A senha do 11 de agosto

Imagem: George Desipris
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Por LUIZ WERNECK VIANNA*

Com a sucessão presidencial de 2022, chegou o momento do ajuste de contas da sociedade com os malfeitos que lhes foram infringidos

Falta pouco para que nos livremos da miserável situação a que estamos expostos em longos três anos e sete meses, embora não haja como prever se vamos nos despedir dela em meio a graves perturbações ou sem elas. O retorno ao regime do AI-5, projeto in pettore dos que ainda detém as rédeas do poder, não é mais uma hipótese plausível e a sociedade demonstrou à saciedade sua rejeição ao fascismo e enfrenta seu destino pela via democrática do processo eleitoral. Nesse terreno inóspito ao bolsonarismo, ancorado no Centrão, é que ele joga sua última cartada com a a derrama de dinheiro entre os mais pobres que ora se inicia visando capturar seus votos, iniciativa de resultados imprevisíveis.

Tal iniciativa, formulada de afogadilho para efeitos eleitorais de curto prazo, não deixa de revelar, com independência das intenções dos seus atores, que se aposta também no caminho das urnas, em que pese o alarido promovido cotidianamente delas não serem confiáveis. De qualquer forma, num texto de análise como este, admitindo-se por hipótese, que essa turva orientação leve a sucessão a um desfecho favorável, não se teria uma nova edição do governo Bolsonaro, mas um inédito governo do Centrão, cogitação burlesca que povoa a imaginação dos seus mentores.

Essa hipótese, contudo, está bem longe de ser confiável, como evidente no levante da consciência democrática na defesa que se alastrou entre a inteligência e ponderáveis setores das elites econômicas dos valores e instituições que conformam o Estado democrático de direito, nos vigorosos manifestos lidos em 11 de agosto na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o dos juristas e dos empresários da FIESP, a que dezenas de outras, de vários estados da federação se acrescentaram replicando o inteiro teor do texto dado a público nesse simbólico dia de agosto subscrito por um milhão de pessoas e inúmeras entidades, entre as quais as mais representativas do capital e do trabalho e de movimentos sociais.

No caso, é de especial relevância o fato de que tal manifestação optou por estabelecer uma linha de nítida convergência com as manifestações de 1977 em oposição ao regime ditatorial da época, tanto no texto, como no lugar em que ambas vieram a público. Nesse sentido, bem mais do que um protesto tópico contra os descaminhos do atual governo e sua índole autocrática a poderosa manifestação dos dias de hoje se endereça à intenção de levar a cabo a democratização inconclusa da sociedade brasileira.

Essa é uma alvissareira oportunidade que não pode ser perdida, como a que deixamos de escapar das mãos por incúria política ao permitir a separação entre os temas da questão social com os da democracia política. A tentativa do PT de conduzir por cima, a partir de ações do Estado para fins de atender a agenda social, levou à desconsideração dos limites institucionais, e, mais grave ainda, a práticas nocivas na composição de suas articulações políticas que, em muitos casos, desrespeitou princípios incontornáveis da ética republicana.

Esse tipo infeliz de intervenção, na tentativa de acelerar o avanço de temas sociais, em especial no governo Dilma Rousseff, favoreceu a irrupção de um largo movimento de denúncias que tomou forma na chamada operação Lava Jato, cujas ações erodiram as bases de sustentação da coalizão liderada pelo PT, abrindo caminho para cavaleiros da fortuna na sucessão presidencial, vencida com folgas por Jair Bolsonaro.

O novo governo nasce sob a inspiração revanchista da falange autoritária derrotada pela larga coalizão democrática dos anos 1980, tendo como alvo as conquistas civilizatórias acumuladas nos governos de FHC e nos de Lula, particularmente nos terrenos das questões sociais e ambientais, numa versão predatória de capitalismo vitoriano que em política admite, ora de modo velado, ora abertamente, sua adesão ao fascismo, intervenção malévola até então rejeitadas por nossas instituições democráticas.

Agora, com a sucessão presidencial de 2022, chegou o momento do ajuste de contas da sociedade com os malfeitos que lhes foram infringidos, repondo-a nos seus trilhos naturais de busca de ideais civilizatórios. Não será tarefa fácil, seus adversários pretendem se opor com todos os recursos de que puderem dispor. Os feitos do último 11de agosto devem servir de régua e compasso em seus próximos passos. Eles nos fornecem a senha – avançar unidos em amplas alianças – para que voltemos ao leito das nossas melhores tradições, democracia sempre como eles bradaram em alto e bom som.

*Luiz Werneck Vianna é professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Autor, entre outros livros, de A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Revan).

 

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