Por FLÁVIO AGUIAR*
Enquanto o governo consolida vitórias diplomáticas e econômicas, as oposições enfrentam um cenário de fragmentação, marcado por tentativas frustradas de pautar a segurança pública e a política externa
1.
Aziago: eis uma palavra que jamais pensei que usaria no jornalismo contemporâneo. Pois bem: apesar de toda a barulheira que fazem no Congresso Nacional e das iniciativas que ali tomam, apesar de toda a acolhida que encontram na mídia corporativa, no plano federal 2025 foi um ano aziago para a direita e a extrema direita brasileiras. Aziago: ruim e de mau agouro.
Para começo de conversa, o governo Lula acumula índices altamente positivos na área social: taxas de desemprego e pobreza em mínimos históricos Brasil mais uma vez fora do Mapa da Fome, inflação baixa, PIB com crescimento de algarismos modestos mas constante, uma proeza no mundo geoeconômico perturbado de hoje. Tudo isto configura um momento insuportável para a extrema-direita e para a direita.
Na política externa Lula e o Brasil se reafirmaram como lideranças na questão do clima, com presença marcante e positiva em todos os fóruns frequentados, apesar das contrariedades, dificuldades e controvérsias, como no acaso do acordo entre o Mercosul e a Uniã Europeia.
Um caso emblemático foi o da COP30. Tão logo ele entrou no radar das pautas da mídia corporativa, começou a caça a problemas e “fracassos”. Criticava-se tudo: da escolha da sede (Belém) ao preço dos aluguéis, da falta d’água em algumas torneiras à ausência de um cardápio exclusivamente vegetariano (apud Paul McCartney). E só criticava-se. Havia sempre amplo espaço para quem pontasse o esvaziamento do encontro devido à ausência de lideranças importantes e da defecção dos Estados Unidos.
Pois bem: o feitiço voltou-se contra os feiticeiros. O propalado esvaziamento de lideranças abriu espaço para a reafirmação de uma delas: a de Lula, que confirmou sua posição de primeiro plano na questão, projetou a Amazônia em escala mundial e conseguiu a aprovação do fundo Florestas Tropicais para Sempre, com a adesão de 53 países e a captação imediata de 5,5 bilhões de dólares, cerca de 50% do capital total almejado. Lula e o Brasil saíram vitoriosos.
Pode-se dizer que todas as grandes apostas políticas que a extrema direita e a direita fizeram deram errado no todo ou em parte, apesar dos esforços midiáticos para minimizar ou negar os fracassos.
2.
Em 2025 a extrema direita e a direita in extremis, isto é, aquela que é mas não quer parecer que é, ou que não é, mas a ela se rendeu, adotaram uma formação em pinça, Num braço atuavam os governadores de direita, liderados por Tarcísio Freitas (SP), Zema (MG), e Claudio Castro(RJ), secundados por Ronaldo Caiado (GO) e Ratinho Jr (PR),além de outros.
No outro, a família Bolsonaro e seus fanáticos fãs, transformados numa pulga na camisola de que o restante da direita não consegue se livrar. Na base da pinça, a mídia corporativa e seus comentaristas de pjantão, tentando transformá-la numa frente, insistindo em que o governo Lula está na lona, falto de cacife ou de governabilidade, além de apressar uma falênoa do presidencialismo de coalizão devido a um conflito insolúvel entre os poderes.
Ambos os braços da pinça apostaram em apoiar o tarifaço de Donald Trump e as sanções contra Alexandre de Moraes. Deu errado. Suas próprias bases, prejudicadas em seus interesses, rejeitaram a ideia. Tentaram dizer que a culpa era de Lula e sua “ideologia” de se aproximar da Rússia e da China nos BRICS. Tampouco deu certo. Tiveram de fechar o bico.
Ao contrário das lideranças da União Europeia, que foram fazer uma verdadeira cerimônia de baija-mão do presidente norte-americano, Lula peitou Donald Trump com conversa e moderação, e ganhou. Alexandre de Moraes foi reabilitado nos Estados Unidos e as tarifas parcialmente removidas.
O que aconteceu?
Acontece que Marco Rubio, o direitista extremado que é o Secretário de Estado do governo norte-americano, tem os pés no chão, ao contrário de Trump, e sabe que tem de negociar o acesso às terras raras, de que o Brasil é o segundo depositário no mundo, com Lula e o Itamaraty, não com o pirotécnico Eduardo Bolsonaro.
O caso do tarifaço ainda não terminou de todo, mas Lula já foi o vencedor por pontos, sem nocautear o adversário. E Alexandre de Moraes e esposa tiveram seus direitos nos Estados Unidos restabelecidos.
Ressalte-se que esta vitória diplomática brasileira se deu num momento extremamente adverso, com os Estados Unidos revivendo uma nova versão grotesca da doutrina Monroe e da política de Theodor Roosevelt, a saber, a do “carry a big stick and don’t speak softly”.
Jair Bolsonaro segue preso e depois do episódio em que tentou derreter peça da tornozeleira, em prisão de Brasília. Seus filhos clamam e reclamam, sem resultado. Na briga por espaço com seus aliados e concorrentes – os governadores e a mãe, Flávio Bolsonaro se auto-proclamou candidato à presidência. Leu em público uma carta de apoio à sua pré-candidatura, escrita à mão pelo pai à beira de uma cirurgia. Foi uma tentativa canhestra de imitar a Carta Testamento de Getúlio Vargas, que causou profunda irritação em Michelle Bolsonaro e entre demais aliados.
3.
Outra tentativa frustrada dos Bolsonaro foi a de fomentar o boicote às sandálias Havaianas, depois do comercial de Fernanda Abreu apregoar a entrada no Ano Novo com os dois pés, ao invés de apenas com o pé direito. Apesar de apoio ao boicote por parte do Véio da Havan e de alguns outros lojistas e jornalistas, depois de ligeira queda as ações da Alpargatas, dona das Havaianas, voltaram a subir significativamente na Bolsa de Valores, e as lojas Havaianas permanecem cheias.
Às vésperas da Cop30 o quadro era muito negativo para as direitas. Lula e o governo contavam com bons índices econômicos e sociais. Lula continuava na frente em todas as pesquisas de votação para 2026, embora a mídia corporativa e os institutos de pesquisa procurassem diariamente uma alternativa eleitoral viável e sua projeção internacional fosse inconteste.
Cria-se um quadro paradoxal: nas pesquisas, Lula é reprovado pela maioria e ao mesmo tempo ganha de todos os adversários. Neste contexto as direitas lançaram uma cartada desesperada, cometendo aquilo que de melhor podem produzir em matéria de efeito midiático: um massacre de favelados.
Digo massacre porque foi o que aconteceu na mata da Serra da Misricórdia entre as favelas da Penha e do Alemão. Nas palavras da mídia corporativa e do governador Claudio Castro houve um “combate” ou algo assim entre forças policias em operação e narcotraficantes em fuga. Estranho “combate”, com 117 mortos de um lado (os favelados) e quatro do outro (os policiais, depois cinco, com o falecimento de um ferido).
Parecia um daqueles relatos norte-americanos sobre “combates” no Vietnã, em que morriam um ou dois de seus militares, se tantos, alguns sul-vietnamitas e centenas de “vietcongues”, sendo que na contagem destes se incluíam os civis que não eram guerrilheiros, mortos por estarem no lugar errado na hora errada.
A ideia que tomou forma na ocasião era de substituir as pautas sociais e da soberania nacional, além da climática, em que Lula navegaria de vento em popa, pela sa segurança, mais favorável às direitas.
Não deu muito certo. Primeiro, porque tratou-se de um massacre, como ficou mais ou menos claro em reconstituições posteriores, ainda que vagas e truncadas.[1] E segundo porque a justificativa para o massacre se ancorou num conceito de pernas curtas pelo menos para o Brasil, o do “narcoterrorismo”, importado do discurso de Donald Trump.
Este conceito ou algo parecido com ele foi usado pela primeira vez nos Estados Unidos em relação ao Cartel de Medellin, no século passado, acusado de pretender influenciar governos locais colombianos através de ações violentas.
Ele foi mobilizado também contra a guerrilha colombiana (FARC e ELN), além do tema ser mencionado em 1989, quando os Estados Unidos invadiram o Panamá para derrubar o presidente Manuel Noriega que, aliás, já fora um agente norte-americano. Porém ele ganhou maior robustez no século XXI, ao ser usado para acusar altos oficiais das Forças Armadas venezuelanas e o presidente Hugo Chavez de assambarcarem e chefiarem um suposto mega-cartel chamado de “Cartel de los Soles”. Esta mega-organização coordenaria, segundo denúncias, as atividades de vários cartéis em diferentes países latino-americanos com o objetivo de inundar os Estados unidos com drogas. A Revolução Bolivariana e o Chavismo teriam, assim, transformado o Estado venezuelano num narco-Estado, hoje chefiado por Nicolás Maduro.
4.
O governo Donald Trump nada mais fez que trombetear o conceito aos quatro ventos para justificar suas ações violentas contra a Venezuela. E a pinça das direitas no Brasil apressou-se em apossar-se dele para adaptá-lo ao Brasil, sempre apontando que o governo de Lula é incapaz de enfrentar o problema. Tentaram aprovar uma nova-lei anti-crime no “seu” Congresso, apresentando-se como as lideranças responsáveis e capazes de combater o crime organizado.
A manobra não deu certo. É difícil falar de “projetos políticos pára-institucionais” em relação a organizações criminosas brasileiras, como o PCC e o Comando Vermelho, mais próximas da Faria Lima do que de Brasília. Segundo, porque suspeitas maiores de envolvimento com facções criminosas pairam mais sobre o braço bolsonarista da pinça do que sobre o PT e o governo Lula. Terceiro porque inicialmente o tal de “novo projeto anti-crime” revelou-se uma manobra para limitar a ação da Polícia Federal e teve de ser modificado várias vezes.
Além disto as direitas apostaram na proteção de um mandato já esvaziado, o de Carla Zambelli e, na data de votos suficientespara cassá-lo, na suspensão do deputado Glauber Braga.
Tudo isto não impede que a base midiática da pinça das direitas fale diariamente de crises e mais crises institucionais entre os poderes da República, acenando continuamente com uma falta de governabilidade ou com o “esgotamento do atual modelo de presidencialismo de coalizão”,[2] o que aponta subrepticiamente na direção de uma emenda parlamentarista ou, in extremis, de uma ditadura. De direita, é claro.
Mais recentemente lançou-se a pré-candidatura de Fláavio Bolsonaro, secundada pela “Carta-Testamento” do pai, num movimento que neutraliza Tarcísio de Freitas, Michelle e os demais pré-candidatos. Além disto, como Alexandre de Moraes foi “absolvido” pelo governo-morte-americano, busca-se atingi-lo sem provas até o momento, com o escândalo do Banco Master. E há ainda a aposta no projeto da dosimetria, que pode ser declaro inconstitucional.
Resumo da ópera: Lula termina o ano numa posição confortável (não se confunda com zona de conforto, porque as direitas são solertes, tenazes) em relação à eleição de 2026. Enquanto isto, as direitas ainda se parecem mais com um bando de náufragos em busca de boias de salvação do que uma “galera singrando os mares de norte a sul”.
Em parte, isto se deve ao fato de que as direitas não têm mais “projetos”, trocados pela “defesa de valores tradicionais”; têm apenas “programas”, os de desmonte das funções sociais do Estado e de seus mecanismos de controle – como no caso daquele novo projeto de lei anti-crime que, no fundo, beneficiava o crime. Isto é tema para outro artigo, que este já vai longo.
*Flávio Aguiar, jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo). [https://amzn.to/48UDikx]
Notas
[1] Ver, a respeito artigo de Manuela Andreoni, Fábio Teixeira e Luciana Novaes Magalhães, “How Brazil’s deadliest police raid turnrf into a bloodbath”, publicado pela Reuters em 20/12/2025. Nele fica claro, através de polimentos colhidos a posteriori, que a operação foi mal planejada e mal executada, redundando, primeiro, numa emboscada com morte de policiais. O massacre aconteceu depois, por um misto de espírito de vingança e pânico diante da possibilidade de os policiais caírem em novas emboscadas.
[2] Ver, a proposito, o artigo da Maria Hermínia Tavares. “Nem crise, que sirá institucional”, públicado na Folha de São Paulo em 17/12/2025. Nele a autora aponta que, apesar de algumas derrotas e outros contratempos, o governo conta com vários projetos tramitando normalmente no Congresso. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2025/12/nem-crise-que-dira-institucional.shtml#:~:text=






















