Por LEONARDO GRANATO & DANIEL EMMANUEL*
A postura agressiva dos EUA sob Trump reflete a tentativa de resguardar sua primazia no sistema internacional diante do avanço chinês, além de representar um claro ataque à soberania nacional
1.
Após assumir a Presidência Pro Tempore do Mercosul, e de sediar e presidir a 17ª Cúpula do BRICS, o Brasil sofreu uma ofensiva por parte do presidente estadunidense Donald Trump. Depois de ameaçar a países que se “alinhem às políticas antiamericanas do BRICS” com a imposição de uma tarifa extra de 10% às exportações aos EUA, o mandatário divulgou uma carta, nas suas redes particulares, informando que as exportações brasileiras serão sobretaxadas em 50% a partir de 1º de agosto, para além das tarifas de 50% que exportações de produtos como aço e alumínio já enfrentam como resultado do choque tarifário implementado no chamado “Dia da Libertação”, em 2 de abril.
Ainda que a referida carta inicie com críticas aos supostos ataques às eleições livres e às empresas norte-americanas de redes sociais, assim como à “caça às bruxas” do Poder Judiciário contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, a ênfase da missiva recai sobre um alegado desequilíbrio das relações comerciais em razão das “barreiras comerciais impostas pelo Brasil”.
Donald Trump chega a afirmar que a sobretaxação é necessária para corrigir “déficits comerciais insustentáveis” contra os EUA –motivando, inclusive, posterior abertura de investigação contra o Brasil por suas práticas comerciais–, e negligencia o fato de que é o Brasil quem vem registrando há anos déficits seguidos no comércio bilateral.
Sob uma perspectiva que privilegia na análise dos fenômenos sociais a imbricação de fatores externos e internos, a investida de Donald Trump ao Brasil pode ser lida a partir de dois elementos relevantes. Estamos fazendo referência aos contornos do tabuleiro internacional atual e às possibilidades nele abertas para a América Latina, bem como às estratégias do Brasil em meio a tal cenário.
A primeira questão diz respeito às transformações que vem experimentando a ordem mundial capitalista baseada no domínio das potências ocidentais – e, em particular, no poder unipolar dos EUA. A atual multipolaridade, expressa no poderio econômico da China, no renascimento da Rússia e na aliança entre ambos os países, é marcada pela intensificação de disputas comerciais, geopolíticas e conflitos armados.
Nesse cenário, buscando resguardar a sua primazia no sistema internacional, mesmo que já não plena como outrora e em meio ao declínio do seu poder brando, os EUA sob governo de Donald Trump vêm adotando uma postura mais agressiva em relação à América Latina, sobretudo diante do avanço chinês, com vistas a garantir a sua influência na região.
2.
O segundo aspecto remete às tentativas do governo brasileiro em buscar, em meio à referida ordem mundial em transformação, melhores condições de desenvolvimento socioeconômico e inserção externa, priorizado o interesse nacional e evitando alinhamentos automáticos aos interesses em disputa das grandes potências.
Resulta elucidativo, nesse sentido, o recente encontro de cúpula do BRICS no Rio de Janeiro que esboçou iniciativas como mecanismos tributários, cooperação em áreas climáticas e de tecnologia, como inteligência artificial e infraestrutura digital, e adoção de uma moeda intrabloco como alternativa ao dólar. Embora sem implementação prática, esses debates colocam em questão o interesse de Donald Trump e da sua política externa em transformar a América Latina numa zona segura na qual nenhuma potência extracontinental consiga avançar.
Observando à luz destes aspectos, fica nítido que estamos diante de uma reação da potência hemisférica que visa coibir qualquer estratégia política brasileira que possa apontar para um caminho de desenvolvimento e inserção externa não subordinada do país no sistema internacional. Nesse sentido, não há como negar que a ofensiva de Donald Trump configura um claro ataque à soberania nacional do Brasil, na procura de perseguir seus interesses.
Mas, a afronta à soberania nacional é caracterizada, também, pelo modo como a investida é construída, replicando o “estilo Donald Trump de negociação” já utilizado contra outros países: adota-se uma posição de força –neste caso, por meio da imposição de tarifas de importação de produtos brasileiros com impactos negativos à economia do país como um todo– no intuito de enfraquecer a posição do adversário.
De fato, a menção a Jair Bolsonaro e a crítica ao Poder Judiciário na carta em questão também funcionaram como uma tentativa do governo de Donald Trump de interferir internamente e explorar a polarização política para desestabilizar o governo brasileiro e a sua estratégia de inserção independente.
Mas, em meio ao chamamento à unidade nacional do governo federal, as instituições brasileiras vêm reagindo no sentido de rejeitar qualquer tentativa de ingerência externa e de criar capacidades para enfrentar a situação de forma altiva e com pragmatismo. Presidente Lula assinou o decreto que regulamenta a Lei de Reciprocidade Econômica e, por meio do referido decreto, criou o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, em cujo âmbito diversos segmentos econômicos vêm sendo ouvidos.
Somam-se a esse cenário a manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal em defesa das instituições brasileiras e a carta enviada pelo governo federal ao secretário de Comércio dos EUA registrando que o Brasil permanece pronto para dialogar e negociar uma solução mutuamente aceitável.
Em meio aos diversos interesses econômicos e políticos internos em jogo, a ofensiva de Donald Trump e os desafios brasileiros também precisam ser compreendidos no contexto das atuais transformações da ordem mundial e das margens que tais transformações oferecem aos países latino-americanos em geral e ao Brasil em particular para adotarem agendas de desenvolvimento e inserção externa autônomos.
Diante das oportunidades oferecidas pelo Oriente para o desenvolvimento socioeconômico na América Latina – ainda que tais oportunidades devessem estar sempre sujeitas a renegociação conjunta para superar a primarização e o investimento em áreas não prioritárias –, a potência hemisférica carece de instrumentos para além da força para reimpor seu domínio na região.
O episódio em questão demonstra, em definitivo, a importância de serem articuladas, na periferia latino-americana, e mais especialmente na atual conjuntura, respostas nacionais e, inclusive, conjuntas que confrontem qualquer tentativa externa de subordinação aos interesses imperialistas estadunidenses.
*Leonardo Granato é professor de ciência política na UFRGS. Autor, entre outros livros, de O Estado latino-americano: teoria e história (Expressão Popular).
*Daniel Emmanuel é mestrando em ciência política na UFRGS.
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