Por que precisam de tantas mortes?

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por OTAVIANO HELENE*

Seria para implantar o projeto político, econômico, cultural (?) e moral (melhor, imoral) que hoje, como a COVID, sufoca o país?

O crescimento do número de mortes por COVID-19 no Brasil ao longo do mês de março do 2021, é impressionante: cerca de 3% ao dia, alguma coisa próxima de 20% por semana! Até os últimos dias do mês, não há nenhuma indicação de que a taxa de crescimento esteja cedendo; ao contrário, não apenas o número de mortos a cada dia tem aumentado, como aumentou cada vez mais rapidamente ao longo do mês. Como essa é uma característica do início de cada novo surto, ou nova onda, como se convencionou chamar, uma conclusão é possível: o atual surto está em seu início. Se essa avaliação for correta, ainda devemos esperar que o aumento do número de mortes ao dia comece a se reduzir, atinja um máximo e comece a recuar, até que o atual surto acabe.

A figura abaixo ilustra a situação das mortes por COVID no Brasil entre o início de abril de 2020 e final de março deste ano. Os pequenos círculos mostram o número de mortes a cada dia, sendo que os dados foram dessazonalizados segundo os dias da semana.[1] A linha contínua é o resultado do ajuste de um modelo de comportamento da variação do número de mortes em prazo longo, servindo para guiar os olhos.

Mantida a atual situação, na segunda semana de abril o número diário de mortes poderá ter atingido quatro mil, chegando a cinco mil na segunda metade do mês. Esperemos que tal previsão esteja errada, embora, por enquanto, nada indique isso.

Até quando o atual surto durará é difícil prever. Entretanto, comparando com outros surtos no Brasil e em outros países, é possível que a fase de crescimento ainda dure muitos dias e permaneça alto por um período de várias semanas. Por exemplo, surtos que iniciaram em dezembro passado em vários países duraram cerca de 3 a 4 meses, com um período mais intenso no número de mortes diárias da ordem de dois meses, mesmo em países que combinaram rigorosos confinamentos e restrições de movimento com ampla aplicação de vacinas.

No Brasil, o período mais intenso do primeiro surto no número de mortes, no primeiro semestre de 2020, durou três ou quatro meses, duração bastante típica em países populosos, como os EUA, Índia, Rússia, entre outros (com a notável exceção da China).

Portanto, se tais regras se mantiverem – e nada indica que não será assim –, o surto que nos atinge desde o início de março pode levar à perda de algumas centenas de milhares de vidas; ao longo do mês de março, 60 mil vidas já se foram. Isso nos transformará no país com o maior número de mortes e, possivelmente, entre os países com as maiores taxas de mortalidade em relação à população.

Comparativamente com a média de mortes nos demais países da América Latina e Caribe, relativizadas para o tamanho das populações, a perda adicional de vidas no Brasil até agora foi da ordem de 140 mil. Quando tomamos todos os países do Mundo como referência, a perda adicional de vidas foi de cerca de 250 mil vidas. Se o Brasil tivesse optado pelos procedimentos tipicamente adotados pelos demais países, centenas de milhares de pessoas não teriam morrido.

E nossos governos (governos?) foram avisados deste surto que nos sufoca e mata neste momento: eles sabiam que as mortes atingiriam os patamares atuais e têm como saber como elas evoluirão nos próximos meses com muito mais precisão do que os valores estimados neste pequeno artigo.

Por que tantas mortes? Seriam elas necessárias para implantar o projeto político, econômico, cultural (?) e moral (melhor, imoral) que hoje, como a COVID, sufoca o país? Por que precisam que nós morramos?

*Otaviano Helene é professor sênior do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Adusp e do INEP. Autor, entre outros livros, de Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento (Autores Associados).

Nota


[1] A dessazonalização foi feita observando-se a sistemática na variação diária, ao longo de uma semana, nos dados reportados. Nos domingos e segundas-feiras, os números de mortes são inferiores aos valores esperados; entre terças- e sextas-feiras, os dados são superiores. Possivelmente, tal sistemática significa que as mortes ocorridas mas não registradas em um período são registradas posteriormente. Os fatores de ajuste sazonal calculados com base na sistemática do período analisado, pelo qual os dados reportados entre domingo e sábado devem ser multiplicados, são 1,79, 1,61, 0,80, 0,81, 0,81, 0,92 e 1.00. Tal dessazonalização, como qualquer outra, não é exata, pois não inclui variações provocadas pelos fatores não considerados (como feriados durante os dias da semana, por exemplo).

