O Brasil na COP26

Imagem: Alex Fu
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Por RICARDO ABRAMOVAY*

Contar fundamentalmente com as iniciativas do setor privado para combater a crise climática é tapar o sol com a peneira

Nenhum país tem condições melhores que o Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Este privilégio não vem do avanço de nossa competente pesquisa científica ou de avanços tecnológicos espetaculares e sim do fato de que hoje somos a única nação em que metade das emissões deriva de desmatamento. Por mais difícil que seja zerar o desmatamento (ainda mais com governantes coerentes com o que haviam anunciado na campanha eleitoral e que vêm desmontando todo o aparato institucional voltado à preservação das florestas e dos territórios protegidos no País) isso não se compara com o desafio de estimular a emergência de uma vida econômica que não esteja organizada em torno do uso em larga escala de combustíveis fósseis.

O mundo empresarial está globalmente (e no Brasil) comprometido com a busca de técnicas que permitam produzir, gerando cada vez menos gases de efeito estufa. A própria indústria automobilística parece estar dando uma guinada neste sentido, como mostra a entrevista de Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, mostrando a urgência de “objetivos claros para a descarbonização”. São inúmeras as associações empresariais que procuram mobilizar as companhias para emissões líquidas zero. É crescente (embora, muitas vezes, apenas retórico) o compromisso do setor financeiro e dos bancos centrais com a descarbonização. O barateamento das energias renováveis modernas, da armazenagem de energia, do hidrogênio verde e do biogás, oferecem base material sólida para transformações muitas vezes disruptivas.

Mas contar fundamentalmente com as iniciativas do setor privado para combater a crise climática é tapar o sol com a peneira. E, por maior que seja a consciência dos consumidores sobre o tema não é da iniciativa de cada cidadão que poderá vir o impulso para que os mercados rejeitem produtos poluentes.

A responsabilidade primeira e mais importante é dos próprios governos e seu ponto de partida resume-se a uma expressão que dificilmente poderia ser mais impopular: taxação do carbono. E esta taxação precisa ser suficientemente alta para dissuadir rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Quanto maior a procrastinação em torno deste objetivo, quanto mais se alimentar a ilusão de que o setor privado e os consumidores vão acabar por preferir produtos não poluentes ou que as novas tecnologias vão deslocar as até aqui predominantes, mais desorganizada e custosa será a transição e piores serão os impactos dos eventos climáticos extremos.

A ideia, defendida há anos pelo prêmio Nobel de Economia William Nordhaus, foi retomada recentemente, num relatório encomendado pelo presidente Macron a Jean Tirole, prêmio Nobel de Economia (2014) e professor da Toulouse School of Economics e Olivier Blanchard economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (2008-2015) e professor do Masschussets Institute of Technology. Celebridades acadêmicas como Philippe Aghion, Dani Rodrik, Nick Stern, Paul Krugman e Laurence Summers também compõem a equipe que abordou aquilo que consideram os três mais importantes problemas globais: mudanças climáticas, avanço das desigualdades e envelhecimento.

Trinta anos após a Rio-92 e apesar do forte engajamento do setor empresarial e da sociedade civil as emissões continuam subindo e a retomada econômica pós-pandemia não a está atenuando: de todos os investimentos globais realizados para a recuperação econômica pós-pandemia por países do G20, apenas 18% estão comprometidos com a descarbonização da economia. E 90% destes investimentos verdes concentram-se em apenas sete países: China, França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul Espanha e Reino Unido. Dos membros do G20 os investimentos considerados como “altamente negativos” concentram-se na Argentina, na Austrália e no Brasil, segundo pesquisa da Universidade de Oxford, da Rede de Políticas Fiscais Verdes, da OCDE e do Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas, citada no Emissions Gap Report de 2021.

Em outras palavras, apesar do vigor dos discursos empresariais, mesmo após o trauma da COVID-19, os dados sobre investimentos para a retomada pós-Covid mostram que a economia global continua travada em iniciativas que tendem a perenizar e não a reduzir as emissões. Este horizonte não vai se modificar enquanto as atividades que destroem o mais importante bem comum da humanidade (o sistema climático) não tiverem custos significativos para as empresas e para os consumidores.

O problema é que uma taxa carbono sobre os combustíveis fósseis tende a penalizar os mais pobres e os mais dependentes do uso de automóveis ou motos (como os trabalhadores precários de aplicativos, por exemplo). O que está em jogo aí é a repartição social dos custos da transição. O movimento dos Coletes Amarelos na França, quando Macron tentou aumentar de forma consistente os impostos sobre os combustíveis fósseis, mostra o quanto o tema é politicamente delicado.

Para enfrentar o problema o relatório Blanchard/Tirole propõe que se utilizem os recursos derivados da taxação dos fósseis para financiar transferência de renda para os mais pobres. Mas, apesar da consciência sobre a gravidade da crise climática e mesmo sob a perspectiva de que as perdas decorrentes da taxação do carbono podem ser compensadas, a maior parte das pessoas se opõe a este imposto, segundo pesquisa realizada na França em 2020. Pior, a oposição à taxa era ainda maior entre os que estiveram fortemente engajados no movimento dos Coletes Amarelos. Colocados diante de evidências mostrando que a taxa poderia ser benéfica a eles e aos mais pobres, ainda assim, eles a rejeitavam. A recusa é tão importante que a Convenção Cidadã pelo Clima não aceitou incluir a taxação do carbono em suas proposições.

A taxação do carbono em níveis capazes de inibir o uso de combustíveis fósseis e a redistribuição desta arrecadação entre os mais pobres é a proposta com maior chance de se aproximar da ambição de justiça climática. Ao mesmo tempo, é o elefante na sala da Conferência de Glasgow e, ao menos até aqui, são tênues os sinais de que ela poderá ser alcançada, mesmo diante das evidências de que é ilusório imaginar o progresso das alternativas, sem a sua adoção.

*Ricardo Abramovay é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Autor, entre outros livros, de Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza (Elefante/Terceira Via).

Publicado originalmente no portal UOL.

 

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