Por JOÃO P. PEREIRA*
Da fotografia estática da lógica formal ao filme em movimento da dialética: uma síntese superior que captura o mundo no seu contexto, suas contradições dinâmicas e seu devir
1.
Afirma-se comumente que a dialética supera a lógica formal. Leon Trotsky, um ótimo escritor entre outras qualidades, demonstra que a dialética é filme enquanto o seu oposto, a lógica clássica, apenas fotografia. A imagem é boa, mas como a lógica superior lida com a lógica inferior? Vejamos as três leis da lógica clássica.
A primeira é esta: A = A. Chama-se “lei da identidade”, um copo é um copo, um jarro é um jarro – nem mais nem menos. Nesse caso, não temos nem contexto nem tempo, eis o erro. O que algo é, descobre a dialética, é-se no seu contexto e no seu tempo. Uma fábrica não é uma fábrica isolada no meio da floresta amazônica; tampouco capital torna-se sem (dentro de) uma relação social específica e histórica. Tudo é em tudo, no seu contexto.
A dialética pode afirmar, primeiro, ao contrário: A ≠ A. “A” é diferente de “A”. Ruy Fausto oferece os exemplos que uso. Homem é diferente de homem, porque o homem hoje é negado (e será afirmado no socialismo). Propriedade é diferente de propriedade, porque é a propriedade que é dono de seu dono sob o capitalismo (o poder da coisidade sobre os humanos) – e a propriedade será o que de fato é na próxima sociedade.
Liberdade é diferente de liberdade porque a liberdade capitalista é nada ter (negativa) enquanto o socialismo é liberdade positiva (incluso integração social). Riqueza é diferente de riqueza porque a riqueza sob o capital é abstrata (valor, dinheiro) em oposição à riqueza concreta, os produtos e o valor de uso. Vemos que a lógica deve se superior em questões mais profundas e complexas, que superam a aparência do mundo.
Há uma segunda posição alternativa e superante: A = A… Algo é seu movimento. O dinheiro não é mera coisa, mas suas funções: meio de pagamento, meio de circulação, medida dos valores, capital etc. A coisidade e a matéria importam, mas apenas quando consideradas no processo.
Temos, ainda, outro caso dialético, o mais central: A = A e não-A. Que pode ser expresso assim: A = não-A. Isso é a tradução de uma expressão de Hegel, esta: identidade da identidade e da não identidade. Algo é igual a ele mesmo e seu oposto. A célula é simples ou complexa? Ora, ambas.
A quantidade é uma qualidade, por exemplo, a quantidade de soldados é, em si, uma qualidade do exército. Se olharmos bem, o subjetivo é, ao mesmo tempo, um tipo de objetividade. Temos os opostos repouso (ficar parado) e movimento, mas nada está absolutamente parado e o repouso é uma forma de movimento, ou seja, uma forma do seu contrário. A mesa parada está girando junto com o planeta terra.
2.
Antes, a biologia centrava-se em classificar e organizar os seres vivos (A = A), a lógica formal era uma lógica de museu. Com a descoberta da complexidade da vida, tornou-se necessário superar a foto pelo filme; Charles Darwin descobriu o mecanismo da mudança das espécies – tudo volta a ser movimento, dialético.
Esses exemplos parecem suficientes para uma nova visão de mundo; então, vejamos outro fator. Esta é a segunda lei da lógica formal, “lei da não contradição”: (A ∧¬A). Tais símbolos abstratos significam isto: não pode A e não-A (serem ambos verdadeiros). Pode ser expresso assim: A ∨ A. Ou seja: ou A ou não-A, seu diverso e oposto. Ponto. Significa: uma afirmação e sua oposta não podem ser igualmente verdadeiras. A dialética percebe o exato oposto do oposto: duas afirmações adversárias podem ter a mesma validade e verdade.
Nós somos determinados pela biologia ou pela sociedade? Ambas. Devemos adotar a lógica dialética ou a formal? Ambas. A consciência é objetiva ou subjetiva? Ambas. Essa lógica serve para casos complexos e recheados de polêmicas. É muito comum que afirmações opostas na ciência encontrem uma solução na união das duas posições contrárias.
