Combate à desigualdade social

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A direita considera as desigualdades naturais, enquanto a esquerda se define pela busca da igualdade social por não a considerar natural

As ideias de esquerda e direita são termos referentes a posições no espectro político. Ideias de esquerda se definem pela busca da igualdade social por não a considerar natural. A “sorte do berço”, para alguns, com qualidade de vida e herança parruda, impõe política compensatória para os demais.

Sua preocupação principal, então, é a promoção da igualdade social e econômica. A esquerda busca reduzir as disparidades de renda e proporcionar igualdade de oportunidades. Para tanto, acredita em uma intervenção mais ativa do Estado na economia para corrigir desigualdades e garantir serviços sociais, como saúde e educação, para todos.

Seu foco está na proteção dos direitos sociais: defende os direitos civis, igualdade de gênero, direitos LGBTQ+, e outros direitos sociais como parte fundamental da justiça social. Para a mudança social, apoia políticas progressistas, como o casamento igualitário, políticas ambientais, e medidas de inclusão social. Busca criar uma sociedade mais justa, onde os benefícios e ônus sejam compartilhados de maneira mais equitativa.

Em oposição, as ideias de direita se pautam por considerar as desigualdades individuais serem naturais. O individualismo enfatiza a responsabilidade individual e a autonomia, argumentando os indivíduos necessitarem de liberdade para buscar seus interesses sem interferência excessiva do Estado.

Daí sua preocupação principal é defender o livre-mercado ao impor um papel limitado do Estado na economia. Pressupõe as livres iniciativas serem os meios eficientes de alocação social de recursos escassos, ou seja, “os competentes se estabelecem”. Isso preservaria a liberdade individual dos empreendedores. O liberalismo econômico acredita na eficácia do mercado livre para o crescimento econômico e a inovação.

Para controlar revoltas e proteger a propriedade privada de poucos, a direita se pauta na manutenção da ordem social e a segurança. Enfatiza a importância da lei dura e do autoritarismo político para manter a estabilidade social. Seu conservadorismo social leva à manutenção de valores tradicionais. Está associada à preservação de valores morais antigos, incluindo questões como família e religião.

Quando a esquerda no governo analisa as principais políticas para diminuir a desigualdade social, percebe ser um desafio muito complexo, requerendo uma abordagem multifacetada dos seus múltiplos componentes interativos. Para promover maior equidade e justiça social costuma pregar a redistribuição dos fluxos de renda, quando desconhece a desigualdade dos estoques de riqueza (financeira e imobiliária) ser muito maior – e mais difícil e arriscado de serem ameaçados.

Para se ter uma ideia da distribuição de renda no Brasil: metade dos trabalhadores tem rendimentos abaixo da mediana em torno de um salário-mínimo, a renda média de todos está em R$ 2.921, um graduado em Ensino Superior em boa Universidade pública recebe inicialmente cerca de 5 salários-mínimos (R$ 6.600) e entra no decil dos 10% mais ricos. Com mestrado ganha em torno de R$ 9 mil e com doutorado R$ 13.200 (10 salários-mínimos), entrando no grupo dos 5% mais ricos. No fim da carreira (já idoso), atinge 30 salários-mínimos (R$ 39.600) e se situa no centésimo do 1% mais rico.

Vale observar, 70% dos servidores públicos recebem menos de R$ 5 mil, 20% daí até R$ 10 mil, 5% daí até R$ 15 mil, 4% daí até R$ 27 mil e o 1% restante chega até R$ 41.650. Os CEOs de empresas, por sua vez, recebem uma remuneração média anual de R$ 15,3 milhões, incluindo, além dos “salários”, os bônus. Esse valor é 2,9 vezes o montante recebido pelos demais membros da Diretoria, os quais alcançam em média R$ 334 mil mensais, ou seja, um salário anual de R$ 4 milhões, sem considerar os bônus.

Os dados do Global Wealth Report 2022 apontam, no ano anterior, o Brasil tinha 266 mil milionários. O estoque de riqueza médio dos brasileiros mais ricos era o seguinte: 1% tinha R$ 4,6 milhões, 0,1% em torno de R$ 26,3 milhões – e 0,01% só R$ 151,5 milhões!

A ANBIMA, em meados de 2023, registrou 157 mil contas do Private Banking com média R$ 12,8 milhões; no segmento do Varejo Tradicional, eram 133 milhões contas com estoque médio de R$ 13.272 (um salário-mínimo). O Varejo de Alta Renda eram 15 milhões de contas com média R$ 100 mil. Evidentemente, essa média per capita é enganadora, pois muitos idosos da Classe Média Alta se tornam milionários em reais sem atingir a faixa do Private Banking de milionários em dólares.

