Ciclos da vida e da dívida

Imagem: Eline
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

O envelhecimento das nossas sociedades implica a demanda social por despesas públicas aumentar rapidamente

Charles Goodhart e Manoj Pradhan, no livro lançado em 2020, The Great Demographic Revival, criticam a hipótese ortodoxa de “suavização do consumo” ao longo do ciclo de vida. Supõe ele estar diminuindo, relativa e lentamente, enquanto a idade aumenta. Isso não tem acontecido nas sociedades consumistas ocidentais. Em vez disso, o consumo tende a aumentar nos últimos anos da vida humana pela força dos fatos.

As despesas médicas estão concentradas no último ciclo da vida. Essas despesas e mais as com cuidados com idosos, sejam particulares, sejam como serviço público, se tornarão cada vez mais um fardo maior, na ausência de uma inovação na Medicina no tratamento da demência, ainda não anunciada para qualquer breve futuro.

A dependência física, especialmente a demência, é uma função exponencialmente crescente da idade. Tanto as pesquisas quanto os cuidados com a demência estão subfinanciados pelos Estados nacionais frente à necessidade social premente.

Charles Goodhart e Manoj Pradhan não só levaram isso em consideração, mas também o aumento constante da idade média do casal quando nasce seu primeiro filho. Nenhum artigo de economista discute os efeitos econômicos deste fenômeno de alteração do ciclo de vida.

O peso extra da dependência da população envelhecida é arcada pelas famílias, mas o peso das pensões e dos custos com cuidados médicos tende a aumentar para o setor público. Pior, isso ocorre quando o crescimento real está baixo, reduzindo assim a capacidade tributável sobre valor agregado, ou seja, rendas.

Os economistas do mainstream pregam a idade da aposentadoria aumentar à frente da elevação da expectativa de vida, além da generosidade relativa das pensões por aposentadoria ser reduzida. Na maioria das sociedades envelhecidas, há movimento social se revoltando para direcionar a política pública justamente na direção oposta.

As pressões para equilíbrio fiscal por parte dos carregadores dos títulos de dívida pública são tais de modo os países seguirem esse caminho de aumento da idade de aposentar e diminuição das pensões. Isto apesar de ser politicamente impopular.

Os presidentes neoliberais podem atestar isso por não conseguirem logo o pretendido. Os movimentos ascendentes na idade de aposentadoria e os movimentos descendentes na generosidade relativa das pensões serão graduais, mas implacáveis.

Outro problema nos modelos mentais convencionais é todo o investimento ocorrer no setor corporativo, ignorando a necessidade do gasto público com a habitação. Os velhos não se mudam para asilos voluntariamente – e não precisam fazê-lo, caso tenham pagado suas hipotecas em financiamento habitacional. Necessita-se de novas moradias.

O conceito básico de déficit habitacional está relacionado diretamente às deficiências do estoque de moradias, além de englobar aquelas sem condições de serem habitadas em razão da precariedade das construções ou do desgaste da estrutura física. Dentro desses conceitos, elas precisam ser repostas.

Também é considerado como necessidade de incremento do estoque de residências o fator da coabitação familiar não desejada (famílias com pretensão de constituir um domicílio unifamiliar e sem conseguirem), dos moradores de baixa renda com dificuldades de pagar aluguel acima de 30% da renda nas áreas urbanas, dos moradores em casas e apartamentos alugados com grande densidade. Por fim, caso da moradia em imóveis e locais precários e com fins não residenciais, ou seja, domicílios improvisados.

Em uma sociedade em envelhecimento, tende a haver mais agregados familiares e má distribuição do espaço. Por enquanto, o maior número de idosos ainda vivendo separados observa o aumento no número de agregados familiares por jovens viverem mais com os pais, devido ao elevado custo do alojamento separado. Por conta disso, os apelos às reservas financeiras dos pais reduzirão as economias para a aposentadoria.

Por todas essas razões, Charles Goodhart e Manoj Pradhan afirmam os economistas dominantes na mídia neoliberal serem demasiadamente otimistas sobre a força dos futuros índices de poupança pessoal. Pior, o investimento corporativo nas economias avançadas tem sido muito lento nos últimos anos, indicando baixo valor adicionado nos próximos anos.

Dada a alta lucratividade anterior por menores custos trabalhistas e baixíssimos custos de financiamento, no exterior, era de se esperar um investimento muito maior. Em parte, o investimento, assim como a produção, parece ter sido transferido para a Ásia emergente. Nesse caso, somente a redução da globalização (“desglobalização”) trará algum impulso ao investimento doméstico.