Vejamos agora a terceira lei da lógica formal: A é x ou não-x. Exposto de modo mais abstrato: A = x ∨ x. Algo é isto ou aquilo, sem terceira resposta. Chama-se “lei do terceiro excluído”: não há uma terceira posição possível. Mas: a dialética descobre que há, sim. A verdade é relativa, como um ponto de vista, ou absoluta, alcança a verdade inteira? Resposta: é relativamente relativa, ou seja, acessa a verdade por aproximação, de modo aproximado. A revolução socialista deve ter base operária ou popular? Ou um ou outro? A história demonstra: pode ser operária e popular. A lógica formal serve para questões simples: um jarro unicolor ou é branco ou é verde, claro, mas isso não é fazer ciência profunda.
Vejamos outro exemplo: a luz, fóton, trata-se de onda ou partícula? Toda a física clássica ficou por séculos em “ou-ou” da lógica formal, não em “e-e”, a lógica dialética. Ou isto ou aquilo: bons argumentos para a posição de onda – também, ao inverso, argumentos bons para a posição de partícula. A física atual, moderna, começou com a descoberta de que a luz pode ser ambas, partícula e onda.
O físico dialético David Bohm afirma que é onda-partícula como uma partícula carregada por uma onda piloto. Outra solução é esta: A é x ou… não-x. “A” vai-se de uma posição para outra: começa como x e, mesmo mantendo-se aí, caminha-se para outra ponta, oposta, não-x. O conhecimento começa parcial e vai-se, cada vez mais, aproximando-se do absoluto. A revolução socialista pode começar operária, mas, pelo seu estímulo à política, impulsionar revoluções de base popular. Nós somos determinados pela biologia, mas somos, cada vez mais, sociais.
3.
Vejamos um exemplo importante. A realidade é materialista, a matéria determina as ideias, ou idealista, o mudar do pensamento muda a realidade? A realidade é, de fato, materialista como o modo de viver produzir um modo de pensar; mas tende a ser, sem deixar de ser o que é, cada vez mais idealista – dose materialista de idealismo. Cada vez mais as ideias influenciam a realidade (economia planejada no socialismo etc.). Permite-se a reinterpretação disto: os homens fazem a história, mas de acordo com as condições dadas, afirma Karl Marx.
Creio que esta introdução é a mais clara que o leitor encontrará. Devo acrescentar um elemento: na sua exposição, adicionei uma interpretação pessoal da dialética, diferente da de Hegel e Marx. São expressões dela: (A = A…), (A é x ou… não-x). Ambas têm o peso do movimento; dando mais “respeito”, digamos assim, à validade da lógica formal. A expressão (A = A e não-A como A = não-A) apenas é certa forma de expressar a ideia hegeliana em linguagem abstrata caso isso possa ser chamado de inovação.
As três grandes leis da lógica clássica – da identidade, da não contradição e do terceiro excluído – são, assim, “refutadas”, embora permaneçam úteis para fins de clareza e de começo do trabalho cientifico.
Temos três concepções. Primeira: a contradição é lógica e existe na própria realidade. Segunda: se a realidade é movimento, temos de apreendê-la em seu movimentar. Terceira: a verdade está no contexto. Há diferença e movimento. Há aspectos da verdade em duas posições opostas, em ambas. Há uma terceira posição, antes excluída entre opostos, que deve ser inclusa.
Agora, ponho um dos resultados de minha pesquisa do mundo e da lógica. A conclusão, eis: uma categoria é a sua categoria oposta em processo (de algum tipo). Não-A = A em processo. A mente (abstrato) é o cérebro (concreto) em atividade com o mundo (processo). Energia (abstrato) é massa (concreto) vezes a velocidade da luz ao quadrado (processo). O capital (abstrato) é valor (concreto) que se autovaloriza (processo). O dinheiro (abstrato) é as mercadorias (concreto) em circulação (abstrato). Outra forma de dizê-lo: o abstrato é processo – e processo de um concreto. O elevar-se do concreto leva à abstração.
Com a realidade complexa e a própria ciência complexificando-se, precisa-se de um raciocínio superior. Eis a tarefa da dialética, que precisa ser atualizada.
*João P. Pereira é graduando em filosofia na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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