Relações internacionais e marxismo

Imagem: Ciro Saurius
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANTONIO PEDRO BANDEIRA DE MELLO DE MIRANDA*

Comentário sobre os livros organizados por Caio Bugiato pela Rede de Estudos em Relações Internacionais e Marxismo.

Em 2016 professores/as e pesquisadores/as de universidades brasileiras e estrangeiras se reuniram no Rio de Janeiro para participar do I Colóquio Relações Internacionais e Marxismo. Diante a marginalização do materialismo histórico na área de relações internacionais no brasil e no mundo, os/as participantes do Colóquio fundaram a Rede de Estudos em Relações Internacionais e Marxismo. A partir de então uma série de atividades e publicações foram impulsionadas pelos pesquisadores/as da Rede.

O segundo e o terceiro Colóquio foram realizados no Rio de Janeiro em 2022 e em Salvador em 2024, respectivamente, além de um seminário virtual durante a pandemia. Estes e outros eventos podem ser acessados no canal da Rede no youtube. Artigos, dossiês e livros foram publicados no Brasil e no exterior com o intuito de promover desenvolvimentos teóricos a análises concretas de fenômenos internacionais a partir do Marxismo. Uma das primeiras publicações foi o livro Marxismo e Relações Internacionais, que pode ser acessado aqui.

Nesse sentido, em 2024 dois outros livros vêm à tona. O primeiro, Marxism and International Relations: perspectives from the Brazilian Global South, é uma publicação coletiva de trabalhos de pesquisadores/as brasileiros/as voltada para o público estrangeiro. Ele é composto pelo capítulos do livro anteriormente citado e capítulos novos, traduzidos para o inglês.

O livro está organizado em quatro seções: ideias-chave de Marx e Engels para as Relações Internacionais; pensadores marxistas como teóricos das Relações Internacionais; teorias marxistas sobre o imperialismo; e a teoria latino-americana sobre a dependência. Na primeira seção, os autores destacam as contribuições do Manifesto Comunista para a compreensão do sistema internacional moderno, a concepção de política internacional encontrada nos artigos jornalísticos de Marx e Engels publicados no New York Daily Tribune e a importância dos estudos sobre revoluções para a Segurança Internacional.

Na segunda seção, os pesquisadores se dedicam às obras de pensadores marxistas – Lênin, Rosa Luxemburgo, Nicos Poulantzas, Laclau e Mouffe, Domenico Losurdo e David Harvey – e apresentam suas reflexões sobre as relações internacionais, o que nos permite considerá-los como teóricos das Relações Internacionais. Na terceira seção, os autores tratam da teoria marxista do imperialismo e de seus debates em diferentes momentos: Primeira Guerra Mundial, segunda metade do século XX e atualmente. Na quarta seção, os autores apresentam a teoria marxista da dependência, com exposição sistemática, debate e crítica. Enfatizam que essa teoria, originária da América Latina, é fundamental para entender a dinâmica do capitalismo global e, particularmente, do Sul Global, suas contradições e transformações.

O outro – Marx e Engels: analista de relações internacionais – é em linhas gerias um livro que se opõe a afirmações corriqueiras segundo as quais Marx e Engels teriam nada a dizer sobre relações internacionais. Os autores dos capítulos identificam que há preocupações duradouras de Marx e Engels com assuntos internacionais de seu tempo. Ambos foram testemunhas da expansão do capital e do capitalismo pelo mundo, do caráter transnacional das revoluções de 1848, das reações das potências europeias que compunham o sistema da Convenção de Viena e da possível alteração da balança de poder com a tendência de unificação alemã. Fenômenos como estes os fizeram olhar com mais atenção para as conexões entre a dimensão nacional dos Estados e os acontecimentos internacionais.

Assim, os autores do livro apontam para essas conexões nos diversos escritos de Marx e Engels, tanto com base nos seus textos de análise concreta como As lutas de classes na França de 1848 a 1850, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte e em A guerra civil na França, como também nas reflexões sobre as relações internacionais nos artigos publicados na Nova Gazeta Renana entre 1848 e 1849, no New York Daily Tribune entre 1851 e 1862 e em documentos da Associação Internacional do Trabalhadores. Para além de suas análises sobre da conjuntura internacional, os dois revolucionários também escreveram sobre a dimensão internacional da expansão do capital e do capitalismo pelo mundo em textos desde A ideologia alemã, passando pelo Manifesto Comunista e pelos Grundrisse e, mais claramente, nos livros I e III de O capital, demonstrando a preocupação dos dois sobre a formação do mercado mundial.

Os capítulos do livro dialogam direta ou indiretamente com as questões mencionadas e tratam de temáticas como diplomacia, guerra, colonialismo, internacionalismo, revolução, acumulação de capital e mercado mundial, entre outras. Neste conjunto de escritos a preocupação duradoura de Marx e Engels se sintetiza binômio guerra-revolução: por um lado, as potências europeias lutam pela supremacia mundial e procuram manter a ordem internacional (Sistema de Viena) através de suas políticas externas, com intervenções diplomáticas e militares. Por outro lado, o movimento operário transnacional se organiza para destruir a velha sociedade e construir o novo, por meio de lutas pacíficas e violentas, lutas reformistas e revolucionárias.

Os três os livros mencionados são grandes contribuições para o campo das Relações Internacionais, ao resgatarem do marxismo e suas formulações para análise internacional, assim fazendo um contraponto as análises dominantes calcadas na ideologia liberal e trazendo o materialismo histórico de volta ao debate.

*Antonio Pedro Bandeira de Mello de Miranda é Mestrando em Relações Internacionais na UFABC.

Referências

Caio Bugiato (org.). Marxism and International Relations: perspectives from the Brazilian Global South. Leiden, Brill, 2024, 304 págs. [https://amzn.to/4eNTR4q]

Caio Bugiato (org.). Marx & Engels: analistas de relações internacionais. Florianópolis, Enunciado Publicações, 2024. 242 págs.

Caio Bugiato (org.). Marxismo e Relações Internacionais. Goiânia: Phillos Academy, 2021. 320 págs.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES