Por PAULO FERNANDES SILVEIRA*
O poder não é dado, é conquistado. E quando mulheres negras se erguem, toda a comunidade se fortalece
“Dizem que querem uma revolução.
Melhor começar agora mesmo! (…)
Preciso perguntar, camaradas e irmãos,
Como vocês tratam suas mulheres em casa?”
(John Lennon, “Power to the people”).
Em 1976, a assistente social, professora e pesquisadora Barbara Bryant Solomon publicou Black empowerment (Berth, 2023). É provável que ela tenha sido a primeira autora a utilizar o conceito de empoderamento.
Um dos livros que influenciaram seu trabalho foi Power and innocence, do psicólogo Rollo May, publicado em 1972.
Rollo May e Barbara Solomon escreveram seus livros impactados pelo movimento Black Power, de jovens como Stokely Carmichael/Kwame Ture (1968).
Apesar das lutas do movimento pelo aumento do poder negro, o racismo institucional nos Estados Unidos promovia uma condição de falta de poder às pessoas negras, especialmente, às mulheres.
Em seu livro, Barbara Solomon retoma a história de Mercedes, uma paciente negra de Rollo May que enfrentava diversos traumas, entre eles, o de ter sido obrigada pelo padrasto a se prostituir aos 13 anos:
“Este capítulo relata o desenvolvimento em psicoterapia de uma jovem negra, de uma impotência quase completa à autoestima e à capacidade de agressão. Ela nasceu e cresceu em um estado de impotência. Não por acaso ela é negra e mulher, dois fatores que aumentam decisivamente a percepção cotidiana da falta de poder (powerlessness)” (May, 1972, p. 81).
Como sugere John Lennon na canção “Power to the people”, de 1971, quem luta por uma revolução nas ruas não deve desrespeitar as mulheres em suas próprias casas!
Como assistente social, Barbara Solomon estava preocupada em ajudar as pessoas fragilizadas a enfrentarem o racismo e qualquer outra forma de opressão: “Alguns dos conceitos mais gratificantes da nossa retórica ‘Black Power’ e ‘controle comunitário’ exigem uma definição operacional muito mais precisa do que a que existe atualmente” (Solomon, 1976, p. 24).
Em Black empowerment, Barbara Solomon não defende todas as ideias e demandas revolucionárias do Black Power.
Pelas análises de Marie-Hélène Bacqué e Carole Biewener (2013), talvez seja possível compreender o empoderamento negro de Barbara Solomon como inserido no horizonte das propostas liberais de intervenção na sociedade.
No final dos anos 1980, discípulos norte-americanos de Paulo Freire publicaram alguns textos apresentando-o como um dos criadores do empoderamento (Freire; Shor, 1986; Giroux, 1987), ainda que o educador jamais tivesse utilizado o conceito.
No artigo “Paulo Freire: mentor negligenciado do serviço social”, Rebecca Hegar (2012) argumenta que, quando o Black empowerment foi publicado, os principais livros de Paulo Freire estavam traduzidos para o inglês e, na interpretação de diversos autores, é inegável a influência de suas ideias no trabalho de Barbara Solomon.
Em 1987, Barbara Solomon publicou um artigo explicando as posições que assumiu em Black empowerment. Solomon não cita Paulo Freire no livro, uma vez que seus fundamentos teóricos eram outros. Trata-se de uma intelectual norte-americana negra que repercute em seus trabalhos as lutas do movimento Black Power.
Assim surgiu o empoderamento negro!
*Paulo Fernandes Silveira é professor da Faculdade de Educação da USP e membro permanente do Grupo de Trabalho Filosofia e Raça da ANPOF.
Referências
BACQUÉ, Marie-Hélène; BIEWENER, Carole (2013). L’empowerment, un nouveau vocabulaire pour parler de participation?, Idées Économiques et Sociales, n. 173, 25-32. Disponível neste link.
BERTH, Joyce (2019). Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira (1986). Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
CARMICHAEL, Stokely (1968). Que queremos, Cuadernos de Marcha (El Poder Negro), n. 12, 119-124. Disponível neste link.
GIROUX, Henry (1987). Literacy and the pedagogy of political empowerment. In FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Literacy: reading the word and the world. London: Routledge, p. 1-19.
HEGAR, Rebecca (2012). Paulo Freire: neglected mentor for social work, Journal of Progressive Human Services, n. 23, 159-177.
MAY, Rollo (1972). Power and innocence: a search for the sources of violence. New York: W. W. Norton & Company.
SOLOMON, Barbara (1976). Black empowerment: social work in oppressed communities. New York: Columbia University Press.
SOLOMON, Barbara (1987). Empowerment: social work in oppressed communities, Journal of Social Work Practice, n. 2, v. 4, 79-91.





















