Por BENICIO VIERO SCHMIDT*
Comentários sobre acontecimentos recentes
1. Cresce a cada dia a discussão internacional sobre a tributação de grupos bilionários, especialmente na Europa, mas com alguma repercussão nos Estados Unidos. Propõe-se inclusive acabar com os paraísos fiscais. Trata-se de uma proposta bastante radical, que veio à tona por conta da situação de crise fiscal generalizada gerada pela pandemia. Este debate deverá chegar ao Brasil de alguma forma, mesmo que marginal, sobretudo por conta dos projetos de reforma tributária que estão correndo atualmente na Câmara e no Senado.
2. Alheio a esta questão Paulo Guedes propôs uma nova âncora fiscal assentada na relação entre o PIB (Produto Interno Bruto) e a dívida pública. Essa pauta abre espaço para a discussão de uma questão teórica muito pertinente, que passa pela polêmica sobre o caráter abstrato da moeda, com implicações práticas importantes para as políticas fiscais e monetárias. As novas teorias quantitativas da moeda [MMT], baseadas na experiência de 2008, sustentam que é possível ampliar a quantidade de moeda em circulação sem acarretar inflação. Esta tese tem enfrentado enormes resistências no Brasil, principalmente nas correntes que sustentam o ministro Paulo Guedes.
3. Persiste, e é lamentável, a falta de planejamento do Ministério da Saúde em relação à saúde e ao coronavírus, prejudicando o controle de uma epidemia que já matou mais de 50 mil pessoas no país. Na comparação do Brasil com países com uma densidade habitacional maior como o Vietnã com 253, a China com 136, a Índia com 328 habitantes por km², o Brasil apenas com 23 habitantes por km² apresenta um número muito maior no que tange à letalidade e à ocorrência do vírus.
Isso significa que falta planejamento. Um dos indicadores mais concreto disso é o represamento de recursos do Ministério da Saúde. Segundo a imprensa, cerca de 60% – na média entre estados e municípios, inclusive na União – desses recursos estão represados, não estão sendo utilizados na intensidade necessária.
4. A fuga do ministro da Educação para assumir um cargo no Banco Mundial, nos Estados Unidos, é um desdobramento da crise de gestão do MEC. O ENEM quase foi anulado no ano passado por conta de dados improváveis. Foram inúmeros os ataques às universidades públicas destituídos de fundamento. Perderam-se oportunidades únicas como no caso do fundo de um bilhão de reais proveniente das indenizações resultantes da operação Lava-Jato. O dinheiro ficou à espera de um projeto de educação básica que não foi apresentado. Nesse ínterim, com a pandemia, os recursos foram para o Ministério da Saúde. Esses exemplos abundam no caso do MEC; recursos oferecidos que não puderam ser obtidos por falta de planejamento. Interessante e irônico é que tanto o Ministério da Saúde como o da Educação estão sendo administrados por ministros interinos. Precisamente os dois ministérios com maior dotação orçamentária.
5. O Senado programou para os próximos dias a votação, após dois anos de tramitação, da Lei de Saneamento Básico. Caso seja aprovada, a nova legislação contribuirá para o desenvolvimento do Brasil urbano com a promessa de investimentos nos próximos 20 anos da ordem de R$ 700 bilhões de reais. Os atuais contratos das companhias públicas de saneamento e água com as prefeituras poderão ser prorrogados desde que provados eficientes. Caso contrário, serão interrompidos e submetidos à nova lei do saneamento.
6. Apesar das confusões frequentes, a crise política atual, com a cooptação do centrão, tende a ter como desfecho a permanência de Jair M. Bolsonaro na presidência. A bola está com o TSE e no STF. O governo se desgasta, porém, com ramificações que levam a práticas ilegais e nocivas à ordem pública, como obstruções à justiça, ocultação de provas, lavagem de dinheiro, rachadinhas etc. que estão sendo reveladas a cada dia pela imprensa e pelas averiguações policiais. Trata-se de um desgaste que deixa o governo Bolsonaro meio esfarelado.
7. As centrais sindicais dos trabalhadores apresentaram ao Congresso Nacional, no dia 21 de junho, uma proposta para o cenário de pós-pandemia. O projeto prevê um sistema de emprego nacional; a volta da qualificação profissional capitaneada pelas entidades sindicais com recursos do Ministério do Trabalho e Emprego; a oferta de crédito para pequenos empresários; e propostas de retomada econômica no sentido amplo. Trata-se de um documento de oito páginas bastante completo e compreensível. Infelizmente conta com a má vontade do governo que praticamente destruiu ou proibiu a existência de sindicatos livres e de centrais sindicais dotadas de recursos próprios.
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).