Reflexões sobre a greve nas Universidades federais

Imagem: Paula Schmidt
image_pdf

Por TADEU ALENCAR ARRAIS*

Expressar publicamente uma opinião contrária ao movimento grevista, no contexto do cotidiano acadêmico, não deveria ser motivo de espanto

1.

Expressar publicamente uma opinião contrária ao movimento grevista, no contexto do cotidiano acadêmico, não deveria ser motivo de espanto. Assim funciona uma instituição movida pela autonomia intelectual. Assim funciona o debate político. Decidir, nessa quadra da história, votar contra a decisão de adesão ao movimento grevista merece, no entanto, alguns esclarecimentos. Muitos dos argumentos contrários são justificados.

Tenho, entretanto, dificuldades em não reconhecer alguns pontos positivos na proposta do governo. Parto do princípio que não há paralelo possível entre os dois primeiros anos, mesmo que incompletos, do governo Lula, e os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Parte do argumento que justifica a greve se ancora no diagnóstico da deterioração das condições de trabalho e no subfinanciamento do ensino superior público federal.

Há uma enorme variedade de dados que indicam a pertinência desse argumento. Esse argumento, no entanto, não pode negligenciar que esses problemas não são, propriamente, localizados nos dois últimos anos. Não tenho objetivo de fazer um memorial em defesa das ações do governo Lula no campo da educação. Recordo, entretanto, a rapidez simbólica do governo em reajustar as bolsas dos alunos de graduação e pós-graduação.[i]

Os avanços no financiamento das pesquisas também merecem destaque. A exclusão das chantagens e ameaças em função do exercício da atividade docente é ponto não menos importante. São pequenos avanços, em menos de dois anos, que tem algum impacto na rotina docente e discente e demostram, inequivocamente, uma abertura para o diálogo que não presenciamos no governo de Jair Messias Bolsonaro.

2.

Esses pequenos avanços ainda são insuficientes diante dos desafios colocados, cotidianamente, para todos nós. Mas quem somos nós para um técnico que observa a folha de pagamento nas frias linhas do excel? Considerando os vínculos com o Ministério da Educação, sem a fragmentação funcional, somos 36,13% do total de 1.091.504 de servidores públicos federais ativos (Portal da Transparência, 2024). Essa dimensão é motivo de força e orgulho. O problema é que essa grandeza não é, historicamente, convertida em força política. A dificuldade, sempre apontada, é que os reajustes homogêneos nesse segmento são mais onerosos para o Governo Federal.

É claro que podemos citar e denunciar, até o limite de nossas energias, a política de juros e até mesmo o orçamento secreto que drenam os recursos públicos. Mas o debate, nesse ponto, ultrapassa o sentido corporativo. Precisamos mudar a matriz da política econômica, o que significa repensar, por exemplo, nossa inserção no poder legislativo federal. É triste pensar que não conseguimos, nem mesmo, eleger uma pessoa lúcida e comprometida como o proessor Vladimir Safatle.

Figura 1. Governo Lula – proposta de reajuste e inflação registrada e projetada entre 2023 e 2026. Fonte: https://portaldatransparencia.gov.br/servidores

É nesse contexto político e econômico que exponho uma opinião, sem medo de qualquer tipo de censura, sobre a proposta de reajuste do Governo Federal. A proposta de “zero” reajuste em 2024 é indigesta. Deverá ser revista, até o limite das energias, nas negociações. Uma opção, caso os caminhos burocráticos do orçamento não permitam sua alteração, seria, no mínimo, complementar o reajuste de janeiro de 2025 com a inflação de 2024, passando de 9% para 12,5%. Gostaria, também, de localizar três pontos positivos da proposta, assim como possíveis arranjos para melhoria.

(a) O total de reajuste proposto é superior ao total da inflação acumulada e projetada nos quatro anos do Governo Lula. Esse dado, considerando a situação fiscal do Governo Federal, não é irrelevante.

(b) Ainda é preciso considerar (calcular) o aumento, ainda que pouco, de 0,5% nos intervalos de classe da carreira. Esse aumento, imagino, terá impacto diferenciado, com maior incremento para professores associados e titulares. Seria pertinente e possível elevar o percentual, nos intervalos de classe, em 6%, 5% ou 4%, pelo menos para os professores auxiliares, assistentes e adjuntos, priorizando o início da carreira de um conjunto de servidores que já foram por demais prejudicados com a reforma previdenciária.

(c) O reajuste dos auxílios, registrado no Termo de Compromisso, assinado no dia 25/04/2024, também deve ser considerado. Nesse ponto devemos unir esforços, em nossa agenda, para reduzir qualquer assimetria desses auxílios entre os professores ativos e os professores aposentados.

Enfim, desejo que esse momento político seja movido pela tolerância e paciência diante de uma cultura de participação política, seja individual ou coletiva, sindical ou não, em declínio. Posicionar-se contra a greve e, ao mesmo tempo, expor publicamente esse posicionamento, é um modo de afirmar que a natureza política e pública de nossa atividade, apesar dos ataques dos últimos quatro anos, sobreviveu.

*Tadeu Alencar Arrais é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Nota


[i] https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2023/02/lula-reajusta-bolsas-de-estudo-e-pesquisa-e-reforca-201ceducacao-e-o-melhor-investimento201d#:~:text=Os%20percentuais%20de%20acr%C3%A9scimo%20v%C3%A3o,mil%20novas%20bolsas%20ser%C3%A3o%20implementadas


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES