Dinâmica de fluxos de renda e estoques de riqueza

Imagem: Victor Caravantes Calvo
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Os fluxos de renda e os estoques de riqueza dos cinco setores institucionais — famílias, empresas, governos, bancos e estrangeiros — estão interligados de maneira sistêmica

Os fluxos de renda e os estoques de riqueza dos cinco setores institucionais – famílias, empresas, governos, bancos e estrangeiros – estão interrelacionados de maneira dinâmica, variando ao longo do tempo com base em diversas condições econômicas, políticas, sociais e internacionais. É possível compreender o sistema econômico-financeiro como uma rede de fluxos reciprocamente influentes, com feedbacks (retroalimentação) capazes de afetar o comportamento de cada setor e sua riqueza acumulada.

Em vez de fazer “denúncia vazia” da “financeirização” é mais instrutivo analisar essas interações em termos de fluxos de renda (variáveis de curto prazo) e estoques de riqueza (variáveis acumuladas ao longo do tempo), considerando o circuito dinâmico de como se modificam e interagem entre si. Entenderá o capitalismo financeiro em lugar de pregar em vão sua “moralização”…

As famílias recebem como fluxos de renda: salários, lucros, juros e dividendos pagos pelas empresas, bancos e, em alguns casos, subsídios e transferências de governos. Também podem receber rendimentos de investimentos, como dividendos de participações acionárias, aluguéis de imóveis ou juros de títulos públicos e privados.

O estoque de riqueza acumulada por famílias inclui poupança, imóveis, ações e outros investimentos. Esse estoque é modificado pelos fluxos de renda excedentes do consumo, assim como por mudanças no valor dos ativos, devido à variação de preços imobiliários e de ativos financeiros.

Interações dinâmicas ocorrem dos seguintes modos. As famílias fornecem mão de obra para as empresas e recebem renda em troca. A demanda das famílias por bens e serviços influencia os lucros empresariais, afetando tanto o fluxo de receitas das empresas quanto sua capacidade de distribuir dividendos.

As famílias pagam impostos e recebem benefícios sociais do governo. Em situações de pobreza, o governo costuma aumentar transferências, como assistência social e seguro-desemprego, afetando os fluxos de renda.

Elas tomam crédito (financiamento imobiliário, empréstimos pessoais) e fazem depósitos em bancos. As condições de crédito afetam o consumo delas e o investimento em imóveis.

Famílias costumam consumir bens importados e podem investir em ativos estrangeiros, receber remessas do exterior, impactando os fluxos de comércio e capital. Portanto, elas interagem com todos os demais setores institucionais.

As empresas recebem como fluxos de renda as receitas de vendas de bens e serviços, que são influenciadas pela demanda das famílias, governos e mercados internacionais. Também captam recursos via emissão de ações ou títulos e podem obter crédito bancário. Seus estoques de riqueza incluem capital físico (instalações, máquinas), capital financeiro (reservas, ações) e estoques de produtos. O valor das empresas também pode ser impactado por fatores externos, como mudanças nos mercados financeiros ou políticas governamentais.

O consumo das famílias é a principal fonte de receita para muitas empresas. A variação no consumo afeta diretamente o fluxo de caixa e a capacidade de expandir ou contrair investimentos.

As empresas pagam impostos e podem receber incentivos fiscais ou subsídios. A regulação governamental também influencia custos e a lucratividade. Em crise, as políticas fiscais (como estímulos) afetam diretamente a atividade empresarial.

As empresas dependem de crédito para financiar suas operações e expansão. Condições de liquidez e taxas de juros impactam a capacidade de tomar empréstimos e investir.

Empresas envolvidas em comércio internacional estão sujeitas a flutuações cambiais, políticas comerciais e demanda externa, afetando seus fluxos de receitas e estoques de riqueza. Logo, suas interações institucionais são dinâmicas.

Como fluxos de renda, o governo coleta impostos de famílias e empresas, e capta recursos por meio da emissão de títulos de dívida pública. Gasta em serviços públicos, infraestrutura e transferências sociais. Seus estoques de riqueza incluem ativos públicos (infraestrutura, reservas internacionais) e dívida pública. Esta é interna ou externa, e seu nível afeta a política fiscal e monetária ao longo do tempo.

O governo recolhe impostos sobre a renda das famílias e oferece serviços e transferências, como aposentadorias e seguros-desemprego. Crises econômicas forçam o governo a aumentar gastos e déficits, impactando o estoque de dívida.

O governo fornece às empresas infraestrutura e um ambiente regulatório. A tributação e os incentivos fiscais influenciam a competitividade das empresas.

Bancos compram títulos públicos, sendo financiadores importantes do governo. Políticas monetárias e fiscais afetam as condições de liquidez e as taxas de juros, com impacto no sistema bancário.

Governos, caso não tenham parte do crédito interno ampliado, emitem dívida no exterior. As políticas fiscais e monetárias afetam o balanço de pagamentos e os fluxos de capitais internacionais. Dependem de reservas cambiais.

Os bancos obtêm fluxos de renda ou receita por meio de juros sobre empréstimos, taxas de serviços financeiros e investimentos. Eles emprestam para empresas e indivíduos, influenciando o fluxo de capital na economia. Seus estoques de riqueza incluem reservas bancárias, carteiras de crédito e investimentos financeiros. A saúde financeira dos bancos depende da qualidade dos ativos (empréstimos concedidos) e das condições do mercado financeiro.

O sistema bancário facilita o consumo e o investimento das famílias, oferecendo crédito (financiamento habitacional, pessoal) e produtos de poupança. Alterações nas taxas de juros afetam o custo de financiamento e o nível de consumo.

Bancos financiam as operações e os investimentos corporativos. O custo do crédito e a disponibilidade de liquidez afetam diretamente a capacidade de expansão das empresas.

Os bancos são compradores de títulos públicos, financiando o governo. Além disso, as políticas monetárias e regulatórias do governo afetam as condições de liquidez, solvência e capitalização do setor bancário.

Bancos também operam internacionalmente, captando recursos ou realizando empréstimos no exterior. Movimentos cambiais e políticas monetárias internacionais influenciam os fluxos de capital bancário.

O resto do mundo interage com a economia doméstica por meio de fluxos de comércio internacional, fluxos de capitais (investimentos diretos e em portfólio) e movimentos cambiais. Os estrangeiros compram ativos financeiros, títulos públicos e produtos das empresas domésticas. Seus estoques de riqueza, no país, incluem investimentos estrangeiros diretos, participações acionárias em empresas nacionais e reservas internacionais, afetadas por fluxos de comércio e capital.

As famílias podem comprar produtos importados e investir em ativos estrangeiros. As mudanças nas taxas de câmbio afetam os preços de bens importados, impactando o consumo.

As empresas dependem dos mercados internacionais para exportações e importações. Além disso, podem captar investimentos de estrangeiros ou realizar fusões e aquisições internacionais.

O governo participa do mercado internacional de capitais e se financia emitindo dívida externa. Alterações nas taxas de câmbio e na política monetária global afetam o estoque de dívida pública e a balança de pagamentos.

Bancos atuam como intermediários no fluxo de capitais entre fronteiras, facilitando empréstimos e investimentos internacionais. Dada a integração financeira global, choques externos (como a GCF-2008) se espalham rapidamente pelos bancos.

Ao longo do tempo, mudanças em qualquer um desses setores propagam efeitos sobre os outros, criando ciclos econômicos de expansão e contração. Por exemplo, uma crise bancária restringe o crédito, afetando o investimento empresarial e o consumo das famílias. Um aumento no endividamento público eleva as taxas de juros, encarecendo o crédito para empresas e famílias. Flutuações cambiais e crises financeiras internacionais influenciam os fluxos de comércio e capital, impactando tanto o setor empresarial quanto os governos.

Em resumo, os fluxos de renda e os estoques de riqueza dos cinco setores institucionais estão interligados de maneira sistêmica. Sua dinâmica temporal (variações ao longo do tempo) criam um ciclo de feedback contínuo. Deve ser inteligível para todos!

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb].


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