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Armando Boito Denilson Cordeiro Carlos Tautz Otaviano Helene Flávio Aguiar Michel Goulart da Silva Manuel Domingos Neto Eugênio Trivinho Marcos Aurélio da Silva Andrew Korybko Paulo Nogueira Batista Jr Vladimir Safatle Eugênio Bucci João Feres Júnior Tadeu Valadares Priscila Figueiredo Luiz Eduardo Soares Fernando Nogueira da Costa Michael Roberts Paulo Capel Narvai Sandra Bitencourt Paulo Fernandes Silveira João Carlos Loebens Antonio Martins Alexandre de Lima Castro Tranjan Tales Ab'Sáber Ronaldo Tadeu de Souza Luis Felipe Miguel Celso Frederico Matheus Silveira de Souza Lincoln Secco Marilena Chauí Igor Felippe Santos José Geraldo Couto Luiz Roberto Alves Lucas Fiaschetti Estevez André Márcio Neves Soares Luiz Bernardo Pericás Celso Favaretto Luciano Nascimento Alexandre Aragão de Albuquerque Francisco de Oliveira Barros Júnior Ricardo Musse Berenice Bento Alexandre de Freitas Barbosa Marilia Pacheco Fiorillo Bento Prado Jr. Ricardo Fabbrini Vanderlei Tenório Renato Dagnino Francisco Pereira de Farias Leonardo Boff Liszt Vieira Alysson Leandro Mascaro Slavoj Žižek Afrânio Catani Antônio Sales Rios Neto Bruno Fabricio Alcebino da Silva Érico Andrade Dênis de Moraes Atilio A. Boron Walnice Nogueira Galvão Chico Alencar Francisco Fernandes Ladeira Airton Paschoa José Raimundo Trindade Rubens Pinto Lyra Osvaldo Coggiola Marcelo Guimarães Lima Paulo Martins João Carlos Salles José Luís Fiori Ari Marcelo Solon José Machado Moita Neto Thomas Piketty Yuri Martins-Fontes Bernardo Ricupero Marcelo Módolo Dennis Oliveira João Paulo Ayub Fonseca Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Rodrigo de Faria Daniel Afonso da Silva Boaventura de Sousa Santos Gilberto Lopes Eleutério F. S. Prado Julian Rodrigues Andrés del Río Chico Whitaker Remy José Fontana Elias Jabbour Fernão Pessoa Ramos Salem Nasser José Dirceu Valerio Arcary Daniel Brazil Leonardo Avritzer Ricardo Antunes Michael Löwy Ronald León Núñez Caio Bugiato Jean Marc Von Der Weid Gerson Almeida Luís Fernando Vitagliano José Costa Júnior Flávio R. Kothe Marcus Ianoni Juarez Guimarães André Singer João Lanari Bo Eleonora Albano João Sette Whitaker Ferreira Eduardo Borges Marcos Silva Jorge Branco Plínio de Arruda Sampaio Jr. Manchetômetro Mariarosaria Fabris Maria Rita Kehl Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Sérgio Pinheiro Gilberto Maringoni Tarso Genro Leonardo Sacramento Ladislau Dowbor Antonino Infranca Kátia Gerab Baggio Henri Acselrad Marjorie C. Marona Valerio Arcary Luiz Marques Claudio Katz Annateresa Fabris Heraldo Campos Lorenzo Vitral Milton Pinheiro Luiz Werneck Vianna Jean Pierre Chauvin Everaldo de Oliveira Andrade Leda Maria Paulani João Adolfo Hansen Henry Burnett Gabriel Cohn Fábio Konder Comparato José Micaelson Lacerda Morais Anselm Jappe Ronald Rocha Sergio Amadeu da Silveira Jorge Luiz Souto Maior Vinício Carrilho Martinez Daniel Costa Benicio Viero Schmidt Carla Teixeira Luiz Renato Martins Samuel Kilsztajn Rafael R. Ioris Eliziário Andrade Bruno Machado Ricardo Abramovay Mário Maestri

NOVAS PUBLICAÇÕES