Ética, política e politicagem

Imagem: Tima Miroshnichenko
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por VINÍCIO CARRILHO MARTINEZ, CARLOS EDUARDO MONTES NETTO & VINÍCIUS SCHERCH*

Estabelecer uma discussão sobre ética, política e politicagem situa-se em uma zona nebulosa de argumentação científica

Este texto foi motivado por discussões incompreensíveis em grupo de WhatsApp, com indivíduos que, teoricamente, não deveriam externar valores conflitantes a alguns dos argumentos aqui expostos — sobretudo, quando se tem a lisura e a honestidade intelectual em mente, quando a “militância” não extrapola o bom senso e o dever ético para com a ordem constitucional democrática.

Não haveria porque dizer-se isso, no entanto, escrevemos uma “lição escolar” com o intuito de que não se confunda “militância” com luta pelo direito e, assim, que possamos contribuir a fim de que não ocorra tergiversação com os pressupostos e princípios do direito público, da política e que a própria ética seja um guia da reflexão/ação político-jurídica.

Com isto em mente, lembremos que muitas são as situações desafiadoras que enfrentamos atualmente — duas guerras com possibilidade de escalarem a conflitos regionais, poluição, desmatamento, aquecimento global, miséria humana —, e, sem contar o giro interminável das saídas autoritárias (ao menos obscuras) contra a democracia, no exemplo último da Venezuela, no Brasil, temos o de sempre: elites perigosas, perniciosas, cavilosas, predatórias, autocráticas, patriarcais, com alianças à extrema direita (fascismo).

Não fosse por tudo o mais, isto bastaria para engendrarmos longos diálogos, ensinamentos, debates, oficinas, leituras, reflexões (ações) em torno de temas e de questões óbvias — mas, isto deveria ocorrer todos os dias, em casa, nas escolas, como parte vibrante de uma Autoeducação política para a descompressão do “povo pobre, negro e oprimido”.

Alguns desses temas seriam: transparência, clareza, responsabilidade, eficácia, previsibilidade, proporcionalidade. Assim como os eixos a nos nortear, desde a tenra infância, tratariam (em aulas e livros, ou em brinquedotecas) de assuntos como: ética, direito público e política — e seus desvios: politicagem, corrupção, malversação dos recursos públicos, apadrinhamentos, populismos, nepotismos.

Hoje, como contribuição, traremos umas poucas linhas sobre este mencionado “eixo temático”.

Ética, política e politicagem: o que os princípios de direito público podem ensinar?

Estabelecer uma discussão sobre ética, política e politicagem situa-se em uma zona nebulosa de argumentação científica, pois se trata da aplicação de conceitos objetivos e também de algumas características subjetivas. É um entrelace de aspectos da filosofia e das ciências sociais, da cultura e da sociedade que, em certa medida, moldam a apreensão do indivíduo (político) acerca dos deveres que possui no espaço público.

Na dinâmica das condutas públicas e dos deveres que as pessoas assumem frente aos compromissos políticos, os princípios de direito público podem ajudar na compreensão do tema, a fim de se evitar desvios da ética e na política.

Nessa perspectiva jurídica, o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes dos entes que compõem a Federação deverá obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Com relação especificamente à moralidade administrativa, diz-se que o administrador público deve se comportar como a mulher de César, não bastando apenas ser honesto, devendo, além disso, parecer ser honesto.

Nesse contexto, o que se denomina de improbidade administrativa constitui, em verdade, segundo o jurista José Afonso da Silva, um “ato de imoralidade qualificada”.

A ética na política, por sua vez, refere-se ao conjunto de valores e de princípios que orientam a ação dos agentes públicos, a fim de que suas decisões e comportamentos sejam justos, transparentes e voltados para o bem comum. Na democracia, a ética é essencial para a construção de um espaço de discussão pública e para alcançar o processo civilizatório.

Quando se escreve a Política — diferente da política — tem-se a expressão da ação humana baseada no processo civilizatório e na construção da polis.

Tratando da politicagem, caracteriza-se pelo uso de estratégias e de práticas desonestas ou imorais (“jeitinho brasileiro” também), visando interesses particulares em detrimento do interesse público. A politicagem tem potencial para descreditar instituições democráticas e prejudicar o funcionamento eficaz do Estado. A politicagem é contrária a ética e à política.

Os princípios de direito público, mencionados anteriormente, representam mais que as boas intenções do constituinte, configurando verdadeiros mandamentos fundamentais que norteiam a atuação dos agentes públicos, visando assegurar que todas as ações estejam em conformidade com a lei, que as decisões não sejam influenciadas por interesses particulares, que as ações sejam moralmente aceitáveis, que a transparência das atividades públicas seja garantida e que o melhor uso dos recursos públicos seja efetivado.

O cumprimento desses princípios é capaz de prevenir práticas de corrupção, nepotismo e favorecimento, contribuindo para a construção de uma administração pública mais íntegra e eficaz. Ademais, a ética na política não se limita apenas ao cumprimento da lei, mas alcança uma práxis afeta à justiça social e ao bem-estar da coletividade.

*Vinício Carrilho Martinez é professor do Departamento de Educação da UFSCar. Autor, entre outros livros, de Bolsonarismo. Alguns Aspectos Político-Jurídico e Psicossociais (APGIQ). [https://amzn.to/4aBmwH6]

*Carlos Eduardo Montes Netto é doutor em direito e Juiz.

*Vinícius Scherch é doutorando em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar.

Referências


ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa, Edição Gradiva, 1999.

COMPARATO, F. Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo, Saraiva, 2001.

FILHO, Roberto Lyra. O que é direito. São Paulo, Brasiliense, 2002.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. Malheiros Editores Ltda: São Paulo, 2016.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. Malheiros Editores, São Paulo, 2004.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES