Em destaque – XII

imagem_Oto Vale
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por BENICIO VIERO SCHMIDT*

Comentário sobre acontecimentos recentes

Um dos destaques desta semana foi o envio ao Congresso do Projeto de Lei Orçamentária anual, a famosa PLOA 2021, que irá vigorar no ano de 2021. No Brasil, via de regra, o Orçamento é quase uma peça de ficção. Depois da apresentação do executivo, as negociações são tão pesadas que no final do ano a resultante pouco tem a ver com aquilo que foi proposto. Mas, de qualquer forma, chama a atenção nesse envio tanto o acréscimo irrisório do salário mínimo, de R$ 24, como a ausência da indicação da fonte de recursos para o anunciado programa Renda Brasil, que viria a substituir o Bolsa Família.

Além disso, os recursos para o pagamento de aposentados e da folha de pagamento do serviço público não estão contemplados em sua integridade, ou seja, com os gastos efetivos até o fim do ano. Isso significa que pelo terceiro ano consecutivo o Executivo terá de entrar em conexão com o Congresso para negociar suas propostas. A projeção mais otimista, mais próxima da austeridade, é uma emissão de títulos de 248 bilhões de reais pelo Governo Federal. São situações a serem debatidas ao longo do ano que revelam bem o dilema que o governo enfrenta entre (a) manter o teto dos gastos e despesas em investimentos e demais gastos ou (b) romper o teto para cobrir algumas demandas de natureza social especialmente no Renda Brasil.

O governo oscila entre as pretensões políticas do presidente que quer manter o auxílio emergencial – que será nos próximos quatro meses de R$300 e não R$600 como foi até agora – e depois garantir isso num fluxo permanente e os interesses do estamento econômico que diz que isso configura na prática um desrespeito à lei que estipula um teto para os gastos. Ora, não é bem isso, nem aquilo. O artigo de Armínio Fraga, de 30 de agosto, publicado na grande imprensa, propõe uma estratégia ponderada para o controle do resultado final. De qualquer forma, tudo indica que continuaremos na disputa entre os “desenvolvimentistas” e aqueles que querem manter o teto da despesa, tal como votado no governo Temer, que é corrigido simplesmente pela inflação do ano anterior.

O segundo destaque é a situação do Rio de Janeiro, envolvendo dois dos seus principais dirigentes. O governador Wilson Witzel foi afastado do comando do governo por uma decisão quase unânime do STJ. O prefeito Marcelo Crivella ganhou o noticiário por ter instaurado uma guarda pretoriana volante para intermediar as relações entre o público atendido, ou seja, pacientes e a imprensa nos hospitais municipais do Rio de Janeiro. Um cerceamento, uma intervenção indevida, que merece todo o protesto da opinião pública.

No caso do governador Witzel, independente do conteúdo das acusações sobre desvios da área da saúde e outras mais, permanece uma questão importante da natureza legal: a intervenção do STJ foi legítima? Restam dúvidas sobre a sua legitimidade, uma vez que o processo de impeachment do governador já corria na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Tudo leva a crer, tanto no caso de Witzel como no de Crivella, que está presente o dedo de Jair Bolsonaro que pretende controlar o Rio de Janeiro por meio da indicação do vice-governador para o exercício do final do mandato de Witzel, contando com a nomeação pelo governador em exercício do novo Procurador Geral do Estado afinado (assim como o comando da polícia local) com os interesses de Bolsonaro e família.

A tensão na relação entre o general Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, e o ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles veio a público no final da semana passada. Enquanto a Amazônia pega fogo, o Pantanal tem um incremento de 40% no total das suas queimadas sobre o mês anterior, o governo discute acirradamente quem controla os recursos e quem retirou do orçamento do ministério do Meio-Ambiente 66 milhões de reais. O general Mourão disse que a reclamação do ministro Salles foi apressada e configurou uma gafe. Resta conferir se as operações serão retomados pelos órgãos do Ministério, o IBAMA e o ICMBio.

Uma portaria do Ministério da Saúde aponta para uma regressão acerca do direito constitucional ao aborto em situação de estupro. Ela obriga os médicos e as autoridades hospitalares a relatarem à Polícia circunstanciadamente a operação geral para propiciar o aborto às pretensas vítimas. Trata-se de uma evidente intimidação sobre os médicos e principalmente sobre as vítimas. Tudo leva a crer que essa situação, se persistir, deverá aumentar o número de vítimas decorrentes da prática de abortos clandestinos. O direito ao aborto neste caso foi consagrado no Código Penal há 80 anos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia se pronunciou veementemente contra essa portaria e disse que haverá recursos no Judiciário. Se eles não obtiverem êxito, a Câmara Federal irá manifestar-se sobre essa medida, tentando retomar os trâmites antigos.

Por último, cabe registrar a declaração oficial de que o Brasil se encontra em uma recessão técnica com o recuo de 9,8% do PIB em relação ao trimestre anterior. Têm-se uma paralisia das funções econômicas, sendo que o único setor que apresentou superávit foi a agropecuária.

*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ricardo Abramovay Érico Andrade Vinício Carrilho Martinez Daniel Costa Eleutério F. S. Prado Marilia Pacheco Fiorillo Annateresa Fabris Jean Pierre Chauvin Henri Acselrad Gilberto Maringoni Lincoln Secco Flávio R. Kothe Juarez Guimarães José Luís Fiori Rubens Pinto Lyra Tarso Genro Alysson Leandro Mascaro Ronald Rocha José Costa Júnior Gerson Almeida Lucas Fiaschetti Estevez Bruno Machado Milton Pinheiro Marjorie C. Marona Liszt Vieira Marilena Chauí Tales Ab'Sáber Fernão Pessoa Ramos Alexandre de Lima Castro Tranjan Salem Nasser Francisco de Oliveira Barros Júnior Samuel Kilsztajn Marcos Aurélio da Silva Valerio Arcary André Márcio Neves Soares Daniel Afonso da Silva Michael Roberts Bento Prado Jr. Eduardo Borges Anselm Jappe Alexandre de Freitas Barbosa Bruno Fabricio Alcebino da Silva Antonino Infranca André Singer José Raimundo Trindade Ronaldo Tadeu de Souza Manchetômetro Gilberto Lopes José Micaelson Lacerda Morais Remy José Fontana Vanderlei Tenório João Adolfo Hansen Jorge Luiz Souto Maior Vladimir Safatle João Feres Júnior José Dirceu Luiz Bernardo Pericás Bernardo Ricupero Alexandre Aragão de Albuquerque João Carlos Salles Carla Teixeira Mário Maestri Ricardo Musse João Paulo Ayub Fonseca Chico Whitaker Flávio Aguiar Igor Felippe Santos Paulo Sérgio Pinheiro Michael Löwy Heraldo Campos Thomas Piketty Matheus Silveira de Souza Andrés del Río Gabriel Cohn Daniel Brazil Luciano Nascimento Luiz Carlos Bresser-Pereira Leonardo Sacramento Priscila Figueiredo Ricardo Antunes Boaventura de Sousa Santos Berenice Bento Atilio A. Boron João Lanari Bo Maria Rita Kehl José Geraldo Couto Eliziário Andrade Francisco Fernandes Ladeira Lorenzo Vitral Luiz Werneck Vianna Henry Burnett Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Antônio Sales Rios Neto Otaviano Helene Rodrigo de Faria Eleonora Albano Ronald León Núñez Paulo Martins Eugênio Trivinho Marcos Silva Rafael R. Ioris Leda Maria Paulani Julian Rodrigues Airton Paschoa Jean Marc Von Der Weid José Machado Moita Neto Michel Goulart da Silva Ricardo Fabbrini Caio Bugiato Claudio Katz Ari Marcelo Solon Dênis de Moraes Leonardo Boff Manuel Domingos Neto Antonio Martins Eugênio Bucci Tadeu Valadares Marcus Ianoni Luiz Marques Elias Jabbour João Sette Whitaker Ferreira Valerio Arcary Fernando Nogueira da Costa Slavoj Žižek Yuri Martins-Fontes Mariarosaria Fabris Celso Frederico Jorge Branco Ladislau Dowbor Dennis Oliveira Chico Alencar Paulo Fernandes Silveira Luiz Eduardo Soares Carlos Tautz Luís Fernando Vitagliano Sandra Bitencourt Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luiz Renato Martins Marcelo Módolo Francisco Pereira de Farias Renato Dagnino Benicio Viero Schmidt Paulo Nogueira Batista Jr Sergio Amadeu da Silveira Andrew Korybko Walnice Nogueira Galvão Kátia Gerab Baggio Denilson Cordeiro Paulo Capel Narvai Everaldo de Oliveira Andrade Osvaldo Coggiola Celso Favaretto Armando Boito Marcelo Guimarães Lima Luis Felipe Miguel Fábio Konder Comparato João Carlos Loebens Luiz Roberto Alves Leonardo Avritzer Afrânio Catani

NOVAS PUBLICAÇÕES