PEC da transição

Imagem: Stas Klevak, 1994
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Por MARLON DE SOUZA*

É ineficaz uma rigorosa política econômica fiscal se não for acompanhada de igual política de responsabilidade social

Não há dicotomia entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social. Não é necessário se fazer uma escolha “ou tenho uma ou tenho outra”, é possível se ter as duas. O que é ineficaz é uma rigorosa política econômica de responsabilidade fiscal e de desprezo à responsabilidade social. Se o governo for irresponsável fiscalmente é evidente que isto tem impactos sociais. Mas também se for responsável fiscalmente as custas do campo social isto gera resultados fiscais ruins porque o país deixa de crescer, deixa de gerar empregos, a receita governamental cai e obviamente tem impacto sobre as próprias contas públicas.

A Proposta de Emenda a Constituição (PEC) de Transição endereçada pelo Gabinete de Transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva é para instalar a partir de 1º de janeiro – quando assume a Presidência – a responsabilidade fiscal concomitante com os investimentos nos programas sociais.

A PEC da Transição compõe um primeiro passo de uma estratégia de alteração da política econômica liberal em vigor do atual governo Bolsonaro para a retomada da política econômica desenvolvimentista do país. Não é nenhuma ruptura, mas uma modificação suave, foi plenamente anunciado durante a campanha pelo presidente eleito Lula e se insere na previsibilidade, na credibilidade e na estabilidade.

A política econômica do atual Ministro da Economia Paulo Guedes em geral e a do Teto de Gastos – regra instituída em 2016 por Emenda à Constituição que limita por 20 anos o aumento dos gastos públicos ao crescimento da inflação – se provou inapta e levou o Brasil a estagnação e a um colapso social. Importante distinguir que não se trata aqui de uma crítica a pessoa de Paulo Guedes, mas à sua política. O Ministro da Economia em exercício se demonstra cordial, educado, é de formação de qualidade acadêmica inquestionável, um executivo financeiro bem-sucedido e tem conduzido a transição (até aqui) para o governo eleito com admirável competência

Mas a política econômica vigente do governo Bolsonaro é a principal responsável pela decomposição das condições de vida da população, da instabilidade e dos retrocessos na produção e no consumo. Esta regra fiscal radical do Teto de Gastos não só foi ineficaz para reduzir a dívida pública, como pelo contrário aumentou, dados do Banco Central (BC) revelam que no período de 2015 a dívida pública do Brasil era de 66,5 % do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje é de cerca de 74 % do PIB.

Em nota à imprensa do Ministério da Economia intitulado “Esclarecimento sobre a conjuntura” divulgado no último dia 11/12 afirma que “será o primeiro governo que encerra o mandato com endividamento em queda: em 2018, a relação dívida/PIB chegou a 75,3%”. É uma informação que não procede, o governo Lula reduziu a dívida pública quase que pela metade. O presidente Lula reduziu a dívida pública de cerca de 60,5 % do PIB para 37 % do PIB. A nota do Ministério da Economia afirma ainda que “governos anteriores ampliaram a relação dívida/PIB em quase 20 pontos do PIB (…) sem que esses recursos se traduzissem em efetiva melhora na qualidade de vida da população”. A qualidade dos investimentos públicos dos governos do PT é claramente identificável e pode ser apresentada com dados oficiais, estes sim irrefutáveis. Dados do IBGE mostram que a renda per capita caiu para R$ 1.367 em 2021 e que o rendimento médio do trabalho escolheu 10,7% em 1 ano, para a mínima recorde de R$ 2.447 no 4º trimestre do ano passado. Já o salário mínimo e contratação inicial encolheu para r$ 1.921 em 2021 e registrou a primeira queda em cinco anos.

O Teto de Gastos e a política econômica de Paulo Guedes resultou em índices extremamente elevados de subutilização, precarização da força de trabalho, enquanto a indústria desavolumou. Setores estratégicos do patrimônio público foram privatizados e desnacionalizados, bancos públicos e empresas de fomento ao desenvolvimento foram destruídos, num momento em que o quadro na infraestrutura é desolador.

As políticas sociais, conquistas civilizatórias de mais de uma geração, foram mutiladas. Mulheres, negros e jovens padecem com o desmonte de políticas públicas, de modo a reforçar discriminações históricas. Populações indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais tiveram conquistas atacadas. A saúde, a assistência social e a previdência sofreram ataques e retrocessos. Educação, ciência e tecnologia tiveram cortes de investimentos e mudanças regressivas e precisam ter seus orçamentos recompostos.

O PIB dos quatro anos do governo Bolsonaro cresceu menos dos que os dos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula, do primeiro governo Dilma e do Temer. O PIB só foi maior do que o do segundo governo Dilma porque as medidas que a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso para corrigir a economia brasileira dos impactos da crise mundial foram boicotadas e sabotadas pelo então presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha e por alguns deputados. Além disto, importante assinalar que o segundo Governo Dilma foi interrompido por um golpe de Estado.

Embora o governo Bolsonaro tenha passado por eventos atípicos que foi a pandemia e a Operação Especial Militar da Rússia na Ucrânia, o presidente Lula conduziu o Brasil em uma crise mundial muito maior em 2008 que era endógena no sistema financeiro econômico mundial. Em média o crescimento do PIB foram; nos governos FHC (1995/1998) 2,5 %, FHC (1999/2002) 2,3 %, Lula (2003/2006) 3,5 %, Lula (2007/2010) 4,6%, Dilma Rousseff (2011/2014) 2,4 %, Dilma Rousseff (jan. 2015/agosto 2016) – 3,4 %, Michel Temer (agost. 2016/ dez. 2018) 1,6 %, Jair Bolsonaro (2019/2022) 1,5 %.

Ricardo Bielschowsky – professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de Economia e oficial de assuntos econômicos da Comissão para América Latina e Caribe (CEPAL) – identifica que a política econômica das diretrizes de governo do presidente Lula é o social-desenvolvimentismo cujo o fundamento é a dinamização da economia brasileira para reconstruir o país com pleno emprego, com estabilidade marcroeconômica, salários acompanhando ganhos da produtividade, empregos formalizados e baixa vulnerabilidade externa através de permanente elevação de investimento – com sustentabilidade ambiental.

Portanto, a PEC da Transição é para atingir resultados sociais emergenciais a partir da distribuição de renda, mas mais do que isto essa PEC está inserida na instauração de uma estratégia política econômica social-desenvolvimentista de médio e longo prazo para desencadear a reindustrialização, produtividade e da competitividade por investimento fixo, capacitação, diversificação produtiva e inovação tecnológica.

Se faz necessário especificar que a PEC da Transição não é do Governo Lula, até porque só toma posse dia 1º de janeiro, mas é para corrigir o abandono das questões cruciais que o governo Bolsonaro providenciou no projeto do Orçamento para 2023. É o Orçamento apresentado pelo governo Bolsonaro agora em 2023 que será a execução orçamentária de 2023 e por esta razão a PEC é um dos institutos para corrigi-lo.

O presidente Lula afirmou este ano o compromisso com a responsabilidade fiscal e social em incontáveis entrevistas à inúmeros veículos de comunicação de todo o país no período pré-eleitoral, durante a eleição e agora depois de eleito. Por esta razão, não há motivo para a revolta do capital, turbulência e instabilidade do mercado. O compromisso do presidente Lula com a responsabilidade fiscal já está escrito na história enquanto presidente da República que foi por oito anos. Produziu superávit primário durante todos os anos que governou o país, pagou a dívida externa e o mesmo pode-se dizer do vice-presidente Geraldo Alckimin que sempre governou o estado de São Paulo com responsabilidade fiscal.

A PEC da Transição endereçada pelo governo eleito foi proposta para consertar o Orçamento da União para 2023 porque a peça orçamentária apresentada pela atual gestão de Jair Bolsonaro (PL) prevê um valor de R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil – que agora volta a ser denominado de Bolsa Família, equivalente a R$ 405 por beneficiário. Como o compromisso do presidente Lula é de dispor R$ 600, o governo eleito precisa encaixar R$ 200 a mais nas contas para pagar as 21 milhões de pessoas cadastradas no benefício. Esse acréscimo equivale a R$ 52 bilhões. A esse montante se somam outros R$ 18 bilhões para bancar outro compromisso do presidente Lula na campanha que é acrescentar mais R$ 150 a mais por criança de até seis anos para as famílias.

A PEC original proposta pelo Gabinete de Transição prevê uma autorização de espaço fiscal de até R$ 198 bilhões fora do Teto de Gastos (regra que limita o crescimento das despesas ao Orçamento do ano anterior, mais a inflação) por quatro anos, sendo cerca de R$ 175 bilhões referentes ao Bolsa Família e R$ 23 bilhões para investimentos provenientes de eventual arrecadação maior do que o previsto.

Embora não esteja discriminado na PEC integrantes do Gabinete de Transição apontam que os R$ 105 bilhões reservados no Orçamento que ficam abaixo do Teto e os R$ 23 bilhões provenientes de eventual arrecadação maior do que o previsto fora do Teto serão investidos para aumentar os repasses para o programa nacional de merenda escolar, do Farmácia Popular e investir em obras de infraestrutura e de moradia – Minha Casa, Minha Vida, como também recompor o orçamento da Educação e da Saúde.

Alguns congressistas solicitam que a PEC já aponte especificamente onde será aplicado o valor, mas o relator do Orçamento da União de 2023 que é o senador Marcelo Castro (MDB/PI) afirma que a lista relacionada dos investimentos não constará na PEC, porque será descrito na Lei Orçamentária Anual (LOA).

O prazo de quatro anos de autorização de investimentos púbicos fora do Teto de Gastos podem e estão sendo negociados no Congresso Federal. O que é necessário ser compreendido por toda a sociedade é que o diagnóstico do Gabinete de Transição do governo recém-eleito, demonstra que esta PEC é um dispositivo legislativo para resolver a emergência. O governo Bolsonaro legou ao governo Lula um abismo social.

O Senado concluiu na quarta-feira (7/12) a votação em plenário, em dois turnos, da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição. O texto aprovado prevê a ampliação do teto em R$ 145 bilhões para acomodar Bolsa Família e outros programas, validade de dois anos para este aumento do Orçamento, 2023 e 2024 e prazo até o fim de agosto de 2023 para o Governo Lula enviar ao Congresso um novo regramento fiscal em substituição ao Teto de Gastos.

A PEC foi o dispositivo definido pelo Congresso para atingir os R$ 600 mensais, e ainda garantir mais R$ 150 por criança de até 6 anos na família. Como o presidente em exercício Jair Bolsonaro (PL) havia enviado ao parlamento o projeto do Orçamento de 2023 com uma reserva de R$ 105 bilhões para o Bolsa Família – valor que só permite o pagamento mensal de uma parcela de R$ 405 para os beneficiários – ainda ficam R$ 105 bilhões que podem ser utilizados para investimentos públicos nas mais diversas áreas. O relator da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Marcelo Castro (MDB/PI) após reunião com coordenadores do Gabinete de Transição declara que o espaço aberto de R$ 105 bilhões no Orçamento de 2023 será destinado principalmente pelas áreas de Saúde e Educação. O parlamentar também citou outros pontos que serão contemplados, como o programa Minha Casa Minha Vida e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).

