A placa de Petri

Imagem: Edward Jenner
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Por LEONARDO BOFF*

De homicidas, etnocidas e ecocidas nos fizemos biocidas pois somos os que mais ameaçam e destroem a vida da natureza

Lynn Margulis e Dorian Sagan, notáveis cientistas, no conhecido livro Microcosmos (1990) afirmam com dados dos registros fósseis e da própria biologia evolutiva que um dos sinais do colapso próximo de uma espécie é sua rápida superpopulação.

Tal colapso pode ser verificado com micro-organismos colocados na Placa de Petri (placas de vidro sobrepostas com colônias de bactérias e nutrientes). Por uma espécie de instinto, pouco antes de atingirem as bordas da placa e se esgotarem os nutrientes, multiplicam-se de forma exponencial. E de repente todas morrem. Nós não estaríamos nesta rota de crescimento exponencial da população humana e expostos a desaparecer? Os dados apontam para essa eventualidade.

A humanidade precisou um milhão de anos para chegar em 1850 a um bilhão de pessoas. A marca de dois bilhões foi atingida em 1927; a de três bilhões em 1960; a de quatro bilhões em 1974; a de cinco bilhões em 1987; a de seis bilhões em 1999; a de sete bilhões em 2011; e por fim os oito bilhões em 2023. Estima-se que por volta de 2050 alcançaremos a meta limite de 10-11 bilhões de habitantes. Isso significa que a humanidade cresceu em um bilhão de habitantes a cada 12 a 13 anos, um crescendo de fazer pensar.

É o triunfo inegável de nossa espécie. Mas é um triunfo que pode ameaçar a nossa sobrevivência no planeta Terra, por efeito da superpopulação e por termos ultrapassado em 64% a capacidade de regeneração do planeta vivo, a Terra.

Para a humanidade, comentam as autoras, em consequência do crescimento crescente e rápido da população, o planeta Terra pode mostrar-se compo uma Placa de Petri. Com efeito, ocupamos quase toda a superfície terrestre, deixando apenas 17% livre, por ser inóspita como os desertos e as altas montanhas nevadas ou rochosas.

Lamentavelmente,segundo vários cientistas, inauguramos uma nova era geológica, o Antropoceno. De homicidas, etnocidas e ecocidas nos fizemos biocidas pois somos os que mais ameaçam e destroem a vida da natureza. Sabemos pelas ciências da vida e da Terra que todos os anos desaparecem naturalmente ou pela agressão humana centenas de espécies, depois de terem vivido milhões de anos sobre o planeta.

A extinção de espécies pertence à evolução da própria Terra que conheceu pelo menos seis grandes misteriosas extinções em massa. Notórias são as do Devoniano há 370-360 milhões de anos que varreu do mapa 70-80% de todas as espécies e aquela do Permiano, de há 250 milhões de anos, também chama de “A Grande Morte” na qual 95% dos organismos vivos foram extintos. A última, a sexta, está ocorrendo a nossos olhos sob o Antropoceno no qual nós humanos, segundo o grande biólogo falecido E. O. Wilson extinguimos entre 70-100 mil espécies de organismos vivos.

O fato é que a superpopulação humana tocou nos limites da Terra. Conheceríamos também nós o mesmo destino das bactérias dentro da Placa de Petri, que alcançado um ponto alto de superpopulação, de repente, acabam morrendo?

Pergunta-se, será que no processo evolucionário não chegou a nossa vez de desaparecer da face da Terra? A hipótese de que o planeta habitado de forma tão acelerada por tantos bilhões de humanos e se ter tornado, efetivamente, uma Placa de Petri ganha todo o sentido.

Somente que desta vez a extinção não seria por um processo natural, mesmo que misterioso, mas pela própria ação humana. Nossa civilização industrialista e sem coração, no afã de poder e de dominação, criou algo absolutamente irracional: o princípio de autodestruição por vários tipos de armas letais de toda a vida também da nossa.

Já temos feito o pior: quando o Filho de Deus se incarnou em nossa carne quente e mortal, nós o rejeitamos, o condenamos por um duplo juízo, um religioso e outro político e o assassinamos, pregando-o na cruz fora da cidade, como sinal de maldição.

Depois desse ato nefasto e ominoso, tudo é possível até a nossa própria autodestruição. Exterminar a nós mesmos é menos grave que matar o próprio Filho de Deus que passou por este mundo somente fazendo o bem. “Veio para o que era seu e os seus não o receberam” constata com infinita tristeza o evangelista João (Jo 1,11).

Mas consolemo-nos: ele ressuscitou, mostrou-se como o “o ser novo” (novissimus Adam: 2Cor 15,45), já livre de ter que morrer e na plenitude de sua humanidade. Seria uma revolução na evolução e a amostragem antecipada do fim bom de toda a vida.

Para os professantes da fé, cremos e esperamos que o Spiritus Creator, ainda possa iluminar as mentes humanas para que se conscientizem do risco de desaparecer e acabem voltando à racionalidade cordial, sabendo recuar e definindo um caminho de amorosidade, de piedade e de compaixão para com todos os seus semelhantes, para coma natureza e para com Mãe Terra. E então teríamos ainda futuro. Assim o queremos e o queira também o Criador.

*Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Cuidar da Casa Comum: pistas para protelar o fim do mundo (Vozes).


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