo do mundo e o Brasil conseguiu se tornar um exportador de petróleo. E ambos esses países ainda têm governos progressistas. Não por menos, há apenas alguns anos, duas – duas! – bases aéreas militares yankees teriam sido instaladas aqui pertinho, em Asunción, no Paraguai, a algumas horas de voo de São Paulo, de Brasília e do Rio de Janeiro …).
Durante as operações bélicas navais dessa 4ª Frota dos EUA na II Guerra, porém, ocorreu de um dos seus contratorpedeiros necessitar de manutenção. Esse navio, situado próximo do litoral brasileiro, teve que ancorar no porto de Santos para ser consertado. Mas, como mandam as regras navais internacionais, o comando de um navio de guerra estrangeiro, enquanto presente num porto brasileiro, teria que ter seu comando formalmente entregue à Marinha Brasileira. E foi aí que um problema que incomodava as noites de alguns militares brasileiros nacionalistas (não eram muitos…), encontrou uma solução que, embora bizarra, veio de fato a ser adotada.
Enquanto isso, Paulus Aulus Pompéia, resoluto que era, avançou a passos largos na execução do projeto do sonar brasileiro. Valendo-se de recursos técnicos aqui existentes, construiu o arcabouço do aparelho e ficou a depender apenas e tão somente de um transdutor, o qual não existia no Brasil.
Não é preciso dizer como a Marinha Brasileira se desincumbiu da tarefa irrecusável que o comando explícito de um importante Almirante da época destinou aos seus subordinados. Enquanto a tripulação do providencial vaso de guerra yankee com defeito passeava pelas lindas praias ajardinadas da minha cidade natal (Santos), comendo e bebendo nos seus deliciosos e sempre fartos restaurantes e tomando banho de mar nas ensolaradas areias, todas elas mui bem frequentadas por guapas donzelas, “alguém” da Marinha brasileira foi até o navio dos EUA, localizou o sonar que o equipava e, sorrateiramente, fez “um empréstimo” temporário do cujo dito dispositivo eletrônico emissor de sons e ultrassons.
Remetido a São Paulo, o dispositivo que faltava ao professor Paulus Aulus Pompéia foi instalado no protótipo do seu sonar. E não é que a traquitana, ao menos em laboratório, veio a funcionar?! E funcionou que foi uma beleza!
Mas a trama dessa história não termina aqui! Muito ao contrário, ela começa aqui.
6.
Dado a rigores metodológicos próprios de um físico, Paulus Aulus Pompéia carecia de fazer um derradeiro experimento em águas mais profundas do que as bacias de tomar banho que usava para efetuar seus testes. Como Pompéia, nas horas vagas, tinha o delicioso hobby de pescar, ele frequentava regularmente uma das represas das nossas represas. Ele pescava na então recente represa Guarapiranga, na Zona Sul paulistana, que era chamada pelos nossos conterrâneos cariocas (nossos eméritos tiradores-de-sarro) de “Praia dos Paulissstasss”. Mas, enfim, era o que então se dispunha por aqui! (Hoje, nem isso mais nos resta, já que as represas estão todas contaminadas).
Como pescador amador, Paulus Aulus Pompéia se valia de um antigo ribeirinho local, que conhecia como a palma de sua mão o sítio original da represa, desde quando ela ainda não havia sido inundada. Ele seria capaz de localizar o ponto mais fundo do lago, sem que uma complicada operação de batimetria tivesse que ser feita. E foi esse pescador que sugeriu o lugar mais profundo onde o misterioso aparelho poderia ser testado com maior eficácia.
Dito e feito, lá se foi, represa afora, a tríade de espiões: um barqueiro pescador, o nosso professor Pompéia e um seu assistente de pesquisas. Dos três mosqueteiros, dois não sabiam nadinha de nada de onde viera o tal raríssimo componente “emprestado” dos EUA pela Marinha do Brasil.
Ocorre que o bote em que estava a trinca era muito pequeno, coisa de pescador solitário. Ao manipular a traquitana, o Assistente de Pompéia pôs-se em pé, no afã de ajudar a mergulhar o aparelho. A tentar se equilibrar para não cair n’água, balançou o bote, o qual quase emborcou.
Mas, para quem acha que toda história deve ter um final feliz, entre mortos e feridos nesse incidente, felizmente salvaram-se todos os nossos três espiões brasileiros. Quanto ao pródigo protótipo do sonar brasileiro, bem … foi ele e a linha de pesca que o sustinha para o fundo da represa. E isso no seu lugar mais profundo.
Desesperado com o acontecido, visto que o tal dispositivoteria que ser devolvido em dois dias, Paulus Aulus Pompéia decidiu resgatá-lo o quanto antes. Procurou pelos três únicos escafandristas existentes em Sampa, na esperança de que ao menos um deles se dispusesse a recuperar o aparelho. Mas nenhum deles aceitou mergulhar em tamanha profundidade.
Não sabendo como proceder, Paulus Aulus Pompéia, a duras custas, emprestou um daqueles pesados e amedrontadores escafandros da época (que deixavam o escafandrista com cara de astronauta do Nautilus de Júlio Verne). E, desvairado, optou por ele próprio mergulhar na represa. Loucura total!
Dito e feito, na madrugada seguinte, lá foi ele para a margem da Guarapiranga, munido do risível escafandro, para dar cabo de sua tarefa de físico e, agora, de partícipe de uma bizarra ação de espionagem-à-brasileira.
