O antipetismo envelheceu

Imagem: Hamilton Grimaldi
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JULIAN RODRIGUES*

Alguns intelectuais de esquerda, do alto de suas torres de marfim, não apresentam alternativas e não fazem mediações, apenas praticam tiro ao alvo contra o PT

Certos intelectuais de esquerda vivem hoje um paradoxo: pretendem soar militantes, mas fazer análises críticas e pretensamente objetivas sobre o maior Partido de esquerda do país, em plena campanha eleitoral. Do alto de suas torres de marfim, não apresentam alternativas e não fazem mediações. Praticam tiro ao alvo contra o PT: música aos ouvidos das elianes cantanhedes e mervais da vida.

Esse é o caso do artigo de Rudá Ricci publicado na revista Fórum com o título “O PT envelheceu” [https://revistaforum.com.br/colunistas/ruda-ricci/pt-envelheceu-por-ruda-ricci/]. Ricci é presidente do Instituto Cultiva (ONG mineira) que atua “no aprimoramento da gestão pública e apresenta uma fórmula relativamente simples para se construir um bom governo municipal, com dois componentes básicos: primeiro, ouvir – e negociar com – os cidadãos, atender suas demandas e, em segundo lugar, qualificar os servidores públicos; também sugere a ong de Ricci (especializada em EAD e cursos de gestão pública) que “o prefeito pode criar é a Escola da Cidadania. Em que se forma professores e organiza cursos regulares para conselheiros e lideranças de bairro”.[i]

Rudá, sociólogo, ex-militante orgânico (e orgulhoso, a levar em conta sua biografia na Wikipedia) do PT, escreve platitudes como se estivesse nos apresentando a descoberta da pólvora. Quem o lê, não é informado que há quase três décadas estudiosos, tendências internas, dirigentes apontam e criticam as mudanças estratégicas, táticas e organizativas que têm ocorrido no Partido.

Certamente Ricci não desconhece o rico debate que é travado no interior do PT, a cada Congresso, a cada processo de eleição interna. Se for um estudioso sério do PT ou um militante partidário, o autor não ignora a disputa interna complexa, permanente – nem toda a rica elaboração que as correntes da chamada esquerda petista constroem desde sempre. Aliás, mesmo entre a maioria da direção moderada, há contradições e matizes, bem mais ricos que a caricatura desenhada por Rudá.

Sinto muito, mas não dá para levar a sério um artigo que traz afirmações do tipo: “a base passou a ser menos exigente e mais idólatra. De sujeito da construção do PT, passou a ser objeto das manipulações marqueteiras”.

Pergunto: isso é fruto de uma pesquisa etnográfica ou sociológica? É observação empírica do autor? Faz parte de reflexões de alguém que é militante de esquerda, atua nos territórios e conhece as pessoas organizadas nas bases do PT? Ou é puro chute de presidente de um presidente de ONG especializada em dar curso de gestão pública?

Reparem: é fato que o PT vive dilemas, tem déficit de elaboração programática, sofre por não ter formado novos quadros, têm direções aquém do desafio de liderar a oposição ao neofascismo bolsonarista. Mas, isso tudo é sabido. E são temas debatidos intensamente no interior do Partido.

Falta dialética, falta mediação, falta conhecimento de causa no artigo de Ricci. O autor, aliás, é apoiador do PSOL em São Paulo e faz campanha para que o PT retire a candidatura de Jilmar. Nada é gratuito nessa terra redonda, né?

O que mais chama a atenção é que Rudá meio que esquece geral da luta de classes. Ignora solenemente as operações das classes dominantes, do imperialismo contra os governos Lula/Dilma e contra o PT. Vejam essa pérola, quando ele fala do atual núcleo de direção e ressalta a “diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno”

Ora, desconstituir o núcleo dirigente histórico do PT foi um movimento fundamental do pré-golpe. Ou não? Dirceu e Genoino renunciaram da direção do PT ou foram presos em armações do aparato estatal pró-imperialista?

Ricci desqualifica a reação dos petistas que atribuiriam todos os problemas como “resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido”. Ora bolas. Tal campanha não existe? Não teve golpe em 2016? Lula não foi preso e interditado? Quem está sob ataque não deve se defender??

E vai piorando. De simplificador, o autor passa a mistificador barato. “Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem”. Que Partido da “ordem” é esse, estigmatizado e perseguido?? O ongueiro já avisou à burguesia, ao Trump, aos milicos e à Globo que o PT é um partido da ordem? Que estão eles todos errados ao deletar Lula da vida nacional? Que é melhor poro Lula de novo e tirar Bolsonaro?

Claro que esse tipo de artigo raso, que malha o PT faz sucesso. Entre gente boa e bem intencionada, mas entre também esquerdoides e ressentidos. Gera cliques. Pero, ao contrário do que Rudá parece pensar, a derrocada do PT não favorecerá ninguém, a não ser a direita. Construir um outro Partido de esquerda de massas não é algo trivial, dado da realidade. Não há nenhuma garantia de que outra força de esquerda ocupará o lugar do PT, caso ele realmente perca relevância.

Vamos debater os limites do PT seriamente. De preferência fora do período eleitoral.

Aliás, o artigo do sociólogo ignora também a força do lulismo. Sua conclusão (depois de chamar o PT de um “partido de cartel”), “concede” que o PT é um partido nacional que tem entre 20 e 30% dos votos. Mas, tadim de nós, nosso partido não “gera paixões”!! Really, brô? É o que de melhor você tem para apresentar como síntese?

Termino reproduzindo um trecho da tese que apoiei (da Resistência Socialista), no último Congresso do PT:

“O momento exige a recolocação do PT como um partido radical para ser capaz de derrotar o projeto neofascista, retomando o trabalho de base se adaptando às características da sociedade atual e às mudanças ocorridas no mundo do trabalho. 29. Para nos tornamos um Partido capaz de resistir e organizar a oposição ao bolsonarismo deveremos ser de massa, mas de massa militante. Girar nossa atuação para voltar a ter organização nas bases (nos territórios, mas também na juventude, no ativismo feminista, antirracista, nas universidades). Precisamos retomar com prioridade a formação política intensiva, visando constituir quadros militantes. Resgatar o papel dos núcleos, com algum poder deliberativo, fortalecendo nossa organização territorial. Estamos desafiados a construir direções coletivas, constituídas de forma plural e diversa, na prática – composta com quadros dedicados, preparados e dinâmicos. A renovação geracional e a reconexão com a juventude é condição urgente sem a qual pereceremos A participação de negros e negras, dos indígenas, das mulheres”.[ii]

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, mestre em ciências humanas e sociais, ativista LGBTI e de DH, é militante do PT-SP.

Publicado originalmente na revista Fórum.

Notas

[i]https://recontaai.com.br/atualiza-ai/eleicoes-2020-a-simples-e-dificil-formula-para-se-governar-qualificacao-e-fundamental-para-prefeitos-e-assessores/

[ii]https://pt.org.br/wp-content/uploads/2019/08/tese-nacional-da-resistencia-socialista-2ago2019-convertido.pdf

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O avesso de Marxcultura los soles 14/09/2024 Por TIAGO MEDEIROS ARAÚJO: Comentário sobre o livro recém-lançado de José Crisóstomo de Souza
  • O pedido de impeachment de Alexandre Moraesstf supremo brasília niemayer 15/09/2024 Por MARCELO AITH: Os processos de ruptura democrática se iniciam, invariavelmente, com o enfraquecimento do Poder Judiciário, como ocorreu na Hungria com o primeiro-ministro ditador Viktor Orbán
  • A condenação perpétua de Silvio AlmeidaLUIZ EDUARDO SOARES II 08/09/2024 Por LUIZ EDUARDO SOARES: Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização
  • Brasil paraleloLUIS FELIPE MIGUEL 2024 16/09/2024 Por LUIS FELIPE MIGUEL: A Brasil Paralelo é a maior impulsionadora de conteúdo político nas plataformas sociodigitais do Brasil. Dinheiro não falta, no seu trabalho de doutrinação do público
  • O triste fim de Silvio Almeidasilvio almeida 08/09/2024 Por DANIEL AFONSO DA SILVA: O ocaso de Silvio Almeida é muito mais grave que parece. Ele ultrapassa em muito os eventuais deslizes deontológicos e morais de Silvio Almeida e se espraia por parcelas inteiras da sociedade brasileira
  • A bofetada do Banco CentralBanco Central prédio sede 10/09/2024 Por JOSÉ RICARDO FIGUEIREDO: O Banco Central pretende aumentar a taxa Selic, alegando expectativas de inflação futura
  • Contradição educacionallousa 4 15/09/2024 Por FERNANDO LIONEL QUIROGA: Os adjetivos do professor e a máquina de moer o passado
  • O caso Silvio Almeida — mais perguntas que respostasme too 10/09/2024 Por LEONARDO SACRAMENTO: Retirar o ministro a menos de 24 horas das denúncias anônimas da Ong Me Too, da forma como foi envolvida em licitação barrada pelo próprio ministro, é o puro suco do racismo
  • Pablo Marçal entre Goiânia e São Paulogo sp 13/09/2024 Por TADEU ALENCAR ARRAIS: É um equívoco imaginar que o sucesso de Marçal se localize, apenas, no domínio das dinâmicas das redes sociais
  • O que fazer com uma pessoa deprimidabeco amarelo 14/09/2024 Por HELENA TABATCHNIK: Sejam gentis com a pessoa deprimida. Não a cobrem como se ela fosse normal. E, mais importante de tudo, informem-se. Vocês podem estar fazendo muito mal a alguém que amam

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES