Fragmentos XVI

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por AIRTON PASCHOA*

Oito peças curtas

Cálculo

Faz de conta que o mundo tem jeito
que a vida tem remédio faz de conta.
Que a vida é brincadeira que andamos de mãos dadas e
cirandamos sem parar. Faz de conta que
somos desiguais em paz
ou somos iguais sem parada
faz de conta.

Faz de conta
que custa pouco. E o pouco que custa
faz de conta que tem
pronto socorro
que o cálculo
cada vez mais dói
cada vez menos.
Faz de conta.

 

Parada

Feriados há tão parados que sentimos comichão de parada.

Desta quadra não vemos senão túmulos, túmulos e mais túmulos, suntuosos uns, quase mausoléus, outros nem tanto, só cova e olhos, simplórios a maioria, beirando carneiros.

De vez em quando aponta um verme e logo se recolhe desapontado. Nada, nem cardíaca. Voltemos ao repasto.

 

Aos nossos pais

In memoriam

Perdoem a cara deslavada, a falta de espaço etc., os dias são assim. Festa houve, tão breve, que muitos pensam não passou de sonho. Lavamos, esfregamos bem os olhos, os dias são assim. Mais difícil talvez é contar-lhes a transformação. Nós o colhemos e provamos e, como direi? é e não é o gosto, é e não é o fruto… Não é dialética. Também não entendo muito bem, perdoem. Os dias são assim. Chamam de transformação genética. Transgênico é o fruto, transgênico o gosto — perdoem, o neologismo se impõe. E se impôs tão democraticamente que não temos mais como falar aos nossos filhos. Os dias são assim.

 

Montanha & praia

Tocar poesia! quando milhões e milhões seguem enredados astros de futebol, estrelas de novela, quando não estrelas e astros ascendidos e acendidos pelas próprias redes, quando mal toca, terrena todavia, milhares e milhares que se espraiam e amontoam.

 

Réquiem brazuca

Não terminou a tempo mestre Pazzo, elo de tradicional banda militar. O coro, o que resta, permanece boquiaberto. Surdo, o regente prefere a batuta bazuca. O auditório, anestesiado, toma por celesta o tinir de lâminas.

 

[degaullando]

Faço saber, a quem interessar possa, que deixe de ser turrão! de levar a sério o torrão fatal; sério, ele leva você — pra campa, pro pinel, até pra rampa! Aprecie o grande elenco tentando disfarçar a farsa. Repare nos espirros de gente, nosocômicos, não? Sim, sim, graves são as consequências ao virarem esbirros, mas por isso mesmo havemos de casquinar menos? Não encasquete. Vai perder a cabeça e a cadeira?

 

[chorando]

Faço saber, a quem interessar bossa, que a alma brasileira é avessa a vale de lágrimas; aqui reina o chorinho. O negócio é levar na flauta. Pensa, que que compensa? O machete racha e o violão escora. Tudo é de palha e mal para em pé. O que pega fogo é o choro, mas a flauta sopra. Quem lá quer saber da ventania — cortante que nem guilhotina! da legião de arcos? Chorões, aquela, “Toco-toco no bafu”, nossa alma, nossa palma, por favor.

 

[praguimatismo]

Faço saber, a quantos imaginar possa, wow! que país fora este! Quem não needs de amor, carinho, proteção? Há resistir ao protetorado paternal, maternal, eternal? Por alguma razão de ordem unida qualquer, porventura metafísica, nosso interesse não se concentra neste território. Por que então desdenhá-la, a proposta de intervenção — mister desfazer o mal-entendido! insight de interação, amiga, amorosa, de parte da América nossa de cada dia? Don’t forgetam o nome, inspirador, de tamanha democrata mam, Pam Keith.

Não digo this nem please pelas moças, que adorariam kids de fitar claro e anelos dourados, que nem nas glamorosas fitas, nem mesmo pelo English gratuito desde o berçário, o que não é pouco, tampouco por minha sofrida corporação, em meio a cujas gerações vindouras já me vejo vicejar (mas presidente de honra, ora!) em merecida memória, com conduzi-las a gosto ao Panteão das Letras, a cujo ingresso naturalmente assegura a língua soldadã do mundo. Minha razão íntima pode soar praguimática; entretanto, cá entre us, sonhos e suspiros… who não trocaria por pankeikh?

*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de Ver Navios (e-galáxia, 2021, 2.ª edição, revista).

 

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES