Don’t think of an elephant!

Denis Gubarev, Massa latente, 2018
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Por GIOVANNA MARQUESANO*

Comentário sobre o livro de George Lakoff

Utilizando o conceito de frames proveniente dos estudos da ciência cognitiva e linguagens, George Lakoff busca compreender os determinantes do comportamento social e político a partir do estudo das estruturas que moldam a forma como o mundo é visto.

As discussões promovidas por George Lakoff permanecem atuais ao pensar nas maneiras em que as guerras culturais são formadas no cenário brasileiro e intensificadas mediante o uso da internet como arma de reprodução do extremismo político. A aproximação entre sujeitos que partilham visões de mundo semelhantes encontra na internet um espaço fértil para discutir e reafirmar suas percepções acerca dos contextos políticos.

Você não consegue ver ou ouvir os frames

Como o senso comum é formado? Como as pessoas radicalizam seus discursos? Como as associações entre palavras e discursos influenciam na constituição de movimentos extremistas?

Os frames podem ser definidos enquanto parte de um inconsciente cognitivo na estrutura cerebral de difícil acesso conscientemente, mas que têm consequências na vida política dos indivíduos. Ainda, representam crenças materiais, sociais e políticas que são mobilizadas a partir de ações que retomam percepções preexistentes. Quando George Lakoff pede para que os alunos não pensem em um elefante, ele pontua que automaticamente toda a sala pensa mentalmente na figura do animal. O mesmo ocorre quando se ouve um discurso político com palavras que remetem a princípios já previamente conhecidos.

Os frames são sobre linguagem, isto é, todas as palavras são formadas por concepções de frames que, por sua vez, possuem valores morais que organizam o mundo. Nesse sentido, o autor propõe compreender as formas pelas quais tais convicções influenciam na construção de um imaginário político que intensifica as guerras culturais. Os conservadores criam um longo e sofisticado sistema de comunicação que promove divisões morais que nem sempre precisam ser consistentes.

O que significa ser racional? Como posições controversas atuam conjuntamente? O autor pontua que a formação e educação familiar são os principais elementos para apreender como os frames são formados. Existem dois tipos principais de valores familiares, o primeiro sendo um modelo familiar conservador com um pai autoritário (strict father family) que organiza uma relação entre família, políticas de extrema-direita, religião e economia.

Os pais ensinam a seus filhos que o mundo é perigoso, competitivo e que é necessário ser vencedor e proteger a família. Muito associada à lógica neoliberal, a strict father family endossa aspectos positivos do livre mercado, pontuando os programas sociais e políticas públicas como “errados”. Ou seja, o indivíduo não se esforçou o bastante para mudar sua realidade. Em contraposição, o segundo tipo é o modelo familiar liberal com um pai carinhoso (nurturant family), cujos ensinamentos são voltados para construção de um mundo melhor, e, para isso, ensinam seus filhos a serem empáticos e pensarem coletivamente.

Dessa forma, “quem performa moralidade deve comandar o país”. É o mesmo padrão existente no Brasil com a imagem do “cidadão de bem” performada por Jair Bolsonaro. A moralidade deve comandar e “eles” (progressistas) devem ser combatidos. Os conservadores se definem a partir do compromisso com uma autoridade moral externa, a nação e a figura do presidente deve ser a do pai metafórico que impõe ordem sobre os filhos (cidadãos). Os frames nem sempre precisam ser coerentes e as pessoas não precisam votar sempre de acordo com interesse próprio, podendo recorrer aos valores e identidades.

À vista disso, acreditar em dados cientificamente comprovados é uma escolha individual. George Lakoff defende que não basta apresentar dados científicos e estatísticas visando conclusões racionais, tendo em vista que os pensamentos são estruturados a partir dos frames, os quais nem sempre são modificados por meio da apresentação de fatos.

Os setores progressistas sofrem de uma hipocognição, isto é, baixa capacidade de formular e evocar frames, além de suas ideias serem altamente fragmentadas, pensando cada problema detalhadamente, enquanto a extrema direita trabalha na esfera da generalização e simplicidade. Para combater a desinformação e modificar o pensamento não é suficiente apresentar fatos, pois não provoca o “circuito neurológico” diariamente ativado, que é o que define os conhecimentos prévios e as compreensões de formas de discurso.

Nesse sentido, experiências que não possuem resultados diretos e imediatos necessitam ser repetidas até serem completamente apreendidas. Por exemplo, há parcelas da população que negam a existência do aquecimento global, porque mudanças climáticas que ocorrem de imediato não são vinculadas ao fenômeno, e, por conseguinte, negam que desastres futuros possam decorrer destes acontecimentos.

O autor nomeia este processo como “causalidade sistêmica”, que é um complexo com vários elementos, uma rede de causas diretas, múltiplas causas e diversas probabilidades de ocorrência. O problema da causalidade sistêmica é o entendimento de manchetes e estudos científicos destes problemas a longo prazo como “opiniões” de profissionais, sendo passível de discordância.

Os conservadores dominam o discurso político por se tratar de concepções vistas diariamente nas mídias tradicionais e nas redes sociais. O problema da “liberdade” e “liberdade de expressão” é uma das principais questões da extrema-direita. Diversas metáforas são aplicadas para pensar a liberdade, seja pensando o governo como uma empresa ou as instituições como pessoas, acabam por fornecer a não-pessoas o poder e o direito de falar.

Um caso possível de ser citado para exemplificar o direito de não-pessoas a fala é a concessão ao exército (instituição) a ocupação do governo federal por parte dos apoiadores de Jair Bolsonaro, dando-lhe o poder de decisão e de ação isolada do resto da esfera pública e civil.

Metáforas também podem causar pânico por meio dos efeitos simbólicos que produz. George Lakoff utilizou o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro para exemplificar a humanização que o público aplicou aos prédios. Em outras palavras, a queda das torres significa o ataque ao templo do capitalismo e a perda de poder. O father strict family trata a nação como uma família, e, se há uma invasão e um ataque, é necessário reagir evidenciando eminência. Para o contrato social conservador, nada é mais importante do que a batalha contra o mal, mesmo que isso signifique a eliminação do diferente.

Os frames da extrema-direita hoje

Um dos temas em alta entre a extrema direita diz respeito a “cultura woke” que, de forma genérica, pode ser descrito como as agendas da esquerda nos dias atuais, especialmente entre o público jovem. O uso do termo “woke” é amplamente utilizado nos Estados Unidos e foi recentemente importado para o Brasil, intensificando as guerras culturais, tendo em vista mobilizar temas morais que dividem as sociedades estadunidenses e brasileiras em duas visões de mundo: a defesa de valores tradicionais versus a necessidade de incorporar a agenda política novas pautas trazidas pelas minorias.

Apesar disso, o termo “woke” deriva do bordão “stay woke” utilizado comumente por ativistas negros em manifestações contra o racismo e violência policial nos Estados Unidos. A origem do termo é de 1923 e atrelada às ideias do filósofo Marcus Garvey que buscava mobilizar cidadãos negros em pautas políticas e sociais. Em 1938, “stay woke” é utilizada na música “Scottsboro boys” do cantor de jazz Huddie Ledbetter que referencia as injustiças acometidas contra um grupo de jovens negros acusados falsamente de estupro no Alabama em 1931.

Em 1962 o romancista William Melvin Kelley escreveu o ensaio If You’re not Woke You dig It; No Mickey Mouse can be expected to follow today’s negro idiom without a hip assist, narrando em primeira pessoa as diferenças culturais nas gramáticas negras e brancas, pontuando os cantores negros de jazz como responsáveis para manter a cultura viva e racialmente situada.

De 2008 até os dias atuais, “woke” passou a ser um termo mainstream, estando presente em protestos e em diversas produções audiovisuais. A watchword ganhou maior amplitude no discurso público em 2014 quando a polícia estadunidense do estado do Missouri assassinou o jovem Michael Brown a tiros em uma abordagem de rua. Dessa forma, grupos de militantes negros faziam referencia ao termo “estar atento” como estratégia de sobrevivência a brutalidade policial nos protestos de rua do movimento Black Lives Matter (BLM) e na hashtag #StayWoke nas redes sociais organizados contra a atuação institucional.

Ainda em território estadunidense, a expressão começou a ser criticada e tratada de forma degradante em 2017. A partir de então, passou a ser caracterizada como superficial. Um dos feitos mais relevantes foi o ocorrido no programa Saturday Night Live com um quadro de paródia que tratou “woke”, através do tom de comédia, como responsável por segmentar a sociedade em rótulos.

Com o assassinato de George Floyd em 2020, o Black Lives Matter retorna as ruas com o lema “woke”. As manifestações ressoaram em diversos países e o termo foi englobado por discursos da grande mídia para caracterizar os manifestantes. Nesse sentido, “woke” representa a conscientização dos problemas e desigualdades sociais, se assemelhando ao posicionamento político-ideológico de esquerda que, considerando o contexto da pandemia do COVID-19, teve suas demandas de justiça social e luta anti-racistas estendidos para pautas como vacinação, saúde pública e diversidade sexual e de gênero. Dessa maneira, o discurso “woke” tem sua semântica modificada e passa a obter diversas significações.

O termo foi cooptado pela extrema-direita como forma vexatória e pejorativa para referência aos progressistas. À vista disso, o sentido da palavra “woke” passou a ser associado a outros bode-expiatórios da extrema-direita como o “politicamente correto” que resulta na restrição da liberdade de expressão, as críticas a outras identidades de gênero e sexualidades e como estas são prejudiciais para a perpetuação da imagem do “marido provedor”. Além disso, é remetida às gerações mais jovens, conhecida de forma depreciativa pelos setores conservadores como geração snowflake, a qual é mais sensível às causas sociais.

Considerando a rapidez da internet em transmitir informações, a expressão foi importada para o Brasil e foi igualmente apropriada por setores conservadores, que passaram a utilizá-la com o mesmo sentido pejorativo. Associada à “geração mi-mi-mi”, ideologia de gênero, cultura do cancelamento, globalismo, socialismo e direitos de minorias e contra a família tradicional, o termo intensificou o cenário de polarização e das guerras culturais no Brasil. A palavra permanece em alta no país desde 2020, sendo uma das principais preocupações do conservadorismo hoje.

A bancada de direita na Câmara de Vereadores de São Paulo criou a agenda “anti-woke” em 2025, visando lutar contra temas identitários. Apresentado por influenciadores das novas direitas Lucas Pavanato (Partido Liberal), Amanda Vettorazzo (União) e Adrilles Jorge (União) apresenta mais de 40 projetos que visam criminalizar o “identitarismo” e afastar o pluralismo cultural, religioso, racial, de gênero e de sexualidade dos setores da cultura e educação. Destes, destaca-se a atuação de Lucas Pavanato como líder extremista que dialoga com jovens ao redor do Brasil se apropriando da linguagem das redes sociais e da atividade algorítmica.

Os frames podem ser reiterados constantemente com a atividade algorítmica, tendo em vista a compreensão das demandas de consumo e preferência de temas a fim de alcançar a otimização algorítmica para a experiência do usuário (O’Neil, 2022). Ocorre que, com grande financiamento de think tanks, a extrema direita aproveita o espaço das redes para retroalimentar ideias preexistentes. Gillespie (2014) chama de “algorítmos de relevância pública” o processo de entendimento e saber lógico que os algoritmos identificam nos usuários, podendo ser utilizado como ferramenta do discurso e conhecimento público. Isso significa que, quando somatizados o financiamento com a publicação em massa de conteúdos conservadores, maior alcance terá.

Figuras políticas nacionalmente conhecidas como Lucas Pavanato e Nikolas Ferreira captam os principais frames dos conservadores brasileiros, ativando-os através de palavras específicas em seus vídeos, com o objetivo de fortalecimento discursivo e apoio público. O artigo Time to get Woke about Woke de Lakoff e Gil Duran evidenciam que a palavra “woke” se tornou um bode expiatório para notícias ruins. Nos Estados Unidos e no Brasil, o termo é utilizado como ameaça à família tradicional por parte de comunidades militantes, algo que demonstra que as percepções de George Lakoff em 2004 acerca da divisão social entre nurturant family e strict father family permanece sendo significativa. Assim, pode-se dizer que são convocadas metáforas de pânico para impulsionar os conteúdos e seus compartilhamentos.

Por fim, a principal sugestão trazida por George Lakoff em Don’t Think of an Elephant! para confrontar produtivamente o conservadorismo diz respeito a não trabalhar com os frames dos conservadores para combatê-los e nem apresentar dados isolados. Idealmente, o debate pode ser melhor conduzido se houver o choque entre os frames conservadores e progressistas.

Ou seja, se o assunto for sobre moralidade, fale sobre moralidade e questione as razões pelas quais o sujeito pensa dessa maneira. O objetivo central é trazer à tona o “inconsciente consciente” para produzir uma maior reflexividade acerca das crenças adotadas. Portanto, pensando no âmbito digital, em que é possível disseminar mais facilmente as informações, os influenciadores de esquerda não devem necessariamente replicar os conteúdos de extrema-direita para combatê-los. Deve-se, acima disso, sair do estado de hipocognição e traçar estratégias para angariar um público maior.

*Giovanna Marquesano é mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP.

Referência


George Lakoff. The all new don’t think of an elephant!: Know your values and frame the debate. Londres, Chelsea Green Publishing, 2014, 192 págs. [https://amzn.to/4l7w0P8]


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