De acordo com Marcelo Castro a intenção é de que o maior percentual irá para a Saúde, cerca de R$ 22,7 bilhões, em investimentos para medicamentos, vacinas e garantir o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Além disto, a redação aprovada no Senado permite que o governo use até R$ 23 bilhões fora do teto de gastos em investimentos já neste ano. Os recursos virão do excesso de receita – se a União arrecadar mais dinheiro de imposto do que previa.

O cálculo pressuposto por deputados da bancada do PT é de que com a aprovação da PEC possibilitando mais R$ 145 bilhões de folga no Orçamento dentro da regra fiscal – o dinheiro poderá ser utilizado da seguinte forma; R$ 70 bilhões para a mensalidade do Bolsa Família e bancar o adicional por criança e R$ 75 bilhões para aumento real do salário mínimo acima da inflação, complementação do Farmácia Popular, merenda escolar, entre outros programas.

Outro ponto do texto aprovado autoriza o novo governo a usar o dinheiro esquecido por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep sem que essa despesa seja contabilizada no teto de gastos. De acordo com a Caixa Econômica, R$ 24 bilhões em cotas do PIS/Pasep estão disponíveis para mais de 10 milhões de pessoas. Conforme a PEC esse dinheiro também poderia ser usado pelo governo para investimentos.

A PEC também retira das limitações do teto de gastos os investimentos financiados através de parcerias internacionais, doações recebidas por universidades federais, as doações para projetos socioambientais e relacionados às mudanças climáticas, a transferência de recursos dos estados para a União executar obras e serviços de engenharia.

Além disto, a PEC também prorroga até 2024 uma legislação que já existe para auxiliar o governo a cumprir as contas públicas, porque desvincula (libera) 30% do que é arrecadado com contribuições sociais para cobrir outras despesas, sem prejuízo da Previdência.

No plenário do Senado, uma PEC precisa de 49 votos favoráveis para ser aprovada. O resultado mostrou capital político e alta capacidade de articulação do governo recém-eleito: 64 votos a 16 no primeiro turno, e 64 a 13 no segundo turno. Agora a PEC da Transição tramita na Câmara onde precisa para ser promulgada de pelo menos 308 votos favoráveis em dois turnos. Na sexta-feira (9/12), Lira anexou a matéria à PEC 24/19, de autoria da deputada federal Luisa Canziani (PTB/PR), que já foi aprovada na CCJ da Câmara e cumpriu as 40 sessões regimentais. Com isto, a PEC da Transição pode ir direto à apreciação em Plenário.

Se houver alterações substanciais na Câmara o texto retorna para votação no Senado. O Gabinete de Transição e a bancada do PT trabalham para que a Câmara não altere o texto aprovado no Senado com a perspectiva de aprovar a PEC da Transição até dia 16 de dezembro. Para o Legislativo consolidar o valor ao relatório final é necessário ainda o Congresso votar O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA). O documento é elaborado pelo relator da CMO, o senador Marcelo Castro (MDB/PI).

Caso não seja aprovado uma PEC ou algum instituto que disponha alguma autorização de algum tipo para que seja mantido o Bolsa Família de R$ 600, para que se recomponha o orçamento dos programas sociais, em 1º de janeiro o Brasil cairá em uma tragédia social. A PEC é apara resolver este problema urgente e para que uma parcela significativa da população brasileira não fique sujeita a constante incerteza e que o país tenha segurança jurídica.

O mercado não tem motivos para se surpreender com a PEC da Transição. O presidente Lula é de uma linhagem de políticos rara, quase em extinção no Brasil, mas que dignifica e enobrece o exercício da política. Lula é um agente político caracterizado de modo que quando afirma a palavra, o compromisso assumido vale ainda mais do que documento com assinatura registrado em cartório. E foi este programa político materializado desde já nesta PEC que foi votado e aprovado nas urnas pela maioria do povo brasileiro e é este programa que agora tem de ser executado no país pelos próximos quatro anos.

Diante desta conjuntura, o primeiro e mais urgente compromisso assumido de público pelo presidente Lula é com a restauração das condições de vida da imensa maioria da população brasileira – os que mais sofrem com a crise, com o custo de vida no lar e na família. São esses brasileiros e brasileiras que é preciso socorrer, tanto por meio de ações emergenciais quanto por meio de políticas estruturantes, desde o primeiro minuto de um governo que foi eleito para reconstruir o Brasil.

 

Arcabouço fiscal

A equipe técnica do Grupo de Trabalho de Economia do Gabinete de Transição do governo eleito é da mais alta habilitação. A integração ao grupo dos economistas André Lara Resende e Pérsio Arida – formuladores do Plano Real – é profícua. Homens públicos com carreiras no setor privado oriundos da escola econômica liberal deram contribuições significativas ao país no combate da inflação. Resende foi assessor especial do presidente Fernando Henrique Cardoso e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Arida também presidiu o BNDES e o BC.

André Lara Resende tem proporcionado contributos importantes para a Teoria Moderna da Moeda. Em sua obra lançada em 2021 intitulada Consenso e Contrassenso (2020) reúne ensaios em que critica as posições mainstream da teoria econômica tal qual a obsessão pelo controle fiscal e as leis clássicas usadas para explicar as relações entre juros, moeda, inflação e crescimento. Pérsio Arida desenvolveu formulações a despeito da racionalidade dos gastos públicos. Resende e Arida proporcionam um aporte vital para ajudar na elaboração de políticas macroeconômicas de controle inflacionário e de novas regras ficais. Há demonstrações científicas de algumas metodologias muito pontuais macroeconômicas e microeconômicas neoclássicas eficazes para o crescimento e acúmulo de capital. Uso o termo neoclássico enquanto terminologia científica, sofisticado e nada simplória.

Dos economistas ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) há Nelson Barbosa que foi Ministro do Planejamento e da Fazenda do Governo Dilma. O professor de Economia da Unicamp Guilherme Mello é um nome proeminente e um dos mais relevantes da atual geração que formula a Economia brasileira. Mello é docente (Unicamp) de um centro de edificação do pensamento heterodoxo – Teoria Econômica Desenvolvimentista, portanto é, legatário dos professores economistas que construíram esta trajetória como Wilson Cano, João Manuel Cardoso de Melo, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares.

O recém anunciado novo Ministro da Fazenda e professor da USP Fernando Haddad que também figura na coordenação do grupo técnico de Economia é uma liderança política inconteste, um dos principais intelectuais do Brasil, domina o pensamento econômico de fronteira das teorias clássicas às teorias contemporâneas desde política industrial até o mercado financeiro. Fernando Haddad é homem de Estado e sua atividade neste grupo é a certeza do aperfeiçoamento do governo que inicia em 1º de janeiro e do país. Quando se observa o investment grade – das agências de classificação de risco – da Prefeitura de São Paulo de quando Haddad foi o governante do município se constata sua capacidade executiva na área econômica, foi o primeiro prefeito do país a conquistar um alto grau de investimento.

A política econômica iniciada com a PEC da Transição foi aprovada nas urnas pela maioria do povo brasileiro quando elegeu Lula presidente. A política de austeridade fiscal, a do Teto de Gastos foram derrotadas nas urnas em 2022. A Emenda Constitucional do Teto de Gastos de duração de 20 anos aprovada no governo Temer em 2016 é sui generis, não existe em nenhum outro país. Programas similares de regulação de gastos públicos são implantados por leis ordinárias ou complementares e tem duração de 3 anos (como Suécia em 1997) ou quatro (Holanda em 1994 e Finlândia em 2003).

Não é razoável aplicar (governos Temer/Bolsonaro) uma política fiscal por 20 anos para se atacar uma questão conjuntural relacionado as contas públicas. Como já apresentado aqui esta política rigorosa de engessamento dos gastos públicos não resultou em crescimento nem de diminuição da dívida pública converteu o país à estagnação econômica e a dívida pública aumentou.

O mais grave é que de acordo com o economista pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) Bráulio Borges os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022. Segundo Borges foram R$ 53,6 bilhões em 2019, R$ 507,9 bilhões em 2020, R$ 117,2 bilhões em 2021 e a avaliação é de que serão R$ 116,2 bilhões neste ano.

Importante assinalar a excepcionalidade de maio de 2020, o Congresso aprovou o Orçamento de Guerra, que suspendeu – o que é plenamente justificável – o Teto no caso de gastos relacionados à pandemia. Naquele ano, os R$ 507,9 bilhões fora do limite constitucional cobriram despesas como recursos extras para o Sistema Único de Saúde (SUS), compensações a Estados e municípios que tiveram forte perda de arrecadação, o programa de redução de jornada de trabalho para evitar demissões em empresas, e o Auxílio Emergencial de R$ 600, que o governo inicialmente queria conceder apenas R$ 200.

Já em julho de 2022 o governo Bolsonaro apresentou uma PEC criando programas sociais poucos meses antes das eleições com um custo estimado fora do Teto de R$ 41,2 bilhões destinados para dobrar o valor do vale gás, ampliar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e para a criação de um auxílio caminhoneiro autônomo e taxista de R$ 1 mil. Assim sendo, se o governo Bolsonaro gastou R$ 794,9 bilhões fora do Teto, uma média cerca de R$ 159,34 no período entre 2019 e 2022, não há agora razão para qualquer tipo de abalo do mercado com a PEC da Transição que estima autorização de um espaço fiscal de R$ 148 bilhões na redação aprovado no Senado ou mesmo R$ 198 bilhões no texto original da PEC.

Leda Paulani – professora de Economia da USP e ex-Secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de São Paulo –, em seu livro Modernidade e Discurso Econômico (2005) onde trata dos fundamentos das Ciências Econômicas e da discussão metodológica, descreve a partir de McCloskey (1985) que há um agir comunicativo carregado de conhecimento, consciência moral e interesse para construir um discurso com ares de cientificidade econômica.

Em outros termos, determinados alguns – não todos os economistas mainstream, analistas de economia da imprensa corporativa e a grande imprensa em si defendem a preservação do Teto de Gastos e a contenção dos investimentos sociais com o intuito de construir um discurso econômico que legitime e advogue os interesses de maximização do lucro do mercado de capitais.

Na mesma obra Paulani lembra que em sua crítica da economia política Karl Marx mostra que um discurso em princípio universal sempre tem posição distinta que revela sua particularidade classista. No caso específico os críticos da PEC de Transição em sua maioria atuam com vontade ética enquanto porta-vozes dos rentistas e do mercado financeiro.

No debate público sobre a PEC do Teto de Gastos é o Orçamento da União que está em disputa. É disto que se trata. O Brasil deve fechar 2022 com uma dívida pública de cerca de 74 % em relação ao PIB. Em uma análise comparativa observa-se os EUA com uma dívida pública de 97 % do PIB, o Japão tem uma dívida pública de 229,7 % do seu PIB, a Inglaterra 99,6 % do seu PIB. Isto não significa que deva-se desprezar a necessidade de uma regra fiscal.

Uma nova regra fiscal deve ser institucionalizada no país, com diretrizes para os investimentos públicos e a dívida, sintonizadas com o planejamento de metas de um ciclo de crescimento da economia e com dispositivos flexíveis para atuação governamental nos momentos de maior adversidade.

De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional no orçamento executado de 2021 o Orçamento do Governo Federal gastou 53% somente para pagar juros da dívida pública. Segundo o Banco Central (BC) o gasto total com juros do da dívida pública em 2021 foi de R$ 448 bilhões, muito superior aos R$ 198 bilhões solicitados pela PEC da Transição para investimento em programas sociais e infraestrutura.

Os mecanismos que o governo federal utiliza para o pagamento da dívida pública é tomando novos empréstimos, vendendo títulos da dívida pública no mercado de capitais. Acionistas, proprietários do capital financeiro compram estes títulos da dívida e são remunerados pelo governo federal com pagamento de uma taxa de juros de 13,75% ao ano.

Ao se oporem a política expansionista dos investimentos públicos estes rentistas e seus porta-vozes (alguns congressistas, alguns economistas, alguns articulistas e alguns jornalistas da grande imprensa) estão disputando o Orçamento da União para que um percentual expressivo da receita do Brasil se mantenha destinado para o pagamento de sua remuneração do mercado da dívida creditícia e desta forma amplie a acumulação de capital financeiro dos grandes operadores do mercado de capitais.

A rigor os rentistas estão disputando que um percentual expressivo do Orçamento da União que hoje é alocado para suas remunerações não seja reduzido a partir de um eventual aumento do percentual do Orçamento da União em investimento, isto é, disputam a receita do governo federal com recursos que estão sendo prospectados para Bolsa Família, Saúde, Educação e Infraestrutura.

Ninguém está afirmando que o novo governo eleito não deva pagar os juros da dívida pública ou se opor ao mercado de capitais, negligenciar ou extinguir o mercado financeiro ou a bolsa de valores. As Ciências Econômicas já provaram que isto não funciona. Nenhum economista desenvolvimentista tem esta posição. É necessário que o mercado financeiro não seja considerado a partir de uma visão moralista como se fosse uma pessoa, mas o mercado financeiro deve ser considerado a partir de uma perspectiva estrutural enquanto sua função social.

O que economistas desenvolvimentistas apontam é que parte da rentabilidade do mercado financeiro seja também direcionada para novos investimentos geradores de nova capacidade produtiva – em especial a industrial de alto valor agregado, para gerar novo capital produtivo.

Como já explicitado acima o texto da PEC aprovado no Senado e que agora tramita na Câmara se entrar em vigor o Governo Lula terá de apresentar até agosto de 2023 um novo arcabouço fiscal que irá substituir a lei do Teto de Gastos. A posição predominante entre os economistas desenvolvimentistas sempre foi de que não somente deve-se extinguir a lei constitucional do Teto de Gastos, mas que o Teto de Gastos seja substituído por uma nova regra fiscal a ser aprovada pelo Congresso.

Todavia, o detalhamento da nova regra fiscal não está proposta na PEC da Transição, mas segundo integrantes do Gabinete de Transição com certeza será objeto de proposição do governo eleito em 2023.

Inúmeras propostas de economistas a despeito de uma nova regra fiscal para o país têm sido apresentadas à sociedade nos últimos meses. O Gabinete de Transição ainda não divulgou uma posição definida sobre qual a nova regra fiscal a ser apresentada pelo novo governo, mas um projeto que tem ganho maior destaque é o de, ao invés de teto de gastos pela inflação do ano anterior em relação ao PIB, se definir o percentual fixo de investimentos públicos em relação ao PIB do ano anterior, por exemplo, se esta regra entrasse em vigor em 2023 a partir de então esta nova regra fiscal estabeleceria um investimento público de até 19% do PIB que é o percentual registrado de investimento que o detalhamento do orçamento executado de 2022 deve registrar.

Leda Paulani é inclinada a este formato de nova regra fiscal, baseada na definição de uma meta de crescimento da dívida compatível com o crescimento do PIB relacionada a determinada taxa de juros da conjuntura econômica, e a partir daí se definiria uma trajetória estimada do crescimento da dívida pública. Conforme Leda Paulani é necessário se atentar para a dívida pública, mas o grande problema é quando se tem uma trajetória explosiva do crescimento da dívida pública o que não é o caso do Brasil como pode-se constatar em uma análise comparada da dívida pública dos outros países desenvolvidos e em países em estágio similar de desenvolvimento ao do Brasil em relação aos seus próprios PIB.

Luiz Carlos Bresser-Pereira – professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/ SP) e ex-Ministro da Fazenda – pondera uma nova regra fiscal que deve ser avaliada; uma que variasse com o PIB nominal corrigido com a inflação e o PIB do Brasil e a população conjuntamente. O professor da FGV/SP aponta também que as experiências recentemente adotadas de regras fiscais na Colômbia e no Peru e que se tem demonstradas benéficas devem ser observadas com atenção. Bresser-Pereira descreve que nestes dois países o sistema de limite de gastos da regra fiscal é estrutural levam em conta, por exemplo, as mudanças nos preços internacionais das commodities “que no caso do Brasil um dispositivo inovador como este é muito importante, é uma medida muita inteligente”.

O professor de Economia da Unicamp Luiz Gonzaga Beluzzo defende que como o mercado é instável, flutua muito, deve-se adotar uma regra fiscal anticíclica. Beluzzo descreve que se pode definir uma nova regra que separe o investimento público do gasto corrente, porque o investimento funciona como regulador do desempenho da economia e de estabilizar as incertezas do setor privado. “A regra de investimento é o seguinte. Quando a economia declina o investimento público tem de subir para garantir segurança para o setor privado não se afastar do investimento. E ao mesmo tempo quando a economia está em uma trajetória de expansão o investimento público tem que se acomodar”, clarifica o professor.

Luiz Gonzaga Beluzzo ainda assinala que é necessário classificar na regra do investimento o que é investimento. Para o economista, educação e saúde devem ser categorizadas como investimento o que compreende também infraestrutura porque educação e saúde fazem parte do que se denomina de capital humano.

O ex-Ministro Nelson Barbosa também considera que a estabilidade fiscal significa ter uma dívida pública estável em proporção do PIB. Nelson Barbosa ilustra que experiências internacionais que dão certo mostram que o foco principal deve ser o gasto público e este é o caminho para levar a uma sustentabilidade do endividamento. Nelson Barbosa defende uma associação da questão fiscal com o regime de metas de inflação do BC. O ex-Ministro caracteriza que tal qual o BC quando o país não atinge a meta de inflação explica quando eventualmente não é cumprida e quais são as medidas que serão adotadas para trazer a inflação de volta a meta, um princípio similar ao da política monetária do Brasil pode ser um princípio norteador para a nova regra fiscal. Nelson Barbosa pondera também que a nova regra fiscal dê flexibilidade necessária para administrar choques de curto prazo, mantendo uma previsibilidade da política fiscal.

O futuro Ministro Fernando Haddad tem declarado que para formatar a nova regra fiscal irá ouvir, além do Gabinete de Transição, a academia, o Tesouro Nacional e economistas que confia.

 

Investimento público e efeito multiplicador

Leda Paulani lembra que como o Brasil hoje não está em uma trajetória do crescimento da dívida pública incontrolável não há porque relutar em aumentar os investimentos públicos. Leda Paulani exemplifica ainda que todas as outras grandes crises econômicas pelo qual o Brasil foi atingido foram por causa de efeitos externos, falta de divisas internacionais, e o Brasil não tem este problema hoje. De acordo com dados do BC o país tem cerca de U$ 327,6 bilhões de reservas internacionais – compostos ainda no Governo Lula – e o mercado sabe disto, os investidores externos sabem disto. Embora a economia internacional para 2023 impõe certa atenção, sobretudo, por causa das Operações Militares Especiais da Rússia na Ucrânia, não há nenhuma aferição que aponte a possibilidade de um default externo da nossa economia ou um cataclisma econômico global.

Leda Paulani lembra que no primeiro ano da pandemia as previsões eram de que o PIB brasileiro despencaria o que não se confirmou e em razão do Auxilio Brasil de R$ 600 o diagnóstico era de que em outubro de 2022 a dívida pública em relação ao PIB atingiria 80 % e diminuiu para 76,8%. E este resultado tem relação direta com o investimento do Auxílio Brasil que o governo Bolsonaro relutou de início em querer implementar e potencializar.

Leda Paulani explica que o investimento público do governo significa renda no bolso das pessoas, não apenas os programas de transferência de renda direta como Bolsa Família, mas o investimento em moradia e infraestrutura, empresas e pessoas vendem serviços para o governo e ao serem capitalizas irão comprar serviços de outras é o que a Ciência Econômica denomina de efeito multiplicador, isto é, reativa a economia, aumenta a capacidade produtiva do país e por conseguinte gera emprego, renda, acúmulo de capital, crescimento e desenvolvimento econômico.

Em recente encontro com banqueiros na Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) o Ministro da Fazenda do futuro Governo Lula, Fernando Haddad também assinalou que se faz necessário melhorar a qualidade dos investimentos públicos como também repensar os vários gastos autorizados e outros represados como na área de ciência e tecnologia e controle ambiental.

No mesmo evento, Fernando Haddad destacou que uma das prioridades do terceiro governo de Lula será a Reforma Tributária. Citou que o presidente Lula pretende encaminhar uma proposta para reformular impostos sobre bens e patrimônio. Fernando Haddad afirmou ainda que é consenso entre economistas que a qualidade das despesas públicas no Brasil “piorou muito”, com um “orçamento com dificuldade de atingir o objetivo programado”.

Na agenda do comércio exterior o futuro Ministro da Fazenda Fernando Haddad tem citado a necessidade de consumar o acordo anunciado em 2019 com a União Europeia (UE) em 2019. A negociação registra mais de 20 anos para ser concretizada e marcará, se finalizado. O tratado é o mais ambicioso e o início de um tratado ambicioso dos países sul-americanos. O balanço de 2019 do próprio Ministério da Economia é de que uma área de livre comércio entre os países do Mercosul e da UE representaria um aumento do PIB do Brasil de R$ 87,5 bilhões em 15 anos. Um dos principais motivos dos países europeus por não terem retificado o acordo é por causa do aumento das queimadas da Amazônia.

O relator do Orçamento de 2023 senador Marcelo Castro (MDB/PI) definiu quanto cada setor deve receber após nesta discutir com congressistas nas últimas semanas e reunião no domingo (11/12) com a participação do presidente eleito Luiz, e do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) em que participaram também o Ministro da Fazenda Fernando Haddad e o futuro ministro da Casa Civil Rui Costa, o ex-ministro Aloizio Mercadante, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI). O relatório ainda está sendo elaborado e poderá sofrer.

Nessa segunda-feira (12/12) o presidente em exercício, há duas semanas do final do seu mandato, assinou uma Medida Provisória (MP) para aumentar o salário mínimo a R$ 1.302 a partir de 1º de janeiro de 2023. A ampliação do salário representa um reajuste de 7,4% em relação aos atuais R$ 1.212. De acordo com o próprio governo Bolsonaro o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) deve encerrar o ano em 5,81%, o que corresponde que com esta MP o ganho real do salário mínimo ficaria então em torno de 1,5%.

Este reajuste percentual inflacionário e de aumento do salário em 7,4% já estava previsto na proposta de Orçamento para 2023 enviada em agosto ao Congresso Nacional, o que significa que quando enviou para o Congresso o Orçamento de 2023 Jair Bolsonaro não teve a intenção de outorgar ganho real para o salário mínimo, mas apenas o reajuste da inflação.

O aumento real do salário mínimo e política distributiva acompanhado o crescimento do PIB é um dos eixos das diretrizes do programa de governo do presidente Lula.

O senador Marcelo Castro detalha que na redação para o Orçamento 2023 o programa Bolsa Família e as ações de Saúde e Educação serão os maiores setores contemplados na distribuição dos recursos extras no orçamento. O Ministério da Cidadania terá R$ 75 bilhões — dos quais R$ 70 bilhões serão destinados para à manutenção do benefício mínimo de R$ 600 do Bolsa Família e ao adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Os outros R$ 5 bilhões vão financiar outras ações da pasta.

A saúde tem programado para receber R$ 22,7 bilhões. A educação terá R$ 10,9 bilhões. Para reduzir o déficit habitacional, o programa Minha Casa, Minha Vida, deve ficar com R$ 9,5 bilhões adicionais.

Para o aumento real do salário mínimo serão destinados cerca de R$ 6,8 bilhões. O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) deve ter um reforço de quase R$ 11 bilhões, a pasta de Ciência e Tecnologia, R$ 5 bilhões. O Ministério da Defesa, deve receber mais R$ 1 bilhão. Para Justiça e Segurança Pública 800 milhões, cerca de R$ 4 bilhões para a Cultura.

Marcelo Castro também prevê reservar R$ 3,2 bilhões do espaço aberto com a PEC da Transição para bancar o reajuste dos servidores do Executivo. A verba não deve representar um acréscimo, já que vai compensar os iguais R$ 3,2 bilhões que já haviam sido direcionados a essa medida usando recursos de emendas de relator.

De acordo com diagnóstico preliminar das equipes de trabalho do Gabinete de Transição proposta do Orçamento para 2023 enviada pelo governo Bolsonaro enviou tem uma previsão de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos.

A reserva para o programa Farmácia Popular – que distribui medicamentos básicos gratuitamente ou com desconto de até 90% por meio de farmácias privadas conveniadas – caiu 59%, de R$ 2,48 bilhões neste ano para R$ 1 bilhão em 2023.

Na área de educação a equipe de trabalho aponta “retrocesso orçamentário”. O dinheiro federal para merenda varia hoje de R$ 0,32 a R$ 1,07 por dia por aluno. Já para o ensino superior a proposta orçamentária para 2023 encaminhada pelo governo Bolsonaro ao Congresso é de R$ 232 milhões. Em relação a Universidades e institutos, a concepção é de que os recursos de investimentos sejam recompostos à realidade de 2014 (corrigido pela inflação), mais precisamente uma alocação orçamentária em 2023 de R$ 1,6 bilhão.

Na área de Ciência e Tecnologia, por sua vez, há uma demanda de R$ 4,2 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e R$ 400 milhões para outras ações. Uma parcela dos recursos do FNDCT é destinada para institutos de pesquisas, outra compõe um crédito voltado para empresas que desejam realizar pesquisas.

A equipe da Justiça e Segurança Pública pretende complementar o orçamento da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Fundo Penitenciário Nacional (Fupen).

Na área de Desenvolvimento Social a equipe estima que sejam necessários R$ 2 bilhões para manutenção do Auxílio Gás. O grupo de trabalho ainda considera R$ 500 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e R$ 2,6 bilhões para o Sistema Único de Assistência Social (Suas).

Na área de Desenvolvimento Regional, a equipe diagnosticou que há um déficit de R$ 2 bilhões para o próximo ano, hoje estaria previsto apenas R$ 3 bilhões no orçamento para 2023.

Para o Meio Ambiente o governo Bolsonaro propôs o menor orçamento para o setor R$ 1,6 bilhão em 2022 e para 2023 está em torno de R$ 1,7 bilhão. A equipe da transição ainda não apontou quando será necessário alocar do orçamento se a PEC for aprovada, mas elenca quatro principais frentes que precisam ser reestruturadas: fiscalização ambiental, controle de queimadas, redução do desmatamento e recomposição do quadro de servidores do órgão.

 

Crescimento da economia

Leda Paulani expõe que os fiscalistas (economistas defensores da do Teto de Gasto) consideram que o excesso de demanda resultante de investimento público e oferta de crédito para o consumo popular gera pressão inflacionária. Leda Paulani considera estes preceitos um equívoco porque a inflação acontece somente se há uma estrutura de oferta esgotada acima da sua capacidade de uso, e a situação no Brasil atual é o contrário existe uma capacidade das plantas produtivas ociosa brutal, indústrias fechando.

Leda Paulani aponta que hoje a inflação recente do Brasil decorre porque há um choque de demanda e falta de oferta. A concorrência pelo pouco que se produz gera a inflação. A inflação atual vem por pressão de custos, pressão de demanda e não por pressão de oferta.  A economista descreve que devido a pandemia as cadeias globais de produção foram interrompidas por causa da crise sanitária, então se estabeleceu um hiato de produção. A Lei da Oferta e Procura explica claramente o fenômeno: se a produção de um produto A depende de um produto B que não foi produzido o preço sobe. “A concorrência pelo pouco que se produz faz o preço subir. Já o investimento público faz o PIB subir”, afirma Leda Paulani.

 

Política econômica social-desenvolvimentista e o novo desenvolvimento

A PEC da Transição é início da estratégia de implementação institucional de uma política econômica social-desenvolvimentista cujo objetivo central é o desenvolvimento econômico com a combinação da estrutura produtiva, política distributiva e inclusão social.

Os fundamentos desta política econômica são a geração de emprego, aumento da renda, da diminuição da informalidade, da redução da pobreza e das desigualdades, proporcionar o crescimento econômico, fazer crescer as receitas melhorando as contas públicas e os alicerces macroeconômicos, abrindo espaços para a expansão do investimento, do gasto social e do mercado de consumo assalariado, elementos estratégicos que impulsionaram o ciclo econômico e lhe atribuem seu caráter mais redistributivo.

Ao contrário do que pretende os críticos desta política, esse crescimento não tem como motor exclusivamente o consumo. As políticas social-desenvolvimentistas destacam a retomada de um programa vigoroso de investimentos públicos para a modernização e a ampliação da infraestrutura de logística de transporte, social e urbana a exemplo do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o que fomenta também o investimento privado que pode ser estimulado por meio de créditos, concessões, parcerias-público-privadas e garantias.

Ricardo Bielschowsky considera que há várias correntes teóricas do desenvolvimentismo. Entre estas está a que Bielschowsky pesquisa e que qualifica como teoria do social-desenvolvimentismo, O professor da UFRJ discorre que para os social-desenvolvimentistas “não há meios de alcançar uma industrialização eficiente por meio das forças espontâneas do mercado, por isto é necessário que o Estado o planeje”.

Segundo Ricardo Bielschowsky é necessário que o Brasil eleve sua baixa diversidade produtiva e especialização em bens primários, reduza a propriedade concentrada, amente a renda média que hoje é próximo a da subsistência (economia de baixos rendimentos do trabalho). O professor da UFRJ afirma que na política econômica social-desenvolvimentista o Estado e a política pública são direcionados ao acesso universal e gratuitos a bens e serviços públicos financiados com contribuições ou impostos progressivos.

O economista explica que proporcionar acesso à educação e saúde pública de qualidade significa maior disponibilidade de dinheiro e por conseguinte consumo privado familiar popular de massa – justiça social. O economista também aponta que o mercado financeiro deve ser um aliado para o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, para a formação de capital novo e distribuição de renda.

Ricardo Bielschowsky refere que os fundamentos da política econômica social-desenvolvimentista são; (a) social – universalizar e institucionalizar os direitos da cidadania, realizar a inclusão social (educação, saúde, moradia, saneamento etc.) das parcelas menos favorecidas da população e melhoria da distribuição de renda; (b) produtivo – por via do investimento, produção e consumo de massa, infraestrutura econômica e social, atividades intensivas em recursos naturais com sustentabilidade, com encadeamentos da indústria, educação, ciência, tecnologia e inovação; (c) macroeconômica – praticar uma macroeconomia e um financiamento para o desenvolvimento, garantindo os objetivos de estabilidade macroeconômica e de crescimento com redistribuição de renda.

 

Teoria do novo desenvolvimento

A teoria do novo desenvolvimento é formulada há mais de 20 anos por alguns economistas como Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Luiz Oreiro, Luiz Fernando de Paula, André Nassiff. Para este grupo de economistas a reindustrialização do Brasil é determinante para o desenvolvimento econômico.

Para Luiz Carlos Bresser-Pereira há duas políticas fundamentais de ordem macroeconômica para desencadear a reindustrialização e o desenvolvimento no Brasil: (i) aumento do investimento público – o governo pode assumir uma meta a ser atingida de investimento em relação ao PIB, por exemplo em hipótese, estipular que a meta seja alcançar um investimento de cerca de 25% do PIB; (b) uma meta de taxa de câmbio de equilíbrio estável e competitiva para a indústria – o governo deve dedicar esforço concentrado para manter a taxa de câmbio em R$ 5,10, R$ 5,20 por dólar.

O economista ainda avalia que o Brasil como país exportador deve ter duas taxas de câmbio de equilíbrio. Uma taxa de equilíbrio geral que é determinada pelas commodities que é aquela que o mercado naturalmente determina satisfatória para que as exportações de commodities obtenham lucro, “não o lucro abusivo de agora, mas com lucro”.

Outra taxa de câmbio que Bresser denomina é a taxa de câmbio de equilíbrio industrial que é a taxa de câmbio competitiva para as empresas industriais e para isto é necessário ter uma atenção permanente para neutralizar a depreciação do câmbio que pode ser obtida através de tributação da taxa de exportação de commodities ou através de tarifas aduaneiras.

Segundo Luiz Carlos Bresser-Perreira, para a reindustrialização do Brasil é necessário uma política industrial combinada com marcos macroeconômicos de taxa de câmbio competitiva, taxa de juros baixos e que além do lucro das commodities sejam alcançados o lucro industrial estimado também seja contemplado.

A posição deste grupo de economistas é de que o país não deva tentar crescer com poupança externa que significa que não deve crescer com conta corrente com déficits que são financiados por multinacionais ou por instituições financeiras internacionais.

Para a Teoria do Novo Desenvolvimento o capital se faz em casa, com superávit de capital próprio na conta corrente atraindo sim investimento do capital internacional para aumento de produtividade, empresas multinacionais para transferência de nova tecnologias para o Brasil, novos produtos e novos mercados.

É decisivo para inaugurar a trajetória do novo desenvolvimento do Brasil investimento em bens de capital, pesquisa, conhecimento, ciência e tecnologia, recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental do país. Reposicionar o Brasil nas cadeias globais de valor com produtos de alta valor agregado, transição energética e digital como também a integração econômica da América do Sul, Latina e Caribe com os países em desenvolvimento do Sul Global em um programa soberano da região de respeito a autodeterminação dos povos, mas de crescimento mútuo, compartilhado e pacífico com os EUA e a União Europeia.

O grande desafio institucional para o governo eleito para além de constituir uma maioria para aprovação da PEC da Transição é a formação de uma sólida maioria parlamentar como base de apoio para o governo que inicia em 1º de janeiro. O Governo Lula inicia com a base de 11 partidos que o elegeram (PT, PC do B, PV, Solidariedade, PSOL, Rede, PSB, Agir, Avante e Pros) e tem a incumbência de ampliar ainda mais com democratas o apoio congressual com MDB (parte já o apoiara no 2º turno), com apoio formal dos partidos ou de parlamentares independentes do União Brasil, PP, PSD e mesmo PSDB, Republicanos e até do PL que assumam o compromisso com o programa governamental eleito pela soberania do voto popular, com o Estado Democrático de Direito e com a justiça social do povo brasileiro. É imperativo também o governo comunicar com competência a política econômica implementada do Governo Lula para manter e ampliar o apoio social, isto é, da maioria da população brasileira ao programa de governo e a reconstrução do Brasil.

*Marlon Luiz de Souza, jornalista, é mestrando em Economia Política Mundial pela UFABC.

 

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