Ao chegar à margem da represa, pronto para mergulhar no local em que presumia ter acontecido o acidente, ouviu um chamado longínquo, mas insistente. De fato, gritando qual um celerado, corria pela margem da represa o seu amigo pescador:
– “Professor! Professor! Espere!”.
Pois não é que o tal, bufando pelas orelhas, veio correndo pela margem, acenando com os braços para que ele não mergulhasse.
Depois de acalmado o pescador, Paulus Aulus Pompéia ouviu sua história, que se mostraria surreal. Ele lhe contou, então, uma coisa meio maluca, nada verossímil, uma verdadeira “história de pescador”:
– “Professor! Professor! Ufa! Sabe, Professor, eu sou Fio de Santo!”…
– “Filho de Santo?” – (Pompeia não tinha a menor ideia do que isso significava…).
– “É, sou Fio de Santo. Ocorre que eu vi o quanto o Senhor se perturbou pela perda do seu aparelho. E eu procurei meu Pai de Santo naquela noite mesmo, para pedir a ajuda dele!”.
– “Mas, amigo, que negócio é esse de ‘Filho de Santo’ e de ‘Pai de Santo’?!”
– “É Umbanda, Professor! Eu pedi ajuda pro meu Pai de Santo. E ele prometeu me ajudar!”
– “Prometeu ajudar? Como assim?”
– “Ele mandou eu incorporar o meu guia, professor, ontem à noite mesmo. então eu fiz isso e o meu guia disse pra eu fazer um gancho de anzol com arame farpado, como esses de pescar lulas, e amarrar ele numa linha de pesca com uns 40 metros. Feito isso, lá fui eu com o meu guia, ontem mesmo, à meia-noite, até a margem da represa. Tava escuro prá daná. Dava até medo! Pegamos o bote e eu não conseguia me lembrar muito bem do lugar em que a coisa tinha afundado. Mas meu guia mandou eu ir remando”
– “Sim… Mas você conseguiu chegar lá no lugar mais fundo? De noite a gente não vê nada!”
– “Fui remando, fui remando. Tudo escuro, né? Fui indo pro meio da represa… E chegou num lugar em que o meu guia me disse: – ‘É aqui!’ ”.
– “Daí ele mandou eu jogar a linha com os anzóis de garateia. E eu fui tentando encontrar o aparelho…”.
E, depois de descansar um pouco da sua fala apressada, continuou:
– “Pois foram umas cinco tentativas, Professor…”
– “E então, no que deram essas tentativas todas? Fala, homem!”
– “ Pois o Senhor que não acredita em milagre, fique sabeno que um dos anzóis enganchou no negócio”.
– “Sim! E daí?”
– “E daí eu puxei a linha de volta pro barco…”
– “Você conseguiu? Mas, e o aparelho? Cadê o aparelho?!”
– “Ah! O aparelho veio junto, meu cumpadi ?!”…
Com sua boca cheia de dentes em falta, com exceção de um brilhante implante dourado, o pescador sorriu da forma mais plena que havia feito em vida.
Bem, para encurtar a conversa, foi dessa maneira que o Brasil conseguiu ter o seu próprio sonar. E, segundo dizem, funcionou melhor do que o original! Quanto ao vaso de guerra deles, no dia aprazado lá estava ele com o seu sonar intacto, o qual devia estar ainda um pouco molhado, mas funcionando …
E como sete tem por hábito ser conta de mentiroso, paremos por aqui, neste episódio, esta história de um físico pescador.
Epílogo
Dentre as artes da pescaria, há várias que não dizem respeito a como localizar, atrair, fisgar e pescar um peixe. Nem todos os que se dizem pescadores de fato conseguem pescar um único peixe na vida. Há até mesmo casos de pescadores que tiram fotos segurando enormes pirarucus. Todos eles devidamente carimbados pela inspeção de um mercado de peixes. Mesmo assim, são muitas as lorotas que eles contam a respeito de suas aventuras. A física Silvinha, filha do professor Pompéia, que eu saiba, não é dada às artes da pescaria. Mas o pai dela era um contumaz frequentador da Guarapiranga quando a represa ainda dava peixe.
Paulus Aulus Pompeia sempre foi um cara muito sério, muito firme, mas ao mesmo tempo gentil e respeitoso. Inspirava confiança nos colegas e alunos. Não era de contar bazófias nem histórias de pescador. E Silvinha, que foi quem nos contou esse segredo de três quartos de século, puxou para o pai. O professor Paulus Aulus Pompéia nunca falou sobre isso com ninguém, antes que se passassem os 50 anos necessários para que se expirassem as eventuais, mas possíveis, responsabilizações em casos de crime de espionagem… Para espanto de todos, só então ele se dispôs a contar o acontecido! E, mesmo assim, somente aos filhos e a alguns amigos muito próximos.
Todos eles mantiveram sigilo e Sílvia, sua filha, guardou o segredo por mais 25 anos. Mas ela achou que agora, com um novo conflito mundial se anunciando e com a IV Frota dos EUA rondando nossas ensolaradas praias, seria bem legal contar esta incrível história de espionagem à brasileira! Só o Brasil, mesmo, para ter uma história dessas, né, mesmo?.[i]
*Laurindo Martins Junqueira Filho é pós-graduando em Física Nuclear na USP. Foi coordenador das Operações Metrô SP.
*Sílvia Pompéia é doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP.
Nota
[i] Colaboraram os físicos: Joaquim N. B. de Moraes, Diomar R. S. Bittencourt, Carlos O. Escobar e Eliseu Gabriel de Pieri, entre outros.
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C O N T R I B U A





