Outra parte da explicação para o baixo investimento pode ser a fraqueza do poder de barganha dos trabalhadores ter permitido aos empregadores do setor terciário de serviços aumentar os lucros. Para isso, reduziram as remunerações na “economia sob demanda” [freelance economy], definindo novas relações de trabalho entre empresas e trabalhadores temporários, “urberizados” e/ou “pejotizados”.

Optaram por essa precariedade na relação trabalhista em vez de passar pelo processo mais difícil de aumentar a produtividade dos funcionários. Seria conseguido isso principalmente por meio de investimento em automação e/ou robotização.

Se confirmar o fortalecimento do poder de barganha trabalhista e aumento do salário-mínimo, devido à menor população, isso poderá encorajar o investimento industrial em máquinas e equipamentos para elevação da produtividade. Portanto, Charles Goodhart e Manoj Pradhan não esperam o declínio potencial da força de trabalho (população economicamente ativa) levar a uma queda equivalente no investimento corporativo.

Mas eles compartilham da visão de outra razão para a estagnação dos índices de investimento se refere ao problema de governança corporativa nas economias capitalistas, notadamente na economia de mercado de capitais norte-americana. Dar aos executivos corporativos bônus enormes, se eles conseguirem aumentar as valorizações de ações, em curto prazo, os encoraja a aumentar a alavancagem, emitindo dívidas apenas para recomprar ações, e agir contra a diluição das participações acionárias. Com isso, aumentam de imediato os dividendos distribuídos aos acionistas restantes, em vez de assumir risco em longo prazo com investimento produtivo.

Não resistem à tentação de garantir logo o próprio futuro pessoal. O resultado é um grande aumento nos índices de dívida corporativa, embora as razões para isso sejam distintas dos fatores impulsionadores dos índices de endividamento no passado. Na Ásia ainda há investimentos produtivos, diferentemente das economias ocidentais.

Esse aumento do grau de endividamento se depara agora com as taxas de juros nominais crescentes – e não mais próximas de zero. Os índices de serviço da dívida deixarão de permanecerem baixos, inclusive os encargos financeiros do endividamento público.

No passado recente, dada a inusitada movimentação para alcançar superávit também no setor empresarial, enquanto as finanças pessoais das famílias ricas permaneciam superavitárias, o setor público assumiu um déficit de modo a manter o equilíbrio contábil macroeconômico. Essa contabilidade social ocorria com a renda estagnada.

A Matriz do Patrimônio Financeira mostra os setores liquidamente emprestadores da economia brasileira serem as famílias e o resto do mundo, enquanto os setores liquidamente tomadores são as sociedades não financeiras e o governo. O sistema financeiro apresenta-se em equilíbrio, devido à sua intermediação de recursos.

O envelhecimento das nossas sociedades implica, em simultâneo, a demanda social por despesas públicas aumentar rapidamente. Os gastos com a Previdência Social e a Saúde Pública crescem, enquanto o crescimento dos rendimentos reais para proporcionar a capacidade tributável, de modo os satisfazer, está diminuindo.

No exterior, isso foi obscurecido, nas últimas décadas, por um declínio compensatório nas taxas de juros nominais, deixando os índices de serviço da dívida constantes. Mas agora essas dívidas já cresceram tanto a ponto de os Bancos Centrais não poderem mais aumentar as taxas de juros nominais sem desencadear um colapso financeiro?

Os países ricos ficaram presos em uma armadilha da dívida por conta de as baixas taxas de juros, mais a governança, terem aumentado tanto a dívida a ponto de agora as taxas de juros não poderem mais ser aumentadas muito. O mainstream não vê essa mudança na relação entre a política fiscal e a política monetária. Não percebe a necessidade de rever sua previsão de inflação baixa, assim como de baixas taxas de juros nominais, não dificultar o refinanciamento da dívida e a cobertura financeira dos déficits.

Charles Goodhart e Manoj Pradhan analisam como escapar da armadilha da dívida. Isso deve envolver a redução das vantagens fiscais da dívida sobre o patrimônio e impedir as empresas evitarem impostos usando paraísos fiscais. Provavelmente, também terá de impor algumas novas fontes de impostos, por exemplo, sobre valores de terras improdutivas não geradoras de riqueza e poluentes atmosféricos, como um imposto sobre o carbono. A base tributária sobre a remuneração dos altos executivos corporativos, especialmente os CEOs, também precisará ser reconsiderada nesta privilegiada sociedade de executivos.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Rede de apoio e enriquecimento (Disponível aqui).


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