Os 40 anos da Sapucaí

Croqui de Oscar Niemeyer / Sambódromo do Rio de Janeiro
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Por ANDRÉ LEMOS*

A Globo foi contra Leonel Brizola e Darcy Ribeiro quando da construção do Sambódromo. Hoje ele e o carnaval brasileiro têm sua importância reconhecida

A Passarela Professor Darcy Ribeiro, mais conhecida como Sambódromo do Rio de Janeiro, ou ainda, Sapucaí, pela região onde foi estabelecida, ou seja, Avenida Marquês de Sapucaí, completa 40 anos neste ano de 2024. Sua origem parte de um contexto em consonância com o processo de redemocratização do país, literalmente no período das tratativas políticas e diplomáticas que efetivou o retorno do governo presidencialista no Brasil. E a iniciativa partiu do governo do Estado do Rio de Janeiro, na primeira gestão de Leonel Brizola, entre 1983 e março de 1987, tendo como parceria entusiasta, idealizadora, e executora o vice-governador Darcy Ribeiro e o arquiteto Oscar Niemeyer.

É justamente pelo elemento político que a maior radiodifusora pós-ditadura militar, e com isso, se pode dizer também que após a aniquilação da indústria cultural de caráter estatal, as Organizações Globo (atualmente Grupo Globo), se opôs ao governador Leonel Brizola, e todas as políticas públicas daquele governo, o que inclui o Sambódromo.

As críticas da Rede Globo iam da gestão do carnaval à estrutura arquitetônica, mesmo diante das exitosas demonstrações da execução do projeto. A começar pelas obras terem durado apenas 120 dias (três meses), isso com o capricho arquitetônico de nada mais do que Oscar Niemeyer tendo como símbolo maior o Arco da Praça da Apoteose. E, a terminar, por se confirmar a demanda reprimida do povo e da cultura carioca pela valorização do samba, o que envolvia uma grande comunidade, até mesmo para o desfile dos setores mirins das escolas de samba, e que administrativamente demonstrava que era necessário mais que um dia de espetáculo, ao contrário do que a Globo “requeria” de um dia apenas.

Chama atenção o conjunto de publicidade e matérias advindas dos canais de comunicação do Grupo Globo em relação aos 40 anos do Sambódromo, que afora a idade redonda e a festividade do carnaval, não mencionam com riqueza os fatores históricos que geraram a Avenida dos Desfiles, e, portanto, estão muito longe de fazerem uma inflexão, a qual seria plausível de sinalização através autocrítica via editorial do jornal O Globo, por exemplo. Cabendo registrar que a prática da crítica das Organizações Globo na década de 1980 eram abertas, e se pode dizer sem equívocos, que ocorriam de forma banal.

Além disso, outros “40 anos” virão quando se tratar da gestão mencionada, tendo como referência o anúncio oficial do maior programa de educação pública, popular e integral por um governo de estado: o Primeiro Programa Especial de Educação dos Centros Integrados de Educação Pública (I PEE-CIEP). Que ocorreu em 1º de setembro de 1984, pelo Governador Leonel Brizola no Palácio do Guanabara, em coletiva de imprensa, com presenças de autoridades, incluindo o Ministro de Planejamento de Angola, Lopo do Nascimento.

O PEE-CIEP que teve como idealizador o vice-governador Darcy Ribeiro, é atingido frontalmente pela crítica da Rede Globo durante todo percurso, e se inicia coincidentemente pela relação com o Sambódromo, pois foi planejado a construção de um dos CIEPs na Avenida Marquês de Sapucaí, próximo ao Sambódromo. Logo: “Os primeiros sinais do sensacionalismo midiático (da Rede Globo em relação aos CIEPs) aparecem com o anúncio da construção de um CIEP no Sambódromo. A construção do Sambódromo parecia se refletir como um diapasão, tamanho o significado que uma inovação na estrutura do carnaval tinha para a gestão pública do Rio de Janeiro, e, com a proposta de fazer um CIEP naquela área atendendo duplo objetivo (o carnaval e o ensino), demonstrava também os objetivos de renovação do governo estadual em termos educacionais.” (Lemos, p. 87, 2023)

Uma evidência importante é de que a cultura brasileira em termos de radiodifusão em escala industrial passou a ser capitaneada pelas Organizações Globo, com investimento financeiro estrangeiro e auxílio estrutural do Estado brasileiro, materializados na década de 1970, e desde então, qualquer iniciativa no setor em nível nacional tem de passar pelo seu crivo. De outro lado, existia uma gestão de um estado importante como o Rio de Janeiro, em especial para a cultura, e que dava atenção à cultura, sendo elemento inclusive do escopo do projeto educacional. Os CIEPs vinham com auditórios, por exemplo, e com plano pedagógico de rotina e estreita relação com a arte, a cultura e as ciências. Além, é claro, de outras iniciativas mais gerais do empenho governamental para com a arte e a cultura no estado.

Em níveis de infraestrutura o Rio de Janeiro alçava um grande projeto de construção civil gerado e incentivado pelo governo estadual, com a expertise de naquele momento de iniciar a fabricação dos chamados pré-moldados de cimentos para o levantamento dos edifícios, idealizado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Mais uma vez, aqui, o Sambódromo tem relação com os CIEPs, pois para se construir os CIEPs foi necessário criar a chamada “Fábrica de Escolas”, responsável por criar os pré-moldados das escolas, iniciativa essa que fortaleceu o projeto Sambódromo.

Fator que para além do objetivo de estruturar a cultura e a educação, também garantiu com que o Rio de Janeiro tivesse a menor taxa de desemprego do país, num período de recessão econômica nacional. Como demonstra a publicidade do Governo, intitulada “Quando você terminar de ler este anúncio, o desemprego no Rio estará menor ainda”, de 19 de setembro de 1985, no próprio jornal O Globo (verificável nos arquivos e/ou acervo).

Contudo, e a verdade é preciso ser dita, o carnaval está aí, juntamente com o espetáculo da cultura brasileira manifestada em poesias e batuques de bom e alto tom. E os saudosos idealizadores e elaboradores da Avenida dos Desfiles, da Passarela Darcy Ribeiro, do Sambódromo e da Sapucaí, tinham suas paixões, tinham suas “camisas” e não prescindiriam do passinho ou do samba no pé, mesmo diante das adversidades. Até, porque, independente de contextos e projeções, como diria o saudoso Nelson Sargento, “o samba agoniza, mas não morre”, e todo mundo sabe, e o mundo também, que o samba é vitalizado pelo povo, pela classe trabalhadora, gerado pela arte cunhada pelos afrodescendentes no Brasil. Novas gerações virão na imensidão da comunidade do carnaval, que é cada vez mais ampla, incluindo a “opinião pública”. Que bom ver o reconhecimento da importância do Sambódromo e do carnaval brasileiro.

*André Lemos é sociólogo e mestre em educação.

Referência

LEMOS; A. O Grupo Globo e a crítica conservadora ao I PEE-CIEP: Conflitos nos campos educacional, político e da produção cultural. Dissertação (Mestrado em Educação) – PPGEduc/UFRRJ. Rio de Janeiro, 2023.


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