Por DÉMERSON DIAS*
Sem debate político não existe aproximação e inclusão das diferenças
“E na TV se você vir / um deputado em pânico / mal de simulado / diante de qualquer / mas qualquer mesmo / qualquer, qualquer / plano de educação / que pareça fácil / que pareça fácil e rápido / E vá representar / uma ameaça / de democratização / do ensino de primeiro grau” (Caetano Veloso e Gilberto Gil. Haiti).
Em uma transmissão ao vivo de uma celebridade do mundo da música, uma criança, ao fundo, fala em denunciar Bolsonaro e chamam sua atenção que trata-se de uma transmissão pública. Um “campeão” da falácia do empreendedorismo, que abandonou os seus iguais para ser servil no centro da opressão mundial e, por oportunismo, torna-se agente político público. Ao ver que irmão, no pólo oposto das convicções socioeconômicas e fetichizadas, que reafirmava a primazia do bem comum sobre o individual e, por isso era perseguido pelos raivosos defensores da economia de mercado (necessariamente usurpadores do bem público), reconhece a virtude da existência dos serviços públicos.
Uma das perversões mais espantosas produzida por aquela peçonha pedagógica chamada Educação Moral e Cívica, foi introjetar o dogma de que política pertence à esfera íntima. Esse programa ideológico não se sustenta no cotidiano, mas provoca várias desconstruções nas relações sociais (inclusive o ódio e o obscurantismo).
Quando o senso comum afirma que não se discute política, religião e futebol, está sujeitando esses temas a um território de violências viscerais. Todo assunto suprimido arbitrariamente, escoa para região das pulsões, fetiches e infantilidades.
O que pacífica é o diálogo. Principalmente porque o exercício de entender que a dimensão do outro é socialmente complementar a dimensão do eu é o que vai patrocinar o surgimento da tolerância na esfera social. Quanto mais as pessoas discutem, se pronunciam e ouvem argumentos a respeito de um tema, maior esclarecimento e conhecimento produzido sobre ele.
Traduzindo, conversar sobre um assunto é o principal jeito de chegarmos a acordos e consensos, sem que nenhuma das partes precise deixar de defender aquilo que acredita, ou gosta.
Há alguns anos me incomoda que programas esportivos, irracionalmente diários, apresentem debates esportivos em formato muito similar a um ringue de lutas. E fazem mais sucesso aqueles que mais esbravejam. Programas como esses, ao invés de discutir as virtudes gerais do esporte e dos atletas, semeiam e adubam impulsos afetivos que afirmam que somente anulação e sujeição do time adversário (o outro) garantem a validade do “meu time”. O exercício psicossocial cotidiano é que o eu somente subsiste diante da destruição contínua e permanente do outro.
Na religião, a ideia de “povo escolhido” é o pai das guerras e as atrocidades. Assim como patrocinou a escalada machista que humilhou, torturou e assassinou mulheres. Ao fazê-lo criou as raízes do feminicídio contra o qual, felizmente, hoje nos contrapomos. Não é acidental que a matriz judaico-islamico-cristã seja a que produziu a esmagadora maioria dos processos de destruição.
Ao contrário do que supõe, por indução ideológica, o senso comum, trata-se de uma estratégia de cerceamento impostas de forma subliminar. E são componente programático de um projeto autoritário de dominação e sujeição da sociedade.
Essas e outras formas de obscurantismo, além de fazerem parte de qualquer modelo político autoritário, também estão na base da destruição de qualquer processo educacional saudável.
Praticamente todas as formas religiosas evoluíram em algum sentido para o exercício da tolerância, principalmente o cristianismo. Imagine todas as religiões se unirem contra as injustiças e maldades que aprisionam e exploram seus povos. Teremos revolução.
O esporte move e monopoliza paixões, imagine se a força da soma de todas as paixões organizadas, caso deixem as disputas apenas dentro do Gramado e busquem, singelamente, lutar por melhorias e garantias no mundo dos esportes (subárea da educação, consiste em entrelaçamento de aspectos socioeconômicos, saúde, e organizacional, ou seja, por extensão, políticos). Teremos revolução.
Em sua potencialidade toda educação é uma guerra contra as falsidades e a favor do esclarecimento. Imagine todos os educadores e educandos reconhecendo a origem e sustentação das obscuridades, e também que só faz sentido entender o mundo para transformá-lo em algo melhor, quem inclua e admita a todos. Teremos revolução.
Finalmente, é por isso que nossas mentes foram sabotadas, para termos aversão à discussão e à política. A política não foi uma invenção teórica e acadêmica. Ao contrário, o estudo sobre a política decorre da existência de uma prática social cuja essência está na promoção de um bem comum.
Pertence à política o desenvolvimento da diplomacia como forma mais sofisticada de solução de conflitos, em particular, para pôr fim às guerras.
O debate político, quando eu exponho as minhas razões e ouço, com respeito, mesmo que apenas ritualístico, as razões do outro, produz afinidades e sínteses. Inclusive por determinação biológica (busca por padrões convergentes).
A violência contra o outro, na natureza, só existe no contexto da sobrevivência. Não existe agressão por presunção, exceto em situações muito específicas. Importante notar que numa mesma espécie, isso só foi observado a partir do surgimento de algum tipo de consciência (noção de eu).
A discussão política produz também o surgimento do “terceiro mediador”. Quando presenciamos a exposição de dois pontos de vista supostamente contrários, somos capazes de entender que as razões de um, não necessariamente exclui as razões de outro. A política é, portanto, também, o território em que os interesses são hierarquizados e dispostos de forma a contemplar da melhor possível a totalidade social. Mais ainda, sem debate político não existe aproximação e inclusão das diferenças. E somente a partir dele rejeitamos a indiferença ao sofrimento alheio, ou comum.
Deu para entender por que ainda não destruímos nossos opressores?
*Démerson Dias é funcionário público.