Por ARI MARCELO SOLON*
Comentário sobre uma nova interpretação do conceito de Walter Benjamin, o “anjo da história”.
“Angelo Nuovo. La Kabbalah racconta che Dio crea ad ogni istante un numero sterminato di nuovi angeli, tutti destinati soltanto a cantare per un attimo le sue lodi davanti al suo trono prima di dissolversi nel nulla. Il mio era stato interrotto in tale compito: i suoi tratti non avevano alcuna sembianza umana.” (Adelphi, Walter Benjamin e il suo angelo).
No dia primeiro de maio, no Neue Zürcher Zeitung, o professor Luca di Blasi, da Suiça, publicou um ensaio sobre o “anjo da história” de Benjamin, com duas revelações bombásticas. A primeira: o anjo da história representa a teologia, uma horizontalização da “teologia da cruz”, de Lutero. E a segunda: o anjo de Benjamin representa um re-teologização do que Hegel chama de “Verweilen beim Negativen“, no começo da Fenomenologia do espírito, ou seja, deter-se no negativo.
Vale dizer, escondido no Angelus Novus, o quadro de Klee (1920), está Martin Luther, “o Reformador”. O autor diz que quando Benjamin comprou há 100 anos o quadro de Klee, que se transformou na alegoria de sua filosofia da história (Sobre o conceito de história, tese nº. 9, de 1940), não sabia que sobre o quadro de Klee ocultava-se a figura de Martin Luther.
O que seria, portanto, a novidade do Angelus Novus? Há 100 anos, portanto, após a Primeira Guerra Mundial e na época da Pandemia espanhola, formulava-se a pergunta: “onde está Deus?”. Essa, segundo Luca, é a teologia da cruz de Luther. Na meditação acerca da cruz, o Deus oculto se revela e o crucificado se torna o messias, o Cristo, e a história do mundo chega a seu fim.
O que era teologia em Luther torna-se, no luterano Hegel, a exigência de se encarar o negativo: “Dieses Verweilen ist die Zauberkraft, die es in das Sein umkehrt“. Este deter-se é a força mágica que ocorre no ser. Para o autor, o anjo da história de Benjamin corresponde à teologia da cruz. As vítimas da história no lugar do crucificado e do negativo.
Benjamin usa o mesmo termo (verweilen) na 9ª tese, ele poderia deter-se, não acordar os mortos e ajuntar os batidos. Em Benjamin, porém, a história parece ser mais forte do que em Hegel, pois a tempestade que nós chamamos “progresso” nos leva para o futuro, e o anjo vira as costas ao passado.
Benjamin, ao reteologizar o conceito de negação dialética hegeliano-marxista acentua um pessimismo em relação às vítimas da história que não se encontram no otimismo originário. Nesse sentido, a figura oculta de Luther parece ser inspiradora, o “luterus absconditus“.
Algumas questões o autor, com sua erudição, com certeza poderia acrescentar a esse brilhante ensaio: qual a relação entre o “verweilen” de Goethe e o deter-se de Hegel, ambos coexistentes e que surgiram na mesma época?
No ensaio de 1933, “Agesilaus Santander”, o próprio Benjamin dá uma interpretação mística do anjo da história. Na Kabbalah, diz ele, anjos são criados de modo efêmero, apenas para entoar hinos durante a labuta diária no templo, e quando terminam de entoar a música, morrem. Ou seja, anjos são “anjos da destruição”. Como Benjamin diz em relação a seu nome, “quando nasci sob o signo de Saturno [o planeta da melancolia], dois anjos foram mandados: um homem e uma mulher.” Agesilaus Santander, anagrama de Angelus Satanás, a disputa entre o diabo e Lilith.
O tema do deter-se também é objeto de um ensaio de Konrad Burdach sobre Fausto e Moisés, em que se refere à cura de Moisés antes de sua morte, que está na Epístola de Judas. Martin Heidegger cita Burdach em Sein und zeit, mas não consegue elaborar o tema da cura a partir dessas raízes angeológicas bíblicas, afinal, Martin Heidegger não era Martin Luther, que conhecia o “Hashem-Ameforash” (o nome inefável de Deus).
*Ari Marcelo Solon é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prismas).