Embora a influência dos movimentos sociais possam se expandir com a democracia, isso raramente acontece em detrimento de grupos de interesses poderosos. Na verdade, esses grupos organizados em lobbies se beneficiam mais com a democracia em comparação a grupos maiores sem organização política para ações coletivas.

Governos democratas gastam em programas sociais destinados aos necessitados da população. Ao mesmo tempo, mantém os interesses de grupos numericamente pequenos, mas com grande poder político. Essa contradição se aguça em Frente Ampla.

A esquerda luta pela implantação de políticas fiscais progressivas para tributar mais os indivíduos de maior renda e fornecer benefícios fiscais para os de renda mais baixa. Mas o Congresso Nacional barra ou não a implementa com celeridade, por exemplo, a tributação de lucros e dividendos e a mudança da estrutura tributária regressiva.

Programas de transferência de renda direcionados a grupos mais vulneráveis também desempenham um papel importante para diminuição da pobreza, bem como de acesso à educação de qualidade com investimento em sistemas educacionais abrangentes e acessíveis. Isso inclui garantir educação pré-escolar de qualidade, acesso a escolas bem equipadas em todas as comunidades e programas de bolsas de estudo para estudantes de baixa renda. A política de cotas em Universidades públicas é um excelente exemplo.

A implantação de sistemas de saúde universalmente acessíveis (como o SUS) deve ser acompanhada de qualidade igual para todos. O acesso universal a cuidados de saúde, medicamentos e serviços preventivos contribui para reduzir as disparidades de saúde e, por extensão, obter as condições físicas para ter oportunidades de trabalho.

O mercado de trabalho deve ser inclusivo, com promoção de políticas em combate à discriminação no local de trabalho e garantidoras da igualdade de oportunidades. Iniciativas para reduzir as disparidades salariais de gênero e minorias são exemplos.

Quanto ao trabalhismo, o fortalecimento dos sindicatos para a negociação coletiva busca garantir condições de trabalho justas, benéficas e benefícios adequados. Isso contribui para equilibrar o poder entre executivos da cúpula e trabalhadores da base.

O desenvolvimento de políticas habitacionais, para garantir moradia acessível para todos, talvez seja o meio mais eficaz para aumento da riqueza (“casa própria”) das famílias de baixa renda. Isso inclui programas de habitação social, regulamentações para evitar a especulação imobiliária e de incentivos para a construção de moradias a preços acessíveis.

Deve ser acompanhado da facilitação do acesso a crédito e capital para empreendedores de comunidades de baixa renda. Iniciativas para promover o empreendedorismo e o desenvolvimento de pequenos negócios podem contribuir para a criação de riqueza em comunidades desfavorecidas. Não soluciona, socialmente, mas ajuda a muitos. A implementação de programas de inclusão social, abordando questões específicas enfrentadas por grupos marginalizados, como pessoas com deficiência, minorias étnicas e LGBTQ+, a direita não aprecia. Mas é uma questão civilizatória!

Os programas de combate à pobreza fornecem assistência direta a indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade. Isso pode incluir programas de assistência alimentar, habitação subsidiada e serviços de cuidados infantis.

Por fim, a garantia de equidade ambiental, para comunidades de baixa renda, evita a poluição ambiental e promove o acesso a ambientes saudáveis com saneamento. Geralmente, a combinação de todas essas abordagens é necessária para alcançar resultados significativos na redução da pobreza e/ou da desigualdade social.

Posso ainda citar a empregabilidade e o treinamento profissional para atender às demandas do mercado de trabalho; o salário mínimo adequado; segurança social e redes de proteção para famílias de baixa renda; seguro-desemprego e pensões para um suporte financeiro essencial; promoção da inclusão financeira por meio do acesso a serviços bancários e microcrédito; apoio ao desenvolvimento de pequenos negócios e empreendedorismo por meio de programas de treinamento, acesso a crédito e incentivos fiscais; implantação de políticas para o desenvolvimento rural sustentável, incluindo investimentos em infraestrutura e diversificação da economia local; garantia de acesso à tecnologia e conectividade com a promoção da inclusão digital.

Embora tenha inviabilidade política de ser aprovada no Congresso Nacional uma explícita política da desconcentração de renda e riqueza, essas políticas públicas do Poder Executivo eleito estão adaptadas às especificidades do atual contexto. Implicitamente, afetando diversos componentes, levam a alcançar a meta estratégica.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]


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