Por MARIANA MAZZUCATO & SIMON SHARPE*
Como fazer melhores escolhas de política econômica
O Reino Unido está entrando em sua recessão mais profunda em 300 anos. Milhões de empregos estão em risco e a dívida nacional ultrapassou 100% do PIB. Não seria o momento de explorar os fundamentos conceituais da teoria econômica?
Na verdade, como governos em todos os lugares estão tomando empréstimos, gastando e regulamentando em uma escala sem precedentes, uma compreensão mais profunda da tomada de decisões econômicas é essencial para acelerar a recuperação e evitar riscos de longo prazo. É por isso que a nova orientação do Tesouro do Reino Unido sobre a tomada de decisões para a mudança transformacional é tão bem-vinda, e porque os Ministérios das Finanças em todos os lugares devem seguir o mesmo exemplo.
Em um estudo recente para o Better Regulation Executive do Reino Unido, descobrimos que, embora as organizações de políticas públicas estejam cada vez mais diversificando suas abordagens para a tomada de decisões, muitas permanecem excessivamente dependentes de ferramentas estáticas, como a análise de custo-benefício. Essas ferramentas são inadequadas para compreender, prever e impulsionar a inovação e as mudanças estruturais na economia.
No Reino Unido, os críticos da análise de custo-benefício argumentam que a prática contribuiu para o agravamento da desigualdade regional. Se os investimentos em infraestrutura em áreas de maior produtividade forem avaliados como mais valiosos, essas regiões mais ricas receberão a maior parte dos novos investimentos, aumentando ainda mais sua produtividade. Esse ciclo de feedback de reforço irá naturalmente causar um abismo crescente entre os que têm e os que não têm. A análise de custo-benefício estática não reconhece esses feedbacks dinâmicos.
As estruturas da política econômica predominantes também têm dificultado a resposta global às mudanças climáticas. A análise estática sugere que substituir carvão por gás seria a forma mais barata de reduzir as emissões. Mas a teoria ignorou totalmente os feedbacks dinâmicos que levariam as energias renováveis a se tornarem a forma mais barata de geração de eletricidade rapidamente.
Essas não são falhas de mercado, são falhas em nossa compreensão de como funcionam os mercados.
Quando trabalhamos juntos na Estratégia Industrial do Reino Unido em 2017, descobrimos que muitos economistas tinham visões altamente restritivas sobre o papel do Estado. Alguns defendiam o apoio governamental apenas para setores que já se mostravam exportadores relativamente competitivos. Outros disseram que qualquer coisa além de consertar as falhas do mercado era demais. Para outros ainda, a melhor estratégia industrial era não adotar uma estratégia industrial.
E, no entanto, foram os investimentos estatais que levaram à internet e aos smartphones – investimentos que visavam não corrigir falhas de mercado, mas desenvolver novas oportunidades. Se a Coreia do Sul tivesse se concentrado em setores onde tinha uma vantagem comparativa comprovada durante os anos pós-Segunda Guerra Mundial, teria dobrado para baixo nas exportações de arroz em vez de se transformar na economia mais inovadora do mundo.
A nova orientação do Tesouro do Reino Unido é revolucionária ao reconhecer que a economia é um sistema complexo, moldado por feedbacks dinâmicos e mudanças constantes. Esse novo entendimento, baseado nos conceitos e na matemática da evolução, ao invés dos da mecânica newtoniana, pode ir além da alocação de recursos escassos para a criação de novos. Ele reconhece que inovação, crescimento e transformação estão acontecendo o tempo todo, cabe ao Estado os estimular numa direção de mudança que seja vantajosa para a sociedade.
As escolhas de direcionamento são importantes, porque desenvolvimentos aparentemente pequenos podem ter consequências enormes e duradouras. As inovações que deram aos motores de combustão interna uma vantagem sobre os veículos elétricos no início dos anos 1900 tiveram efeitos profundos – na indústria do petróleo, no planejamento urbano, na geopolítica global e no planeta – com os quais lutamos até hoje.
A dependência de trajetória surge porque os mercados são profundamente sociais, integrados em instituições, normas e rotinas, e porque as tecnologias se beneficiam de retornos crescentes. Como resultado, os mercados podem ficar presos em condições abaixo do ideal e as economias podem ficar presas em posições competitivas, gostem ou não. Durante décadas, a Alemanha foi líder mundial em ferramentas mecânicas e os Estados Unidos em tecnologias de informação e comunicação.
Hoje, o mundo está se movendo em direção a uma economia de energia limpa. Mas a forma que assume, o ritmo em que se desenvolve e as posições competitivas dos países dentro dela dependem das decisões de política econômica que os governos tomam agora. Os governos que tentarem estimular suas economias construindo novas usinas de carvão criarão ativos perdidos e aumentarão o risco futuro de perda de empregos. Aqueles que investem estrategicamente em tecnologias limpas, ao contrário, reivindicarão posições superiores na economia do futuro.
Depois de definir uma direção, os governos precisam identificar as políticas mais eficazes para impulsionar o progresso. Em sistemas complexos, causa e efeito são geralmente desproporcionais. Para garantir grandes ganhos com pequenos insumos, e não vice-versa, devemos encontrar pontos de alavancagem.
Muitos economistas recomendaram um único preço de carbono, aplicado igualmente em toda a economia, como a abordagem mais eficiente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Mas, além de algumas exceções, onde a precificação de carbono direcionada ajudou a ativar pontos de inflexão, novos investimentos, não pela taxação de carbono, até agora impulsionaram quase todo o progresso do mundo nas transições de baixo carbono.
Isto não deveria ser uma surpresa. Imagine a atual economia de combustível fóssil como um grande edifício que precisa ser demolido. Devemos dirigir uma escavadeira e empurrar com força contra a lateral, espalhando a pressão igualmente por todo o edifício, ou devemos concentrar essa mesma energia em uma explosão controlada em um ponto crítico da estrutura?
Identificar esses pontos críticos requer um melhor entendimento dos feedbacks na economia, como defendemos em 2018. As escolhas de políticas também se beneficiam da consideração dos efeitos colaterais dinâmicos – onde a mudança em um setor catalisa mudanças adicionais em outros. Por exemplo, a indústria de software surgiu como uma propagação do programa Apollo da NASA. Se o programa tivesse sido avaliado com base na análise de custo-benefício, ele nunca teria sido iniciado.
Em um novo documento de trabalho, sugerimos como a análise tradicional de custo-benefício pode ser ampliada para se tornar uma “análise de risco-oportunidade”, na qual o mapeamento e a manipulação de feedbacks são centrais. Ao lidar com a economia em toda a sua complexidade desordenada e em constante mudança, esta abordagem é mais capaz de garantir que nossos investimentos não sejam desperdiçados, nossa recuperação não seja atrasada e a nova economia mundial que criamos seja mais próspera, igual e sustentável.
*Mariana Mazzucato é professora de economia na Universidade de Sussex (EUA). Autora, entre outros livros, de O Estado empreendedor (Companhia das Letras).
*Simon Sharpe é pesquisador visitante de política no Instituto de Inovação e Propósito Público da University College London (UCL).
Tradução: Stéfanni Mota
Publicado originalmente no portal Project Syndicate.