Freud – vida e obra

Anselmo Kiefer, Os céus estrelados acima de nós e a lei moral dentro
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Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO*

Considerações sobre o livro de Carlos Estevam: Freud, Vida e Obra

No livro, o autor, Carlos Estevam, explica os principais fundamentos da psicanálise de forma simples e acessível para o grande público. O livro é fácil de ler e entender apesar da complexidade das ideias de Sigmund Freud.

Trata-se de um livro educativo que tomou como base orientativa o clássico “O método psicanalítico e a doutrina de Freud” de Roland Dabiez. Segundo o autor, seu livro pode ser considerado como “uma espécie de versão popular do ensaio de Dabiez.”

O livro é dividido em duas partes: as ideias e a vida de Freud.

As ideias de Freud

Cabe a pergunta: o que é a alma humana?

Para Freud, é melhor usar a palavra psiquismo em vez de alma. Isso porque quando falamos de alma logo vem a ideia de uma entidade separada de nosso corpo, que continua vivendo após a morte e vai para o céu ou para o inferno. Como quem deve explicar as coisas da alma é a religião, Freud estudou o funcionamento do psiquismo, ou seja, o que acontece conosco em vida.

O psiquismo engloba todas as nossas sensações, emoções, pensamentos, juízos, vontades, desejos e as situações de conflito entre elas. Além disso, não devem ser esquecidas a memória e a imaginação.

O psiquismo é o conjunto de processos mentais ou psíquicos, inclusive os conflitos entre vontades e desejos. É diferente do corpo (processos somáticos) e da alma (processos metafísicos).

É consciente todo processo psíquico de que tomamos conhecimento. Diz o autor “[…] a consciência é como se fosse uma pequena lanterna num quarto escuro: o objeto que ela está iluminando torna-se consciente, pode ser visto por mim e os outros objetos que ela não está iluminando tornam-se pré-conscientes, ficam mergulhados na obscuridade e não podem ser vistos, naquele momento. O pré-consciente está constituído, assim, pelos processos psíquicos que momentaneamente desapareceram do campo iluminado pela consciência.

Contudo, os processos pré-conscientes podem voltar a ser conscientes outra vez. Basta a pessoa querer que isso aconteça. Basta virar a lanterna em direção à ideia que queremos e ela se tornará consciente. Ao contrário, se ela quiser mandar a ideia embora, é só fazê-lo. Assim, segundo Estevam, “o pré-consciente está formado pelos processos psíquicos que podemos tornar conscientes espontânea e voluntariamente, sempre que tivermos necessidade”.

Muito diferentes são os processos psíquicos inconscientes, que não podem ser evocados voluntariamente. Para que se tornem conscientes, são requeridas técnicas especiais, como a hipnose, a sugestão ou a psicanálise.

Até aqui já temos noção do que quer dizer consciente, pré-consciente e inconsciente. O leitor já pode, assim, entender o diagrama abaixo:

O ego, quer dizer eu. Isso é fácil de entender. E, como indicado pelo diagrama, o ego está formado pelos processos psíquicos conscientes e pré-conscientes. As crianças, no entanto, não formaram ainda suas personalidades e, por isso, não possuem um ego de adulto. Isso nos remete à pergunta: de onde surge o ego?

Segundo o autor, “o ego surge daquilo que, no diagrama, está situado abaixo dele, ou seja, o infra-ego e o super-ego. Esses dois, combinados, dão como resultado o ego.”

Vamos, então, buscar saber o significado de infra-ego e super-ego.

O infra-ego (ou “primitivo” ou ainda “isso”) são os impulsos poderosos que não conseguimos controlar e que vêm do fundo do nosso psiquismo. Eles são os processos psíquicos que constituem o infra-ego, que é amoral.

O super-ego é a sociedade, é a moral, é a educação. É formado pela moralidade e hábitos que a sociedade nos inculca desde que nascemos, no nosso processo de educação e socialização. Ele está dentro de nós, mas vem de fora.

Como as crianças ainda estão em processo de socialização, elas agem por impulsos. O super-ego delas, ainda em formação, não as reprime totalmente. Fica claro, então, que a sociedade faz com que cada um de nós adquiramos um super-ego, por meio da educação recebida em casa, na escola, no trabalho e na vida em geral. Vamos adquirindo consciência moral, formando nosso super-ego que, segundo Estevam, “é a sociedade dentro de nós.” Esse processo de formação do super-ego Freud batizou de introjeção. Significa injetar, ou seja, tomar algo que está fora e inculcá-lo dentro de nós. A introjeção internaliza o exterior, as convicções morais que estão no nosso meio.

Os instintos do infra-ego desconhecem convenções sociais. Pauta-se pela satisfação de necessidades orgânicas e psicológicas. O único processo psíquico capaz de conter o infra-ego é o super-ego, que as crianças ainda não introjetaram por completo.

Voltando ao ego, ele é o resultado de uma luta travada a cada minuto dentro de nós entre o infra-ego (instinto) e super-ego (consciência moral). Com o desenvolvimento permanente dessa luta, vai se formando o ego, que nada mais é do que o nosso infra-ego disciplinado pelo super-ego.

Recalque e sublimação

Olhando-se de novo para o diagrama, que retrata os processos psíquicos, permitamo-nos compreendê-lo de forma dinâmica, como se fosse um filme. As tendências psíquicas se enfrentam umas às outras, cada qual enfrentando suas antagonistas e buscando sempre a vitória. Era dessa forma que Freud via os processos psíquicos.

Diz o autor: “Nossos impulsos instintivos são grosseiros e chocantes. Os ímpetos de agressividade, os sentimentos de ódio contra tudo o que se opõe aos nossos desejos, os impulsos sexuais violentos e brutais transformam o homem num ser animalesco e intolerável. A necessidade de viver em sociedade convivendo com outros homens nos obriga a adotar uma das duas seguintes atitudes: ou bloqueamos e impedimos a exteriorização dos impulsos vindos do infra-ego ou então adotamos uma segunda alternativa e transformamos esses instintos baixos e animalescos em ações boas e moralmente elevadas, em ações compatíveis com as necessidades da convivência social. A primeira solução chama-se ato de recalcar, recalcamento ou, simplesmente, recalque. A segunda solução chama-se o ato de sublimar ou a sublimação. Recalque e sublimação são assim os dois processos psíquicos de que lançamos mão para dominar os instintos egoístas do infra-ego”.

Qual o mecanismo do recalque? O super-ego se encarrega desse trabalho. Ele faz a seleção e a repressão dos nossos impulsos instintivos. O super-ego atua como a fronteira que existe em nosso psiquismo. É como se fosse uma autoridade de fronteira, entre dois países, que se chama censura. Recalcar significa obrigar os elementos indesejáveis a voltarem para o lugar de onde vieram. A censura recalca os impulsos inconscientes que querem se tornar conscientes, mas que por serem condenáveis do ponto de vista das convicções do super-ego, são obrigados a continuar onde estavam e, portanto, não conseguem tornar-se conscientes. É o que é demonstrado na parte esquerda do diagrama.

Vendo o diagrama como um filme, entenderemos o recalque como uma força constituída por um grupo de ideias e sentimentos que se opõe a outro grupo de ideias e sentimentos que são recalcados por serem contrários às convicções da consciência moral.

Os impulsos recalcados muitas e muitas vezes formam complexos. Complexo é conjunto. Nesse caso, é o conjunto formado por aqueles desejos recalcados e pelas emoções dolorosas sentidas todas as vezes que os impulsos são recalcados. Os complexos atrapalham a plena expressão da personalidade. Derivam para sentimentos de inferioridade, crises de ansiedade, obsessões e estados angustiantes.

Na parte central do diagrama há uma seta que consegue sair do inconsciente e chegar no seu destino final. Esse é um exemplo de um impulso que não foi bloqueado pelo super-ego. Ele não foi censurado e poderá se manifestar na vida consciente.

Agora falta explicar a seta que está no lado direito do diagrama. Este é um impulso que tenta passar pelo super-ego, é bloqueado, insiste de novo, e consegue passar. Esses são os impulsos sublimados. A tentativa de burla do super-ego é feita todos os dias por nossos impulsos, que fingem ser o que não são e muitas vezes são bem-sucedidos, logrando se manifestar na vida consciente do ego, sem que o ego ou outras pessoas consigam descobrir sua verdadeira identidade. Isso é a sublimação.

Para Freud, a sublimação é positiva. A maior parte das grandes vidas e dos grandes feitos ocorridos na história da humanidade só foram possíveis graças à sublimação.

Diz o autor: “Os grandes artistas, os grandes cientistas, os grandes líderes políticos, todas as personalidades que conseguiriam se erguer acima da média e se tornaram figuras de projeção graças ao talento e à tenacidade que revelaram na realização dos projetos mais extraordinários e audaciosos, todos os grande homens foram, com frequência, homens cujos instintos não se manifestaram como eram, não procuraram apenas se satisfaze de forma direta e imediata e, em vez disso, sublimaram-se, deixaram de ser instintos egoístas e sequiosos, transformaram-se em forças positivas de grande valor social”.

Para entender a sublimação Freud diz que uma tendência humana se apresenta muito intensificada quando incorporou a si, a fim de se fortificar, forças sexuais instintivas, da mesma forma que um pequeno riacho pode ser engrossado extraordinariamente pelas águas de um rio caudaloso. Pode assim acontecer que um homem se dedique ao seu trabalho com o mesmo entusiasmo apaixonado com que outras pessoas se dedicam aos seus amores, pois o trabalho pode representar para ele o que o amor representa para os outros, ou seja, um modo de dar expansão ao seu instinto sexual. A sublimação é essa capacidade que tem o instinto sexual de renunciar ao seu objetivo imediato em troca de outros objetivos não sexuais e mais apreciados pela sociedade.

A vida de todos os dias

No capítulo 1 foi apresentada uma panorâmica das ideias de Freud. Neste, vamos seguir um roteiro mais detalhado, abordando os atos da vida cotidiana, os sonhos, o sexo, as neuroses e as psicoses.

Em A psicopatologia da vida cotidiana Freud examina o cotidiano das pessoas. Pequenos erros, esquecimentos, falhas de comportamento, atos falhos. Isso tudo passa desapercebido, como se tais equívocos não tivessem importância. Para Freud esses pequenos acontecimentos têm sempre razão de ser. Não são fatos insignificantes, mas sim, significantes pois sempre estão querendo dizer algo sobre nós. É o nosso inconsciente se manifestando. Tendências afetivas ocultas, fatos produzidos por causas inconscientes. Freud desenvolveu a técnica associativa para detectar as causas inconscientes de tais acontecimentos.

O autor cita o exemplo de Rousseau que passava sempre pelo mesmo lado de uma rua, ainda que isso lhe custasse mais tempo. Depois de muito analisar Rousseau descobriu a razão: era o nojo que ele sentia por um mendigo que fazia ponto na calçada oposta, que ele sempre evitou. Rousseau não podia admitir para si mesmo que tinha nojo de um ser humano e, então, seu psiquismo escondia dele essa fraqueza. Sentia nojo inconscientemente. O fato exterior era um sinal, um efeito do processo psíquico interior, mas Rousseau só depois de algum tempo tomou consciência da relação entre os dois.

Um menino de nove anos que sofria de neurastenia passou suas férias matando e comendo gafanhotos. Ele contou isso para o seu médico. Este, usando a técnica associativa lançou mão do ping-pong de palavras. Escolheu a palavra gafanhoto. A associação do menino foi com verde. E o que lhe lembrava o verde? Um professor por quem sentia profunda aversão. Outra associação que ele fazia era que comer gafanhotos lhe fazia recordar de uma passagem do evangelho que conta como São João Batista vivia no deserto alimentando-se de gafanhotos. E João Batista era idolatrado pelo menino como uma pessoa muito forte, quase um gigante. Ideia de força e poder. O menino estava, decerto, bancando o mocinho que, para ele, era São João Batista.

Mas por que o menino queria ser forte e poderoso, precisamente em suas férias? O menino era tímido e medroso e só se sentia bem junto com sua mãe. O pai lhe inspirava pavor, assim como o professor “verde”. Durante as férias o menino se livraria de ambos e teria sua mãe só para si. Contudo, o pai ficou doente e monopolizou a atenção da mãe frustrando a expectativa edipiana do menino de tê-la com exclusividade. Assim, ele inventa uma fantasia compensadora: matar os inimigos simbolizados pelo gafanhoto e comê-los para se sentir mais forte e poderoso, como João Batista.

Segundo o autor, Freud “julgava ser possível conhecer o que as pessoas ocultam sem lançar mão da hipnose, apenas observando o que elas dizem ou deixam entrever”.

Nas palavras de Freud, “quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se convence que os mortais não podem ocultar nenhum segredo. Aquela que não fala com os lábios, fala com a ponta dos dedos; nós nos traímos por todos os poros. Por isso é perfeitamente realizável a tarefa de tornar conscientes as partes mais íntimas do nosso psiquismo”.

Um amigo de um médico lhe pergunta o nome de uma loja que vendia determinado produto. O médico embora conhecesse bem a loja não conseguiu se lembrar do nome, apesar de esforçar-se para fazê-lo. Sempre que isso acontece dizemos que estamos com a memória fraca. Para Freud, em alguns casos, a causa do esquecimento é a existência de uma luta entre forças psíquicas opostas. Uma força procura recordar e a outra esquecer. O médico, dias depois, passando pela loja, viu que seu nome era lago. Usando o método de associação de ideias fixou sua atenção na palavra. Veio a lembrança de um velho amigo chamado Dr. Lago, que era o artilheiro de uma equipe de futebol.

Na sequência, veio outra lembrança: o lago indiano no qual pescava quando era criança. E assim sucessivamente, associando ideias até que chegou na lembrança dele e de seu irmão brincando no lago com seu cachorro, atirando pedras para ele buscar, até que, inadvertidamente, acertou uma pedra no cachorro que afundou e morreu. Essa era uma lembrança muito dolorosa que inconscientemente procurava esquecer.

O fato de inúmeras ideias estarem de alguma forma ligadas entre si é o que se chama de tematismo psíquico.

A vida noturna – os sonhos

Um dos grandes méritos da doutrina de Freud foi a constatação de inexistir uma separação entre a vida normal que levamos e a vida do doente mental. Ao mostrar que o anormal está mais próximo do normal do que supomos, Freud indica que a cura do anormal e o restabelecimento da normalidade é muito menos complicado do que supomos. Isso aparece com toda clareza na teoria central da psicanálise: a teoria do sonho.

A grande inovação de Freud foi centrar atenção científica nos sonhos. Dizia ele: “a interpretação dos sonhos é a principal estrada que leva ao conhecimento dos aspectos inconscientes de nossa vida psíquica.”

Foi a partir do estudo do sonho que ele conseguiu formular uma teoria sobre a neurose.

Segundo Freud, “devemos notar que nossas produções oníricas, isto é, os nossos sonhos, por um lado se assemelham intimamente com as produções dos doentes mentais e, por outro lado, são normais no estado de saúde perfeita”.

Dito de outra forma, complementa Carlos Estevam, “as pessoas sadias quando estão sonhando se assemelham muito aos doentes mentais, e nem por isso deixam de ser menos sadias. Aquele que não consegue compreender o significado dos sonhos não conseguirá compreender os processos psíquicos mórbidos”.

Os estudiosos anteriores a Freud pensavam que os sonhos eram provocados pelas sensações experimentadas quando se dorme. Para Freud, ao contrário, não sonhamos com o que está acontecendo fora de nós: nós sonhamos com o que existe dentro de nós. Para ele, o sonho não é um problema somático, mas um processo psíquico.

Para Freud, diferente de seus antecessores, os sonhos não podem ser apenas uma barafunda de imagens que vão se sucedendo sem nenhuma ordem lógica. Ao contrário, para ele, são coerentes. Têm um sentido. Têm certa lógica e certa unidade. A culpa pela incapacidade de interpretá-los é nossa e não dos sonhos. Os processos psíquicos que se desenrolam em nosso psiquismo quando estamos sonhando apresentam um certo grau de organização, ou seja, existem conexões entre as imagens que aparecem nos sonhos; algo parecido com as associações espontâneas de ideias. Existe um certo tematismo: são imagens que pertencem a uma única história e, por mais embaralhadas que estejam, elas buscam contar alguma coisa na linguagem dos sonhos.

Mas como provar essa tese? Como descobrir o sentido dos sonhos?

Para Freud, o sonho é apenas um efeito, um sintoma de uma causa mais profunda, assim como a fumaça é um efeito do fogo. Se não conseguirmos ver o fogo, a fumaça parecerá absurda. São os processos psíquicos não conscientes, ou seja, pré-conscientes ou inconscientes, que produzem os sonhos. Só vemos a fumaça, nunca vemos o fogo, daí não entendermos porque sonhamos.

O método das associações

Só conseguiremos descobrir o sentido dos sonhos se lançarmos mão do método das associações espontâneas.

Uma ideia puxa a outra de forma natural. É como se a primeira ideia estendesse a mão e puxasse por conta própria a segunda ideia para dentro do nosso espírito. A segunda ideia vem trazida pela primeira ideia, e não por nós. É importante observar que essa relação atua no nosso espírito sem que tomemos conhecimento de sua existência. Por que a associação ocorre quando nos lembramos de uma determinada coisa e não de outra? Quando a ideia evoca a outra, ela não evoca qualquer outra, mas apenas as ideias que estão ligadas a ela por algum tipo de relação. E a associação não precisa da nossa interferência: ela é uma relação objetiva e não subjetiva.

Quando deixamos nosso pensamento fluir livremente, sem interferirmos no rumo que esse processo vai tomando, vemos que as ideias vão se associando e passando diante de nós como nuvens passando pelo céu umas atrás das outras. Nesse processo poderão vir emoções desagradáveis e indesejáveis. Mas não sabemos de antemão qual será a concatenação de ideias. Não somos nós que comandamos o desfile das ideias; são elas que se impõem sobre nós, umas atrás das outras, umas trazidas pelas outras, graças à relação objetiva que existe entre elas.

Essa relação objetiva entre ideias espontaneamente associadas proporcionou a Freud a base científica sobre a qual repousa o seu método psicanalítico. O método dele é científico porque se baseia num fato objetivo. E é esse método que nos fornece a chave para decifrar o sentido dos sonhos. Ora, como as imagens que aparecem nos sonhos possuem uma ligação associativa com os processos psíquicos inconscientes que produzem o sonho, tudo o que precisamos fazer para descobrir as causas dos sonhos é ir percorrendo as associações. É como seguir o fio da fumaça para chegar no fogo que a originou.

O psicanalista pede ao seu paciente que se recoste num sofá confortável, feche os olhos e deixe seu pensamento deslizar livremente. Ele cria uma situação parecida com a de quem está dormindo. A única obrigação do paciente é participar, guiado pelo terapeuta, do processo de associação, onde se detecta aquelas que formam um “tematismo”, ou seja, uma história que revela qual o verdadeiro significado do sonho.

Para Freud, diz o autor, “cada sonho apresenta dois tipos de conteúdo: um conteúdo manifesto e um conteúdo latente. O primeiro é aquilo que aparece no próprio sonho. O segundo é o conteúdo oculto, é o sentido oculto que só conseguimos descobrir por meio de análise.” Quando aplicamos o método associativo, partimos do conteúdo manifesto e acabamos por descobrir o conteúdo latente (formado de pensamentos e sentimentos que podem ser ou pré-conscientes ou inconscientes), que nos revela a causa real do sonho. Para Freud é importante observar que nunca é consciente o processo pelo qual o conteúdo latente é transformado em conteúdo manifesto, processo que Freud denominou como “o trabalho do sonho”.

A primeira tese fundamental de Freud é que o sonho tem um sentido. A segunda tese fundamental é de que todo sonho é a realização de um desejo.

À primeira vista há a impressão de que o sonho atrapalharia o sono. Dormiríamos melhor sem sonhar? Para Freud, o sonho facilita o sono. Segundo ele, “o sonho é o guardião do sono”. Um desejo é uma excitação psíquica. O desejo nos acorda do sono. O sonho, guardião do sono, elimina a excitação causada pelo desejo satisfazendo-o através do sonho. Uma pessoa que está passando fome só consegue dormir se sonhar.

Segundo Freud, “dormindo nós experimentamos a satisfação do desejo e, satisfazendo o desejo, nós continuamos a dormir”.

Os detratores de Freud argumentaram que se o sonho representa a realização de um desejo, todos os sonhos nos trariam prazer, já que ao realizarmos um desejo sentimos prazer. E nesse caso, não poderiam existir pesadelos. Freud se safa desse questionamento de forma simples, alertando-nos sobre o papel da censura durante nosso sono. O conceito da censura complementa a teoria de Freud sobre a interpretação dos sonhos.

Existem as seguintes possibilidades quando um desejo proibido chega na barreira da censura: (i) se os guardas também estão dormindo, ela passa diretamente tal como está, sem ser notado; (ii) se os guardas estão semi-adormecidos e não conseguem bloquear totalmente a passagem, o desejo de manifesta de uma forma mais ou menos perturbada; e (iii) se os guardas estão atentos e impedem realmente a passagem e procuram efetivamente recalcar o desejo, este lança mão do artifício que já conhecemos: disfarça-se e consegue assim se manifestar de forma indireta. Esta é a possibilidade mais corriqueira e, por isso, os sonhos se apresentam embaralhados e confusos.

Aqui, cabe a afirmação de Freud: “o sonho é a realização disfarçada de um desejo recalcado.” Um bom exemplo é o sonho que combina dois fatores: de um lado, o desejo de matar, de outro, a censura. Daí decorre o sonho que se realiza disfarçando um desejo recalcado.

Mas, e o pesadelo?

Nos sonhos buscamos satisfazer os impulsos instintivos mais primitivos e anti-sociais, tudo aquilo que foi recalcado e que não pode aparecer à luz do dia. Segundo Freud, “os desejos censurados são acima de tudo a manifestação do nosso egoísmo sem limites e sem escrúpulos.”

Carlos Estevam explica: “ao dormir, nos desligamos do mundo exterior e concentramos todo o nosso interesse sobre nós mesmos. Nosso “eu” fica supervalorizado, passa a desempenhar o papel principal em todas as cenas e, sentindo-se livre e desembaraçado de todas as obrigações morais e sociais, nosso “eu” se entrega de corpo e alma aos apetites sexuais, lançando-se com sofreguidão à procura do prazer. A essa iniciativa de procurar o prazer onde quer que ele se encontre, Freud deu o nome de libido. A libido busca os objetos que trazem prazer, de preferência os objetos proibidos”.

Diz Freud: a libido […] “escolhe não somente a mulher do próximo, mas também os objetos aos quais a humanidade inteira costuma conferir um caráter sagrado: o homem escolhe sua mãe ou sua irmã, a mulher escolhe seu pai ou seu irmão”.

E continua: nos sonhos […] “ódio tem trânsito livre. A fome de vingança, os desejos de morte em relação a pessoa que amamos acima de tudo na vida, nossos pais, irmãos, irmãs, esposos e filhos, tais desejos nada têm de excepcional nos sonhos: são impulsos censurados que parecem provir de um verdadeiro inferno”.

Egoísmo e erotismo são as duas fontes dos sonhos.

Mas, o ser humano não é só animalesco. Além de seus instintos egoístas e eróticos, existem a moral elevada, as aspirações socialmente apreciadas, provenientes da censura. Essas tendências animalescas e socialmente elevadas entram em choque e vivem em permanente conflito. Por isso, nem todo sonho é agradável. Por esse motivo, temos pesadelos.

E, assim, Freud os define: “[…] o pesadelo é frequentemente a realização não velada de um desejo, mas de um desejo que, em vez de ser bem-vindo, foi repelido e recalcado. A angústia que acompanha a realização desse desejo é um sinal de que o desejo recalcado se mostra mais forte do que a censura e de que ele está se realizando ou vai se realizar, contrariando a censura. O sentimento de angústia que experimentamos representa a angústia diante da força desses desejos que, até aquele momento, tínhamos conseguido reprimir”.

É realmente difícil entender como é possível que certos sonhos, muito desagradáveis, possam ser explicados como a realização de algum desejo. Mas é o que acontece.

Os mecanismos do sonho

Recapitulando: (a) Todo sonho possui um conteúdo manifesto e um conteúdo latente; (b) o sonho representa uma espécie de tradução do conteúdo latente em conteúdo manifesto; (c) esse processo foi denominado por Freud de “trabalho do sonho”.

Dentre os principais tipos de trabalho do sonho Freud distinguiu quatro mecanismos: a condensação, o deslocamento, a dramatização e a simbolização. São diferentes maneiras de transformação do conteúdo latente do sonho em conteúdo manifesto.

Na condensação, o sonho costuma ser curto, pobre e lacônico apesar de suas causas serem muito mais ricas, profundas e complexas.

O deslocamento é o processo pelo qual a carga afetiva que é libertada durante o sonho não recai, como seria natural, sobre o seu verdadeiro objeto: a carga afetiva desvia sua direção e vai recair sobre um objeto secundário, aparentemente insignificante. Esse é um dos mecanismos fundamentais e tanto ocorre nos sonhos como nos fenômenos psíquicos patológicos.

A dramatização é um outro mecanismo fundamental do sonho. Esse fenômeno consiste no fato de que nunca sonhamos com ideias ou relações entre ideias. O conteúdo dos nossos sonhos é sempre constituído por imagens e associações entre imagens. Quando estamos acordados podemos raciocinar, quando estamos dormindo, só podemos imaginar. A atividade mental do sonho se limita a imagens de origem sensorial, imagens visuais, auditivas, táteis, etc. é uma atividade mental de tipo inferior ao pensamento racional. Em outras palavras, os sonhos traduzem as ideias em imagens, e por isso, a interpretação dos sonhos tem de percorrer o caminho oposto, ou seja, descobrir qual é o significado racional das imagens oníricas.

A simbolização se dá quando as imagens que aparecem nos sonhos estão em relação com outras imagens.

O sexo

Os estudos de Freud sobre o sexo escandalizaram a sociedade de sua época. A importância do sexo na vida humana não podia ser aceita pela moral da época.

Carlos Estevam comenta que “as ideias novas são sempre combatidas quando surgem, principalmente quando vêm se chocar contra velhos preconceitos ou velhos privilégios arraigados há muito tempo”.

Para Freud instinto sexual é uma força que nos excita e que atua continuamente: essa força nos dá um tipo especial de prazer todas as vezes que a satisfazemos de uma maneira acertada. O instinto existe e atua visando a realização de um determinado objetivo. Esse objetivo pode ser facilmente alcançado pelo fato de que a satisfação do instinto provoca em nós uma sensação de prazer. Se não sentíssemos prazer ao satisfazer nossos instintos, certamente eles desapareceriam.

Para Freud, uma coisa é o sexual, outra coisa, o genital. As relações genitais são apenas uma parte da vida sexual: as sensações sexuais não se limitam apenas às sensações genitais. É muito grande o número das sensações sexuais anteriores ao prazer sexual propriamente dito. Antes de entrarmos numa relação genital, experimentamos uma enorme quantidade de processos psíquicos como, por exemplo, esperanças e temores, desejos e atrações, encantamentos e ternuras, ansiedade e agressividade, etc. Todos esses processos são sexuais e não genitais. Daí Freud constatar que os processos genitais constituem apenas uma pequena parte de nossa vida sexual. A vida sexual é constituída pelas emoções sexuais somadas aos fenômenos genitais.

Freud desenvolveu a teoria da dupla função. A boca, por exemplo, nos dá prazeres gustativos, mas, também, nos proporciona prazer sexual, como o beijo. Toda vez que uma parte do corpo é transformada em fonte de excitação sexual, Freud dá a essa parte do corpo o nome de zona erógena, ou seja, zona que é capaz de gerar erotismo.

Para Freud o significado de sexo é muito amplo, com base no qual desenvolveu sua teoria do sexo.

Ao afirmar que as crianças, desde a mais tenra idade, exercem atividades sexuais, Freud gerou grande indignação em contemporâneos já que, durante séculos a humanidade supôs que as crianças eram anjos inocentes assexuadas. Isso porque, com toda certeza, não levaram em conta a distinção entre o sexo e os fenômenos genitais.

Para Freud o sexo dos adultos é o resultado de um longo processo de evolução que começa desde o nascimento. O instinto sexual está em nós desde que nascemos e vai se desenvolvendo até a maturidade da idade adulta. Quando essa evolução não se processa normalmente aparecem os casos de perversão sexual. São anomalias, aberrações sexuais.

Para Freud, o primeiro período da sexualidade infantil vai desde o nascimento até a idade de cinco anos quando, então, entra em latência, fica encubado, e é desviado para outras atividades. Ocorre um processo de sublimação que vai dos cinco anos até a puberdade. Nesse período de latência aparecem as forças do super-ego que provocam a sublimação do instinto sexual. Surgem os sentimentos de vergonha e de pudor em relação ao sexo.

Na puberdade, o instinto sexual se robustece, despertando outra vez para a vida. O aparelho genital começa a funcionar de forma diferente.

Segundo Freud o que as crianças experimentam primeiro são as sensações bucais. Novamente entra a teoria da dupla função. A boca é uma zona erógena e o prazer que a criança sente ao chupar é um prazer sexual, também conhecido como erotismo bucal ou erotismo oral.

Para Freud existem dois tipos de prazeres sexuais diferentes. O de um beijo, por exemplo, é chamado por ele de prazer preliminar. O prazer da ejaculação, ou orgasmo, é chamado prazer de satisfação, que só é possível depois da puberdade. Na infância os prazeres já são sexuais, apesar não existir ereção nem orgasmo.

Segundo Freud, “quanto mais tarde, na época em que o verdadeiro objeto sexual, o membro viril já é conhecido, surgem reflexos que desenvolvem de novo a excitação da zona bucal, que havia permanecido erógena. Não é preciso um grande esforço de imaginação para colocar no lugar do seio materno ou o dedo que o substituiu, o objeto sexual atual, o pênis. Assim, essa perversão tão chocante que é a sucção do pênis tem uma origem das mais inocentes”.

A segunda fase percorrida pelo instinto sexual na infância é aquela em que o ânus aparece como fonte de prazer sexual. É a fase anal. Por exemplo, a sensação de alívio que nos dá o ato de defecar, é para Freud um prazer de natureza sexual. Não fora assim, nunca poderia haver o coito anal entre os adultos, que é uma perversão sexual comum em todos os povos da terra.

Segundo Freud, a perversão sexual só pode existir baseando-se em algum tipo de atividade que foi normal durante a infância. O indivíduo adulto sente prazer, por exemplo, no coito anal em virtude de ter havido alguma atrofia ou algum desvio no desenvolvimento normal de suas sensações anais durante a infância.

Ao urinar, a criança, ao mesmo tempo que satisfaz uma necessidade fisiológica, experimenta um prazer sexual. Isso nada tem de extraordinário já que a micção está intimamente relacionada com a ejaculação.

Para Freud, diferentemente de seus antecessores, não é na puberdade que nasce o instinto sexual. Nela é o momento em que o instinto sexual adquire sua forma definitiva, em que ele se torna maduro e adulto. As várias partes que constituem a sexualidade infantil vão se juntando uma às outras, vão se unindo para formar um todo único. Todas as zonas erógenas que anteriormente viviam de forma independente uma das outras passam a se ligar entre si e ficam todas subordinadas ao comando da zona genital, que passa a predominar sobre as demais.

Carlos Estevam acrescenta: “A passagem para a puberdade não se faz da mesma forma no homem e na mulher. No homem a passagem é direta; na mulher há duas fases: na primeira a sensibilidade se localiza no clitóris e, só depois de algum tempo, é que ela passa a se localizar na vagina. O fato de ter de passar por duas etapas genitais coloca a mulher numa situação de inferioridade, pois nela são maiores as probabilidades de haver uma interrupção no processo normal de desenvolvimento. Por esse motivo é que Freud distingue dois tipos de frigidez feminina: a frigidez parcial em que a vagina é insensível, e só o clitóris tem sensibilidade; e a frigidez completa em que nenhuma das duas regiões pode ser excitada”.

O complexo de Édipo

Édipo é o personagem principal de um mito grego cuja história foi marcada por dois acontecimentos trágicos: Édipo casou-se com sua mãe e matou o seu próprio pai. Depois disso, corroído pelo remorso, furou os seus próprios olhos para se punir.

Segundo Freud, essa mesma história se repete na vida das crianças em relação aos seus pais e mães.

O complexo de Édipo é um fenômeno que pode ocorrer de três formas diferentes: na infância, na adolescência e na idade adulta.

Durante a primeira infância o complexo de Édipo, embora tenha natureza sexual, não pode apresentar características genitais. Isso acontece quando o menino começa a manifestar uma exagerada preferência pela mãe. O menino passa a desejar que a mãe exista somente para ele, torna-se ciumento em relação ao pai e faz tudo para eliminá-lo de sua convivência com a mãe. Ao mesmo tempo, ou posteriormente, sente-se culpado de uma falta grave, experimenta remorsos em relação ao pai. A mesma coisa acontece com a menina: ela passa a desejar o pai e a repelir a mãe. Nesse caso o nome que se dá ao complexo é o de complexo de Electra.

Freud afirma que o complexo de Édipo é coisa normal, que aparece e depois desaparece durante a infância.

Carlos Estevam resume o que acontece na evolução normal do complexo de Édipo, que aparece, ganha força e depois, pouco a pouco, vai sendo eliminado sem maiores problemas:

O menino se liga à sua mãe por meio dos cuidados, das atenções e dos carinhos maternais. Com o tempo ele passa a querer sua mãe só para si. Pouco a pouco, ele descobre a importância do pai. Percebe que não é só ele que ama sua mãe. O pai também a ama e por isso torna-se seu rival. O menino deseja casar com sua mãe, deseja possuí-la completamente só para si, sem interferência do pai. Como ela já tem um marido, o menino deseja eliminar aquele rival inoportuno. Luta para conseguir isso mas, evidentemente, não pode vencer o pai, pois este é muito mais poderoso do que ele. O jeito que encontra para se vingar é o de tornar-se agressivo, cínico, desobediente, zombeteiro, etc.

Com o tempo, o menino muda sua maneira de amar. Em vez de querer a mãe só para si, ele passa daqui por diante a uma nova tendência: deseja proteger a mãe, tenta envolve-la com o manto protetor contra o que possa vir contra ela. Não permite que ninguém a magoe. Nessa fase, continua em competição com o pai, mas já agora admirando as qualidades do pai. Passa a imitá-lo, deseja igualar-se a ele e tornar-se mais importante do que ele. A essa altura, o menino já está “bancando o homenzinho”.

Ao ir se tornando adulto, o menino vai ficando independente, se desligando pouco a pouco da mãe. À medida que sua personalidade viril vai se firmando, ele deixa de competir com o pai e começa a tratá-lo normalmente. Como um adulto normal, ele passa a se interessar pelas outras mulheres. Um belo dia se casa normalmente, sem que o complexo de Édipo tenha deixado qualquer marca mais profunda em sua personalidade.

Quando, entretanto, por algum motivo, determinados fatores impedem esse desenvolvimento normal, aí as consequências podem ser muito dolorosas. Dependendo do caso, o complexo de Édipo pode estragar completamente a vida do adulto: os homens que não conseguem vencê-lo tornam-se frequentemente afeminados, acovardados e medrosos; as mulheres adquirem uma virilidade excessiva e prejudicial; Homens e mulheres tornam-se impotentes e frios, demonstrando grande timidez sexual; Experimentam sentimentos de inferioridade e o medo permanente de não serem aprovados nas coisas que fazem; Sentem-se culpados por atos que não realizaram sem que haja motivo algum para isso; Tornam-se excessivamente agressivos ou, ao contrário, sentem-se desarmados diante da vida; e frequentemente, o complexo de Édipo provoca a homossexualidade masculina ou feminina.

As manifestações de Édipo durante a infância são plenamente normais. Na adolescência, a coisa é mais complicada pois a pessoa já entrou na sua fase genital. Não são raros os casos em que a atração pela mãe aparece ligada a sensações de prazer localizadas na zona genital.

Quando o complexo de Édipo não é eliminado normalmente durante a infância e continua a atuar nas idades posteriores, é de se esperar que venha a se manifestar sob várias formas de sintomas durante a vida adulta.

Carlos Estevam resume esse assunto: “Suponhamos que o menino, amando a mãe e odiando o pai, não consiga enfrentar de homem para homem a luta contra o pai. Ao se dar isso, o complexo entra num caminho anormal de evolução. Não conseguindo lutar frente a frente contra o pai, o menino se sente inferiorizado e logo a seguir começa a experimentar sentimentos de remorsos cuja origem ele desconhece. Sente que alguma coisa de errado está acontecendo, mas é incapaz de descobrir sua causa. Sente-se culpado em relação ao pai, mas não sabe por que, uma vez que esses processos psíquicos são inconscientes e recalcados. Para redimir-se de sua culpa, o menino procura encontrar algum meio de conseguir o perdão do pai. Esforçando-se para ser perdoado a fim de se libertar de usa angústia inconsciente, a primeira coisa que o menino faz é abandonar a ideia de uma luta de homem a homem contra o pai. Ele se desfaz de sua agressividade para obter a indulgência e a admiração do pai. Para agradar ao pai ele vai cada vez mais abrindo mão de sua virilidade, vai se tornando subserviente e submisso, vai se rebaixando e se inferiorizando. Em vez de bancar o homem, ele passa a bancar a mulher, procura se identificar com a mãe para dividir com ela as simpatias e atenções do pai”.

Chegando à idade adulta, nos casos extremos o rapaz se torna um homossexual. Nos casos menos graves, ele se torna um tipo submisso e acovardado, que experimenta sempre a necessidade de sentir-se inferior aos demais. De um modo geral, é o seguinte o mecanismo desse processo. Tornando-se adulto, o rapaz tende a ver uma reprodução de seu pai em todos os homens com quem entra em relação. Encara todos os superiores como se fossem o próprio pai. Como continua experimentando o sentimento de culpa, procura obter as boas graças do chefe, do professor, do patrão, das autoridades em geral. Ele faz de tudo para ser agradável porque necessita, mais do que qualquer outra pessoa normal, de se sentir aprovado pelos outros, e conquistar a simpatia e a indulgência dos outros.

O complexo de castração

Existe em certas crianças o medo mental de serem castradas ou a até mesmo a convicção de que já foram castradas (no caso das meninas). Esse complexo pode surgir das mais diferentes maneiras. O sentimento de inferioridade da menina por não possuir um pênis, a ideia de que todos nascem meninos e alguns são castrados para virar meninas, a repressão dos pais ao contato frequente que as crianças têm com suas partes genitais, dentre outros.

Neuroses e psicoses

Existem muitos tipos de neuroses e de psicoses. Qual a diferença entre elas? De um modo geral a diferença está no grau de consciência que a pessoa tem do seu estado.

A pessoa pensa, por exemplo, que os outros a estão perseguindo. Se ela sente isso mas, ao mesmo tempo, tem consciência de que isso é um absurdo, então ela é apenas uma neurótica. Mas, se ao contrário, acha que o que está sentindo é verdade, que sua alucinação não é uma ilusão, mas algo verdadeiro, então isso é uma psicose.

A psicose é uma doença mais grave do que a neurose porque o doente não consegue comparar o que ele imagina com o que acontece na realidade; e perde a consciência do seu estado.

Toda pessoa normal sente medo quando se encontra diante de um perigo. O medo que o neurótico sente não é um medo normal; é um medo mórbido, patológico, doentio. Esse medo deriva de um perigo imaginário, um perigo que não existe. O perigo não existe, é imaginário, mas a angústia que ele sente é real.

Se vem à mente de uma pessoa normal a ideia de se castrar, o que ela faz? Tira essa ideia da cabeça e passa a pensar em outra coisa. O neurótico, fica lutando com essa ideia, mas não se castra. Para Freud, em nosso psiquismo existem duas locomotivas andando no mesmo trilho em sentidos opostos. Chega um momento em que uma locomotiva paralisa a outra já que as duas estão fazendo força em direções contrárias. Há uma luta, a ideia de conflito entre duas forças opostas. Assim, para Freud a causa mais importante das neuroses é a existência de algum conflito interno entre as forças psíquicas que compõem o nosso psiquismo. Para ele, muito mais do que fatores orgânicos, são fatores psíquicos que importam. Ao estudar um caso de neurose a atenção de Freud se voltava para os elementos psíquicos adquiridos ao longo da vida. Necessário, portanto, buscar descobrir quais foram os acontecimentos da infância, a educação, as influências exercidas pelo ambiente, as emoções experimentadas, etc. Exatamente ao longo da vida da pessoa que devem ter surgido os conflitos, os dramas e as lutas interiores, que acabaram encontrando uma válvula de escape na neurose. Nossos impulsos naturais e legítimos, oriundos do nosso instinto de conservação, muitas vezes são reprimidos, impulsos esses que vão sendo recalcados no inconsciente dia após dia, como um rio que vai sendo represado. Termina chegando o dia em que a água transborda, muitas vezes sem razão aparente. O neurótico tem reações estranhas, descabidas, crises de ansiedade, sonhos delirantes, confusão mental, vontade de suicidar-se, etc. Assim, resumidamente, para Freud, a origem da neurose provém dos recalques dos nossos impulsos instintivos e, em especial, nos recalques dos impulsos sexuais. Se a educação vence os instintos, o impulso é recalcado para o inconsciente. Algum dia a força que foi recalcada voltará a aparecer, mais poderosa do que nunca. Se isso não acontece, o impulso recalcado se manifestará através de crises (perversões sexuais, somatizações, ira, etc).

Os leigos podem pensar que é fácil curar uma neurose. Seria só mostrar para a pessoa que ela está equivocada, experimentando uma obsessão. Para Freud, ao contrário, não se deve dizer jamais ao doente que ele está errado ao sentir um determinado medo, obsessão ou delírio. Só o próprio doente é capaz de curar-se, o que só acontece quando ele mesmo descobrir qual é a causa de sua neurose.

Carlos Estevam comenta: “através da psicanálise pode-se ajudar o doente a mergulhar no seu inconsciente a fim de encontrar a causa que está provocando os sintomas neuróticos. O sintoma é apenas um efeito e não uma causa, só pode ser combatido com êxito se for atacado pelas costas”.

Freud cita um caso de uma paciente do Dr. Joseph Breuer, iniciador da psicanálise. Uma moça que sentia sede e não conseguia tomar nenhum líquido. Tinha que comer frutas para saciar sua sede. O máximo que conseguia era segurar o copo e encostá-lo em seus lábios para logo atirá-lo longe. Submetida por Breuer à técnica de associação de ideias, estando em sono hipnótico, lembrou-se que um dia viu o cachorro da empregada de sua casa, por quem nutria profundo ódio, tomando água no copo d’água que mantinha em seu quarto. Ao ver tal situação sentiu um impulso de explodir com a empregada e demiti-la, mas não o fez, pois, seu pai sempre a protegia. Essa lembrança escondida no inconsciente veio para o campo iluminado da consciência. Ao fazê-lo expressou toda sua ira recalcada. Quanto terminou a sessão, tomou um copo d’água normalmente.

A psicanálise, nesse caso, ajudou a doente a limpar seu psiquismo, eliminando uma confusão mental. Isso foi possível porque a moça conseguiu se recordar da ocasião em que os sintomas apareceram pela primeira vez. Ela mesma descobriu a causa de seu problema, quando teve forte reação emotiva, exteriorizando sua cólera represada. Contudo, uma lembrança esquecida não podia ser relembrada voluntariamente já que aquele fato já não estava mais no seu consciente, mas sim, no inconsciente, sendo requerida a técnica psicanalítica.

Nas palavras do autor, “a cura se deu pelo simples fato de a doente ter sido capaz de trazer de volta à consciência o acontecimento que havia produzido um traumatismo no seu psiquismo; o desabafo de cólera que acompanhou a recordação foi uma descarga afetiva de uma energia que estava represada e lutando para vir à luz do dia. A doente se curou quando descarregou a cólera que não pudera se manifestar no momento porque a censura não conseguira nem recalcar completamente o impulso instintivo, nem deixar que ele se manifestasse completamente. Se o impulso tivesse sido totalmente recalcado ou se se tivesse podido se manifestar totalmente, é provável que os sintomas não tivessem surgido. Os sintomas se formam pela volta do impulso recalcado que tenta por todos os modos forçar a sua saída”.

Freud costumava dizer que o neurótico se refugia na sua doença. Em poucas palavras, a essência da cura pela psicanálise é a tomada de consciência, permitindo a possibilidade de uma escolha, quebra o automatismo doentio: a tomada de consciência destrói os hábitos mórbidos ao reduzi-los à lembrança dos acontecimentos que lhes deram nascimento. Ou seja, a psicanálise cura ao transformar o inconsciente em consciente.

A histeria

A histeria é uma das formas de neuroses que se manifesta das mais variadas formas. Antes de Freud, quando uma pessoa se comportava de forma histérica, repetindo monotonamente o mesmo gesto, tendo rompantes, paralisia, cegueira, surdez, etc., pensava-se que ela estaria se fingindo de doente. Freud observou que a histeria não é fingimento, e nem mesmo uma doença orgânica, mas sim um distúrbio de natureza psíquica, causado por fatores psíquicos.

Tome-se o exemplo de Arlete, uma pessoa de 34 anos que sofria de crises nervosas do tipo que se manifestavam por sensação de sufocamento, contração do corpo, paralisia dos membros e perda dos sentidos. Médicos e familiares estavam certos de que se tratava de causas orgânicas. Foi medicada, submetida a intervenções cirúrgicas, fez hipnoses, clínicas de repouso, tudo em vão. Para provar que uma paralisia do braço não passava de fingimento, o médico usava de artifícios para que o paciente mexesse o braço, provando não existir paralisia, caso em que não haveria movimento. Vendo que o braço se mexia, o histérico se convencia e deixava de sentir aquele sintoma. Dias depois, porém, aparecia outro sintoma. E assim ocorriam inúmeras variações nos sintomas.

Nas palavras do autor: “Para Freud, estavam apenas arrancando as folhas de uma planta daninha, e não a própria raiz do mal. Para ele, na origem da histeria deveria ter havido algum conflito psicológico que acabou sendo resolvido de forma incompleta por um ato de recalque, ou seja, algum processo psíquico inconsciente que recalcou alguma experiência afetiva dolorosa, ocorrida na vida da pessoa. A causa está recalcada no inconsciente e o histérico só vê os sintomas os quais, muitas vezes, trazem a eles uma certa satisfação, pois terminam sendo uma espécie de realização de um desejo recalcado. Os complexos que produzem esses sintomas estão fortemente arraigados no psiquismo e é a eles que é preciso combater”.

Estudando a histeria Freud identificou o que ele chamou de mecanismo da conversão, uma de suas principais contribuições à teoria da histeria. A energia afetiva recalcada não permanece o tempo todo somente como energia psíquica, já que sofre uma transformação que ocorre quando se converte em um sintoma físico como paralisia, tremores, contrações, etc. Os processos psíquicos represados no inconsciente encontram uma porta de saída no corpo.

Voltando ao caso de Arlete, e validada a ideia de sua doença ser produzida por causas psíquicas, não existiria outro recurso senão o de usar as técnicas da psicanálise, tais como a livre associação e a interpretação dos sonhos, que permitem descobrir o passado do doente. No caso dela, o psicanalista acabou descobrindo que ela sofreu um profundo choque emocional quando tinha apenas sete anos de idade. Foi estuprada por um homem que a segurou com as duas mãos pelo pescoço, como se a estivesse estrangulando.

A família, sem saber de nada, confirmou que aos sete anos ela teve forte febre e delírios. Arlete sentia que tinha perdido o corpo e que a única coisa que lhe restava era a cabeça. Arlete começou a associar, em sonhos, seu pai, com o homem da praia. Os sintomas estavam ligados aos conflitos psíquicos intensos que, desde a infância, não a abandonaram até os 34 anos de idade, quando superou as consequências do trauma.

As psicoses são distúrbios psíquicos mais graves e mais complicados do que as neuroses. No estudo da psicose, o tratamento não pode ficar restrito aos processos psíquicos já que os processos de natureza orgânica também têm extrema importância.

O próprio Freud não estudou a fundo a psicose, não tendo se especializado no assunto.

A vida de Freud

Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, Moravia. Sua família, de origem judaica, emigrou para a capital da Áustria quando Freud tinha apenas 4 anos. Em 1881 concluiu seu curso de medicina defendendo uma tese sobre o sistema nervoso central. Durante vários anos trabalhou numa clínica neurológica para crianças, onde descobriu um tipo de paralisia cerebral que, posteriormente, ganhou seu nome.

Em 1885 tornou-se professor assistente da Universidade de Viena. Em 1902 foi nomeado professor titular. Em 1884 um médico vienense chamado Josef Breuer contou a Freud os resultados de suas experiências na cura de sintomas graves de histeria fazendo com que o doente, submetido ao sono hipnótico, conseguisse recordar-se das circunstâncias que deram origem à sua enfermidade e expressasse as emoções vividas naquelas circunstâncias. Tais experiências, conhecidas como método catártico constituíram o ponto de partida para o desenvolvimento posterior da psicanálise.

Escreveu com Breuer o livro Estudos sobre a histeria, publicado em 1895.

Pouco depois, Freud abandona a hipnose e a substitui pelo seu método das livres associações. Foi nesse caminho que Freud logrou formular sua descoberta a respeito dos processos psíquicos inacessíveis à consciência.

O inconsciente sempre foi objeto de exploração por poetas e filósofos de todos os tempos. Freud teve o mérito de ter sido o primeiro a descobrir o instrumento capaz de atingi-lo e explorá-lo em sua essência. Contudo, sua teoria da sexualidade infantil foi muita rejeitada pela academia causando, inclusive, seu afastamento de Breuer.

Durante dez anos Freud trabalhou sozinho no desenvolvimento da psicanálise. Em 1906, já na companhia de diversos colegas tais como Adler, Jung, Jones e Stekel, realizou o primeiro Congresso Internacional de Psicanálise. Alguns anos mais tarde fundou a Associação Internacional Psicanalítica, com filiais em diversos países.

Durante toda sua vida Freud foi vítima da hostilidade pública contra suas teses e ideias, consideradas imorais e anticientíficas. Mesmo assim ele foi incansável na divulgação de seus trabalhos científicos.

No fundo, a hostilidade que recebeu ao longo de quase toda sua vida provinha da faceta hipócrita dos formadores de opinião de plantão que não queriam admitir a existência de toda a lama e sordidez contidas no inconsciente social.

Apesar de ter sido muito perseguido pelos nazistas, Freud continuou vivendo na Áustria. Queimaram os livros de sua biblioteca em praça pública e tentaram proibi-lo de continuar com seus estudos e pesquisas, o que ele nunca aceitou.

Em 1938, depois de insistentes convites de muitos países do mundo, Freud, já sofrendo de um câncer de boca em estágio avançado, aceitou mudar-se para a Inglaterra. Contudo, era necessário pagar um resgate exigido pelos nazistas. Diversas instituições internacionais de vários países angariaram recursos para possibilitar sua viagem. Mas os recursos nunca eram suficientes pois o valor ia sendo incrementado pela horrenda chantagem dos nazistas. Foi necessária a interferência do Presidente Roosevelt junto às autoridades alemãs para que ele pudesse viajar. Viveu somente um ano na Inglaterra, tendo falecido em 23 de setembro de 1939.

*Marcos de Queiroz Grillo é economista e mestre em administração pela UFRJ.

Referência


Carlos Estevam. Freud: vida e obra. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2008, 128 págs. [https://amzn.to/3BTHk0S]


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