Uma mulher negra no STF

Imagem: Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por VINÍCIO CARRILHO MARTINEZ*

Carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Caro companheiro, ilustre, excelentíssimo, senhor presidente da República “Luiz Inácio Lula da Silva”, na certeza de que não serei lido, escrevo-lhe para elencar alguns breves pensamentos acerca da necessária, obrigatória, indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Considerando-se desde já o nosso apelo: por menos racismo, por uma mulher negra no STF!!

Considerando-se que vossa excelência nunca terá ciência desta carta, mas que outras pessoas possam ler e assim, juntos, aumentarmos o coro em prol da instigante defesa de todas as lutas contra o racismo, a misoginia, o feminicídio,

Considerando-se que (penso eu) sempre me coloquei ao alcance da luta pelo direito, como componente vivo da luta política, no miolo da inesgotável luta de classes,

Considerando-se que o embate contra o fascismo nacional (2016-2022) não cessou, não deverá cessar nunca, e que hoje nos empenhamos na conquista/recuperação da justiça política restaurativa no âmbito do Estado democrático de direito (profundamente laico, como reza o art. 19 da Constituição Federal de 1988 – CF88),

Considerando-se que mesmos as “cartas ao/do tempo” (aquelas presas em garrafas e lançadas ao mar profundo) fazem algum sentido, obrigamo-nos a nos manifestar na luta intempestiva a fim de que indique uma mulher negra ao STF.

Desse modo, insistindo na luta justa, comecemos pela afirmação: “O porquê de uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal (STF)”. No caso emergencial, para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber que se aposenta.

São muitas respostas que convergem a um só ponto: fazer justiça à história. Especialmente no tocante à história das mulheres negras que lutaram (lutam), que tombaram (ainda tombam) diante da violência, do arcaico machismo convertido em misoginia e condutor do feminicídio.

Essa futura indicação da presidência – na prática, nomeação – faria justiça, mesmo que inicialmente simbólica, a todas as Marias Quitérias e Marielles. Milhares delas, ao longo da história, e muitas vezes bem na frente dos nossos olhos.

Seria uma resposta à altura das promessas de inclusão, emancipação, aderência aos melhores valores humanos. Seria um depósito definitivo na certeza de que os direitos humanos são prevalecentes, bem como a luta por descompressão social e política.

Essa indicação, nomeação, seria um tiro certeiro no miolo do patriarcalismo e do domínio (verdadeiro “dominus”) do homem branco, altamente escolarizado, mas herdeiro das elites culturais dominantes. Seria uma aposta, em caráter definitivo, no próprio acatamento, fruição e respeito constitucional; seria uma crença inabalável, inafiançável na força normativa da Constituição.

Seria a suma conclamação à soberania constitucional, ao respeito ao Estado laico, democrático e de direito – seria um tiro fatal na tese de quem defende mais um nome (masculino, dominante) associado como “terrivelmente evangelizado”.

Vossa indicação/nomeação seria uma investida certeira, oposta, contrária às demais indicações/nomeações obedientes unicamente aos interesses pessoais ou políticos.

Essa indicação/nomeação levaria uma mulher negra (garantista e constitucionalista) para onde dever ir: a casa superior da justiça. Esta que não é (não deve ser) a Casa grande, seria reconfortante ao ideal de justiça, da democracia, da coisa pública, porquanto é o espaço onde a mulher negra poderia contribuir na construção da justiça popular que tanto ansiamos.

Essa mulher negra, garantista, constitucionalista – com seu evidente e notório saber jurídico –, olharia para os seus. Olharia mais ainda para si e para os seus se viesse da militância jurídica (judicial) em favor do povo pobre, negro e oprimido.

Essa mulher negra faria justiça a si, à sua história de vida, aos seus próximos, aos indefesos que sempre defendeu; faria justiça à própria Corte Suprema, guardiã da Constituição. Basta-nos pensar que nem todos os indicados têm uma visão muito acurada do que seja um Estado constitucional.

Essa mulher negra faria justiça a este que escreve, porque, como deficiente físico, encontraria nesta mulher negra atuante, combativa na defesa das garantias constitucionais, dos Direitos humanos, uma nobre e valente mulher negra que defende os direitos fundamentais de todas as minorias sociais. Porque ela própria sempre sentiu na cor da pele o que é ser minoria na sociedade nacional elitista, profusamente racista e excludente.

Os critérios técnicos seriam todos observados na indicação dessa mulher negra ao STF. Aliás, forjada na luta pelo efetivo cumprimento e fruição dos direitos humanos fundamentais, essa mulher negra exigiria que assim o fosse. É a sua cláusula pétrea, a pedra atirada por todos/todas que se postam ao lado certo da história. Sabedora e defensora de toda sua história, de sua honestidade intelectual, a mulher negra jamais abaixaria a defesa de seu notório conhecimento jurídico, humano, social, antifascista, antirracista.

Uma vez indicada, empossada, essa mulher negra – a primeira junto ao STF – saberia reconhecer de pronto de quanta hipocrisia é feita a elite dos poderes constituídos. Como combatente, na afirmação histórica dos Direitos humanos Fundamentais, essa mulher negra não ficaria impressionada. Isso lhe cairia como vontade agregada na luta pela descompressão social e política.

Senhor presidente, minha última consideração, assim como comecei: por menos racismo, por uma mulher negra no STF!

*Vinício Carrilho Martinez é professor do Departamento de Educação da UFSCar.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES