O medo precisa dar vez à coragem

Imagem: ColeraAlegria
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Por VINICIUS SOUZA, HUGO OTTATI & SIDARTA LANDARINI*

Às ruas para derrubar Bolsonaro já!

Em Capão da Canoa (RS), a semana começou com uma estátua da Havan no chão, derrubada por uma forte ventania. A imagem, de fato, é linda e nos permite entrar no imaginário de que a queda de um símbolo como esse, ligado ao bolsonarismo, representa sinais de novos tempos. Afinal, seriam ventos que chegam para frear a política de morte? Ou seria a natureza respondendo ao extermínio e à política do atraso e da destruição ambiental em curso?

É natural que o ocorrido provoque esse tipo de reação nas redes sociais, sobretudo em tempos difíceis como esse em que vivemos. Mas precisamos ir além, pois apenas a reverberação prática deste simbolismo é que possui potencial de refletir e modificar a realidade concreta. Por isso, diante de tantas manifestações de figuras públicas, relacionando a queda da estátua com um indicativo da derrocada de Bolsonaro, uma obviedade precisa ser dita: o fim do bolsonarismo só virá com povo na rua, pelos braços dos trabalhadores e das trabalhadoras, mobilizadas e organizadas em prol de um programa radical, socialista, que enfrente os monopólios privados; o rentismo; o latifúndio; a destruição ambiental; a política privatista e as reformas que retiraram e seguem retirando direitos dos mais pobres; e que paute mudanças sociais e estruturais.

Olhando para o hoje, para o amanhã e para o depois de amanhã, é que surge a necessidade de fortalecermos os atos nacionais pelo “Fora Bolsonaro Já!” do dia 29 de maio e os seguintes; e de endossarmos a criação de espaços, comitês, comunas ou centros de solidariedade, resistência e organização por todo o país, entendendo: 1) a necessidade de interrompermos imediatamente à política genocida de Bolsonaro, sendo esta uma tarefa urgente de todos os setores consequentes da sociedade; 2) ao passo em que se inicia a construção popular de um programa radical, anticapitalista e ecossocialista, como uma alternativa real ao conjunto da classe trabalhadora não só para o amanhã, figurado na eleição de 2022, mas para o pós-eleição, conscientes de que não restará encerrado o período de lutas e enfrentamentos no Brasil, dadas as evidentes limitações do processo eleitoral.

Neste sentido, é preciso agir. Não dá para esperar “sangrar”, pois quem vem sangrando cotidianamente somos nós.

São os nossos que têm morrido diariamente: por COVID; pela fome; no desemprego; sofrendo despejos; no extermínio dos povos originários; e no genocídio nas favelas. Não precisamos negar o sentimento de medo existente no nosso cotidiano, pois, de fato, ele se faz presente; mas é importante não deixarmos que o medo nos paralise, pois é exatamente esse o desejo dos que praticam a exploração, o controle social e a manutenção do atual estado das coisas.

Eles nos querem com medo, imobilizados, sem chance de enxergar um outro futuro. Para isso, contam com diversas tecnologias sociais de instauração do medo, como a guerra às drogas, que fragmenta as classes populares, impossibilitando nossa juventude negra de enxergar uma saída desse modo de vida. O exemplo mais recente foi a chacina de 27 jovens na favela do Jacarezinho no Rio de Janeiro, tendo a Polícia Civil do Rio de Janeiro imposto sigilo de cinco anos nos documentos referentes à operação. Além de descumprirem a decisão do Supremo Tribunal Federal, que proíbe operações policiais neste momento, violando direitos fundamentais de milhares de pessoas que ali residem e das vítimas – assinando um homem na frente de uma criança em seu próprio quarto -, ainda pretendem criar obstáculos à transparência para sair impunes de tamanha barbaridade.

Concomitantemente, nossas florestas seguem sendo destruídas, como uma grande fazenda para os países de primeiro mundo, prestigiando o latifúndio, a exploração e a concentração de terras, enquanto nossa população passa fome ou se intoxica por centenas de agrotóxicos. Visando “passar a boiada”, fomentam o desmatamento e o garimpo na Amazônia; a destruição da fauna e da flora; a mineração e o agronegócio; o envenenamento de rios e a violação sistemática dos direitos sobre a terra; e a criminalização, perseguição e assassinato de lideranças indígenas, como no ataque mais recente à Tribo Yanonami e Munduruku – esta última enquanto Bolsonaro discursava na cúpula do clima.

Não podemos deixar de citar, além disso, a recusa por parte do governo federal de onze propostas e milhões de doses de vacina, certo de que Bolsonaro manteve-se, a todo instante, focado no boicote ao isolamento social e às medidas restritivas, inclusive não garantindo a manutenção do auxílio emergencial. Uma postura negacionista, anticientificista, que é responsável diretamente pela morte de quase meio milhão de pessoas no país.

A ironia desta situação é que eles fazem tudo para que tenhamos medo, porque, na verdade, é eles que carregam o medo nas costas. Carregam o medo de ver o povo organizado exigindo uma vida melhor. Neste momento, se faz necessário que o nosso medo dê vez à coragem! E coragem aqui significa, inclusive, contrariar e fazer o debate com setores que dizem que não é o momento de protestar nas ruas, ou que a saída é simplesmente esperar as eleições de 2022, enquanto discursam sobre unidade eleitoral e abandonam a unidade nas lutas concretas contra o projeto genocida em curso. Essa é uma falsa esperança, que, aliás, sem prática concreta nas ruas, torna-se vazia de sentido. A esperança de um mundo melhor só se torna real se acompanhada da coragem.

Se o Presidente da República defendeu, obtendo êxito, que o “Brasil não podia parar”, forçando milhões de trabalhadores e trabalhadoras a saírem de suas casas para trabalhar, sem garantia de vacina, proteção contra a COVID-19 e renda digna, resultando no óbito de quase meio milhão de pessoas, é nosso dever sair de casa e ir às ruas derrubá-lo, pois desejamos nenhum dia a mais para um genocida no poder.

Por óbvio que ninguém gostaria de ir às ruas em meio ao pior momento da pandemia. Mas, infelizmente, esse ato é reflexo da ausência de alternativas, pois não é possível aguardar mais para derrotar essa política da morte. A única forma de estancar o aumento do número de óbitos no Brasil é derrubando imediatamente Bolsonaro e todos os representantes deste projeto. A vida vem do povo organizado na rua!

*Vinicius Souza é militante do PSol.

*Hugo Ottati é advogado sindical.

*Sidarta Landarini é doutorando no Programa de pós-graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.

 

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