Por ALDO FORNAZIERI*
Os movimentos sociais não podem almejar e esperar uma atuação paternalista de um eventual governo progressista para a resolução de suas reivindicações
Na medida em que a vitória de Lula está virtualmente consolidada, as eleições parlamentares ganham uma redobrada importância, num duplo sentido. O primeiro sentido consiste em eleger o máximo de deputados e senadores identificados com o campo democrático, progressista e de esquerda. As condições de governabilidade de Lula dependerão, significativamente, da força congressual que este campo conseguirá constituir. Quanto maior essa força, menos concessões o governo terá que fazer para governar.
O governo terá mais chance de encaminhar e aprovar políticas públicas que atendam os interesses dos mais necessitados, as políticas de sustentabilidade ambiental e de garantia de direitos se tiver apoio forte e fiel no Congresso. A própria realização de reformas estruturantes, com o objetivo de reduzir os mecanismos iníquos que viabilizam as desigualdades e as injustiças, também dependerá da ampliação desse campo na Câmara e no Senado.
O outro sentido diz respeito ao perfil das bancadas do campo de centro-esquerda e esquerda que se deve buscar. A definição dessa escolha implica que se olhe para a atuação parlamentar desse campo no presente e no passado recente. Quanto às bancadas atuais de esquerda e centro-esquerda, o veredicto precisa ser duro: as bancadas fizeram uma oposição pífia, medíocre mesmo, exceto um punhado de deputados e senadores. Bolsonaro, praticamente, não teve oposição parlamentar, com exceção de poucos episódios, a exemplo da CPI da pandemia.
Até hoje sempre votei em candidatos do PT para a Câmara e o Senado. Desalentadoramente, as atuais bancadas do partido são as piores de sua história. Em determinados momentos chegaram a ser linha auxiliar de Arthur Lira na Câmara, a exemplo do orçamento secreto e de outros episódios.
Em grande medida, as bancadas dos partidos de centro-esquerda e esquerda estiveram até mesmo aquém daquilo que se poderia definir como “cretinismo parlamentar”, no sentido de Vladimir Lênin: essas bancadas não só reduziram a luta política à atividade parlamentar, mas sequer travaram a luta no terreno parlamentar.
Praticamente nunca estiveram onde estava o povo aflito, abandonado nas filas da morte, entregue à violência, à fome, ao desemprego e ao desespero. Não estiveram em Manaus quando faltou oxigênio e quando as pessoas morriam sem respirar. Não fizeram comissões formais ou informais de parlamentares para averiguar a matança de índios, os incêndios na Amazônia e nos outros biomas, a destruição ambiental, os deserdados que moram nas ruas.
Não travaram uma luta firme, corajosa e mobilizadora contra os desmandos constitucionais de Bolsonaro, contra a degradação da democracia, contra os ataques ao Estado de direito e contra a destruição dos direitos sociais e das políticas públicas. Em regra, se limitaram a se socorrerem nas togas dos ministros dos tribunais superiores.
Com as respeitáveis exceções, esses parlamentares se aquartelaram nas suas bibliotecas e nos seus gabinetes para fazer as lives insípidas, desprovidas de realidade. Semearam o medo do golpe, mas não realizaram nenhum movimento organizado de resistência ao golpe. São parlamentares que pensam mais no fundo partidário e eleitoral, nas verbas dos gabinetes e nos privilégios públicos, do que num efetivo compromisso de mudar o Brasil pela ação.
Nem sempre a renovação parlamentar produz bons frutos. Mas manter a maioria dos parlamentares que estão aí tende a não produzir fruto algum para aqueles que almejam mudanças mais profundas do Brasil. Por isso, este é o momento em que é necessário arriscar mudar, renovar.
Para que se reduza a possibilidade de erros nas escolhas, é necessário fazê-las a partir de critérios. Os critérios devem ser orientados para escolhas que deem preferência a candidaturas que representam e participam efetivamente das lutas daqueles setores mais aflitos, mais necessitados e mais carentes de direitos. E de candidaturas que estejam engajadas praticamente em lutas cruciais do nosso tempo, que tenham um sentido universalizante, cuja derrota significaria uma derrota da humanidade e, principalmente, dos mais pobres.
Com base nesses parâmetros, os critérios indicam candidaturas que representam, de um lado, as mulheres, os negros, os indígenas, os pobres, as periferias e outros grupos minoritários que lutam por inclusão e direitos civis. De outro, para candidaturas que representam as lutas pela sustentabilidade ambiental, pela transformação da democracia no sentido de mais igualdade e mais justiça, mais direitos e mais bem-estar.
Mas existe outro fator que precisa ser considerado. Dada a correlação de forças que existe na sociedade e dada a composição do provável governo Lula, tudo indica que haverá uma forte pressão dos setores empresariais e dos setores conservadores no sentido de travar as pautas e as políticas mais progressistas. Para enfrentar esta pressão será necessário que haja uma contrapressão que só pode vir de um campo político situado mais à esquerda do que a composição do governo.
Este campo terá que ter um posicionamento autônomo ao próprio governo para que possa apoiá-lo em todas as suas iniciativas progressistas, mas que possa também poder se opor às pressões conservadoras e antipopulares. Se o advento desta situação é uma tendência real e provável, então o critério dado indica que é preciso votar também em candidaturas que se situam nas alas mais à esquerda dos partidos de esquerda e centro-esquerda.
Serão esses parlamentares que poderão compor um bloco de esquerda no Congresso, visando não só uma atuação parlamentar, mas também extraparlamentar. Como esse bloco tende a ser minoritário terá que recorrer à mobilização e à pressão dos movimentos sociais organizados visando forçar um avanço das pautas e das políticas progressistas e transformadoras.
Os movimentos sociais, por sua vez, não podem almejar e esperar uma atuação paternalista do governo para a resolução de suas reivindicações. A história de todos os tempos e as lições das derrotas e retrocessos recentes comprovam que a melhor e mais segura forma de garantir conquistas e direitos está na organização e na mobilização dos movimentos sociais e populares.
*Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política. Autor, entre outros livros, de Liderança e poder (Contracorrente).
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