Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*
Na América Latina os grupos poderosos estão cada vez mais usando os tribunais para legitimar o descumprimento da lei ou a instabilidade institucional
Em seu livro “Understanding Institutional Weakness ”, publicado pela Cambridge University Press, os professores Daniel Brinks, Steven Levitsky e Maria Victoria Murillo buscam introduzir o pensamento político ao conceito de “institutional weakness” (fraqueza ou fragilidade institucional) argumentando que a fraqueza é uma função daquilo que uma instituição é capaz (ou não) de promover como resultado social, político e econômico. Para isso eles apresentam uma tipologia em três formas de fragilidade: 1) Insignificância (quando as regras são cumpridas, mas não afetam a forma como os atores se comportam); Descumprimento (quando as elites escolhem não cumprir e nem fazer cumprir as regras, incentivando inclusive a não cooperação social para com estas); Instabilidade (mediante uma alteração das regras de acordo com os interesses dos atores poderosos, como também por uma taxa de alteração das regras em níveis incomuns).
O Estudo destaca que as elites pós-coloniais latino-americanas se engajaram na discriminação, manipulação e evasão na aplicação da Lei, tornando-a uma fonte constante de instabilidade dos regimes democráticos da região, agravada pelo evidente desrespeito às leis constitucionais submetidas repetidamente a alterações conforme os interesses dos grupos de poder ou simplesmente ignoradas as suas aplicações, gerando um quadro de tensão pela discrepância entre as promessas políticas com as desigualdades social e econômica vividas pelas populações desse continente.
A Democracia exige que a Lei seja aplicada de maneira uniforme, em todo território e para todas as categorias de cidadãos e cidadãs, sem discriminação ou privilégios. Mas frequentemente o que se comprova é que as leis, que deveriam combater as desigualdades, são elaboradas e promulgadas justamente para alimentá-las, protegendo as elites autoritárias e seus interesses.
Uma das instituições que está no centro da “weakness” é o poder judiciário, com sua atribuição hermenêutica da lei, capaz de tanto conduzir à instabilidade institucional, quanto ao descumprimento da norma legal, uma vez que interpretações judiciais podem fornecer amplamente cobertura legal e legitimidade para o que é claramente uma violação da regra, como também podem manipular para produzir mudanças frequentes visando a alcançar objetivos particulares.
Na América Latina os grupos poderosos estão cada vez mais usando os tribunais para legitimar o descumprimento da lei ou a instabilidade institucional. Como ocorreu no caso dos impeachments – Nicarágua, Paraguai, Brasil, Bolívia – nos quais uns são mais óbvios do que outros. O esquema da Lava Jato é um “case” exemplar de tempestade perfeita: 1) ao derrubar uma presidenta eleita sem crime de responsabilidade; 2) ao condenar um ex-presidente apenas com convicções, sem provas razoáveis nem substanciais; 3) ao eleger um presidente de extrema-direita, cuja a estrela da Lava-Jato, o ex-juiz Sérgio Moro, foi escolhido com ministro da Justiça.
O respeitado jornalista Luís Nassiff produziu um documentário em série (para aqueles fãs dos seriados da Netflix, recomendamos a excelente série “Lava Jato, Lado B”, by Luís Nassif), cuja pergunta central é: o que está por trás de uma operação que começa no Brasil e coloca a Petrobrás no banco dos réus dos EUA? Há, como se sabe, a criação de uma indústria de enriquecimento utilizando-se da imagem do combate à corrupção – compliance – como arma de instabilidade institucional, perseguição política a opositores, por meio do lawfare, e proteção aos parceiros partidários.
Cabe, portanto, aos cientistas políticos, pesquisadores e professores em geral a tarefa de esclarecer ao público o quanto um tribunal pode ser cúmplice na produção da debilidade institucional e golpe à democracia.
*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).