O protofascismo brasileiro

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Rubens Pinto Lyra*

Nas declarações sobre o coronavírus, em radical descompasso com as evidências científicas, comporta-se o militar-presidente como os fascistas, que extraem de seu fundamentalismo “um gozo sádico”.

“Tem gente que só compreende a brasa quando ela entranha na carne”. (Chico Buarque, em Fazenda Modelo)
“Em tempos de horror, escolhemos monstros para nos proteger”. (Mia Couto)

Nazismo e fascismo: o que os diferencia

É necessário, previamente, deixar clara a distinção entre nazismo e fascismo. Não caberia aqui, por exemplo, referir-se ao “protonazismo”. Com efeito, existe, entre o nazismo e o fascismo, uma diferença qualitativa, mesmo sendo, ambos, ditaduras no sentido pleno do termo. O fascismo não foi um regime totalitário posto que “o verdadeiro objetivo do fascismo consistia simplesmente em tomar o poder a dar à “elite” a liderança indiscutível do país” (Hannah Arendt, As origens do totalitarismo).

O fascismo não pretendeu moldar, para o conjunto da sociedade, uma ideologia única. Tanto é assim que conseguiu cooptar a Igreja Católica da Itália, governando com seu apoio, muitas vezes entusiástico, enquanto, sob Hitler, a prática religiosa sofreu violenta repressão (cf. Laura Fermi, Mussolini). Este excerto da resposta do Ministro do Reich alemão ao Bispo de Berlim, Dr. Konrad, Conde de Presysing, é ilustrativo da questão: “O nacional-socialismo reserva-se o direito exclusivo de incutir a sua concepção de mundo dentro do território alemão, entregando às comunidades religiosas o domínio da religião e da metafísica. Esses dois planos devem ser separados um do outro de uma vez para sempre”. Com efeito “a dominação totalitária é um tipo de regime que só existe destruindo o domínio político da vida. Baseia-se na experiência de não pertencimento absoluto ao mundo, uma das mais radicais e desesperadas do homem” (Hannah Arendt).

Poder econômico e protofascismo

Denomina-se protofascismo determinados aspectos sociais, políticos e ideológicos do nazi-fascismo, que podem estar presentes, parcialmente ou na sua plenitude, conforme a situação política, inclusive na atualidade, e no Brasil. Advirta-se que o nazismo, na Alemanha, o fascismo, na Itália e o protofascismo alimentado pelo governo de extrema direita no Brasil somente se tornaram realidade em virtude do apoio decisivo – inicialmente reticente, depois entusiástico – que receberam do capital financeiro e dos políticos que representam os seus interesses, com o respaldo dos militares.

Nos três casos, esse apoio foi conquistado numa conjuntura de radicalização político-ideológica sem precedentes, quando as elites econômicas e políticas desses países entenderam que os partidos “tradicionais” (liberais de centro e de direita) poderiam não ter força suficiente para evitar o triunfo das esquerdas. Leandro Konder, em seu livro Introdução ao fascismo expõe a “íntima vinculação” do nazismo com o capital industrial e financeiro. E, também, o apoio por eles dado a Mussolini, preferindo a sua ditadura a um governo centrista. Essa íntima vinculação, com relação ao nazismo, também foi detalhada por William L. Shirer, no seu clássico Ascensão e Queda do Terceiro Reich.

No Brasil, já durante a campanha eleitoral de 2018 para a presidência da República, as diferentes facções ligadas do grande capital não escondiam a sua simpatia pelo candidato defensor da ditadura militar brasileira (1964-1985). Durante essa campanha, na FIESP, os jornais noticiaram: “Elite da indústria brasileira aplaude Bolsonaro e vaia Ciro por criticar reforma trabalhista”. Esse apoio ganhou ainda mais força durante o governo Bolsonaro, conforme foi demonstrado na calorosa acolhida oferecida, na mesma FIESP, ao Ministro da Economia desse governo, Paulo Guedes, aplaudido de pé pelos empresários, que o qualificaram de “herói”.

O apoio consciente dado pelo grande empresariado a um governo cujo chefe já deixara claro o seu autoritarismo visceral nos remete às conclusões de Hannah Arendt sobre a inexistência de uma suposta “lavagem de cérebro” no apoio massivo dado ao hitlerismo. Com efeito, não se pode simplesmente atribuí-lo, na Itália, na Alemanha e no Brasil, ao desconhecimento do que representam os respectivos salvadores da pátria, além de que foram investidos conforme o rito legal nos seus respectivos cargos, legitimados pelo voto popular.

Sem dúvida, na Itália e na Alemanha, os governos foram fortemente pressionados pelas mobilizações nazi-fascistas, mas poderiam ter resistido e não se pode dizer que se ignorava seus métodos, objetivos e estratégia. Nas palavras de Arendt: “isso de forma alguma enfraqueceu o apoio dado pelas massas ao totalitarismo, que não se explica nem pela ignorância nem pela “lavagem cerebral””.

Fascismo e protofascismo: em que suas ideias se assemelham?

A análise das teses defendidas pelos protofascistas, na Europa, influenciadas pelo nazismo e sobretudo pelo fascismo italiano, são de grande importância para entendermos suas diferenças e semelhanças com as ideias abraçadas pela extrema-direita brasileira.        O protofascismo apresenta distintas fisionomias, todas, contudo, aparentadas com o fascismo. Mas não apresenta, como este, uma teoria homogênea, como é o caso do nazismo e, até certo ponto, do fascismo.

Não tem, igualmente, objetivos de expansão territorial (essa também uma característica do nazismo) e de perseguição a raças consideradas inferiores, muito embora o protofascismo tupiniquim tenha fortes componentes racistas. Aqui também não existe, como no nazi-fascismo, um partido de massas, enquadrado sob rígida disciplina, e adestrado para promover ataques a adversários.

Por derradeiro, cabe sublinhar a diferença entre os objetivos proclamados dos nazi-fascistas e os do demiurgo brasileiro. Para Hitler, seu papel era o de reconstruir a força e prestígio da Alemanha, tornando essa nação hegemônica, através da liquidação do comunismo e da expansão territorial, mediante a subjugação das raças consideradas inferiores, especialmente os judeus. O mesmo objetivo de Mussolini, na Itália, salvo no que diz respeito à questão racial.

Já o capitão reformado compartilha com os nazi-fascistas um anticomunismo visceral. Mas sua retórica confere máxima ênfase à uma visão conservadora da família e da pátria, que pretende restaurar, associando-a à exaltação de valores religiosos, o que lhe garante sólida base de sustentação, sobretudo entre os evangélicos.

Mas vamos às semelhanças. Conforme assinala Umberto Eco, grande pensador e romancista italiano, o protofascismo “trocou a violência aberta, característica dos seguidores de Hitler e Mussolini, por uma retórica agressiva” (“O fascismo eterno”. In: Cinco escritos morais). Inseparável, tanto uma quanto outra, do carisma do líder. É o que ocorre no Brasil. O bolsonarismo associa essa retórica – que ilustramos com a ameaça feita pelo atual presidente militar de “fuzilar os petralhas” – com a ação no âmbito institucional, jogando com essa dubiedade com objetivo de manter a fidelidade de seus militantes e, ao mesmo tempo, assegurar apoio político para governar.

Portanto, em vez de atuar com a violência explicita, os protofascistas de diferentes perfis optam por praticar microviolências não assumidas. Prevendo o seu agravamento destas, com o assassinato de Marielle e a eleição de Bolsonaro, Jean Willys, deputado federal eleito pelo PSOL no Rio de Janeiro, ameaçado de morte, preferiu auto exilar-se na Alemanha. Exemplar, ainda a esse respeito, foi o atentado terrorista praticado contra a produtora Porta dos Fundos, gravado em vídeo, por ter associado Jesus Cristo ao homossexualismo, sendo significativo o silêncio de Bolsonaro e do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, em relação à questão.

No Brasil, a extrema direita não dispõe de milícias organizadas, como os fascistas, mas conta com uma espécie de milícia virtual, verdadeiras falanges que atuam nas redes sociais, notadamente através do marketing religiosoe político, manipulando os desejos e as carências de incautos. Ela também não dispõe, como Goebbels na Alemanha, da máquina estatal para divulgar inverdades. Mas utiliza o mesmo método do dirigente nazista e dos fascistas: a propagação massiva de mentiras. Isto, sob a forma de fake news, ocorreu, por exemplo, nas eleições presidenciais, com a difamação sistemática do candidato Fernando Haddad para, com sua repetição exaustiva, tentar fazê-las passar por verdadeira.

Umberto Eco lembra que a ideologia protofascista odeia o pluralismo na política, na cultura e na literatura. Assim “o protofascista é um conservador dos valores tradicionais, do ideário militar e do machismo. Transfere sua vontade de poder para questões sexuais, o que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante a hábitos sexuais não conformistas, como a homossexualidade”.

No caso brasileiro, a defesa dos valores tradicionais tem especial relevância, manifestando-se em um ultraconservadorismo caricato, como comprovam as inacreditáveis declarações de Dante Mantovani, um dos escolhidos para o cargo de presidente da FUNARTE. Para esse dirigente, terraplanista e aluno de Olavo de Carvalho, “o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. Esta, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse que fez um pacto com o diabo”.

Contra as teses obscurantistas e o comportamento autoritário e discriminador do governo Bolsonaro, quase 3.000 intelectuais e artistas, encabeçados por personalidades de grande destaque nessa área, lançaram, em fevereiro de 2020, uma petição global. Nesse documento, solicitam que a comunidade internacional expresse solidariedade pública, face às tentativas do governo Bolsonaro de exercer pressão política sobre as organizações artísticas e culturais e que os órgãos de direitos humanos e a imprensa internacional projetem luz sobre o que está acontecendo no Brasil.

A ideologia obscurantista dos bolsonaristas, se não considera, como os nazistas, uma determinada raça inferior, tem uma concepção que se aproxima desta. Com efeito, o jornalista de extrema direita, Sérgio Nascimento de Camargo, indicado por Bolsonaro para a presidência da Fundação Palmares, destinada a promoção e ao resgate da cultura negra, considera que a “que escravidão foi horrível, mas benéfica para os descendentes dos escravos” Suas opiniões justificadoras do escravismo estão em consonância com as do “Príncipe” Deputado Federal Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP.) de quem Bolsonaro confessa ser grande admirador. Esse Deputado afirmou que a “escravidão faz parte da natureza humana”.

Há uma notória afinidade entre essas concepções e a dos donos de escravos, os quais, durante a campanha abolicionista, alegavam não sentir entusiasmo por ela porque sabia “o país sem preparo, sem meios de utilizar uma raça ignorante e eivada de princípios perniciosos”. Esta mesma concepção colonialista se aplica à forma como Bolsonaro trata as comunidades indígenas quando compara os índios que não estão inseridos no mercado a “homens da caverna”.

No Estado fascista não havia lugar para as liberdades individuais e para a livre expressão do pensamento. No Brasil elas continuam em vigor, mas os protofascistas tupiniquins estão em campanha permanente para liquidá-las. Ressalte-se, a esse respeito, a contribuição pessoal dada por Bolsonaro. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a sua ascensão à Presidência aumentou em 54% por cento os ataques contra a imprensa, sendo mais da metade provenientes do atual presidente.

Outro alvo preferencial dos bolsonaristas são as escolas públicas, com a proposta de Escola sem Partido, e os docentes que consideram de esquerda. Para incriminá-los, defendem a utilização de práticas policialescas, como a gravação de aulas de professores tidos como ‘socialistas” e “partidários”.

A ideologia protofascista, no Brasil, não é associada, como no nazismo e no fascismo, a um partido político ou embasada em texto supostamente científico, como é o caso do nazismo, cuja Bíblia era Mein Kanpf. Bolsonaro sequer é filiado a um partido. Seu traço característico é a colagem de ideias sem consistência teórica, mas com retórica, intimidadora ou sedutora, conforme o caso. Nas palavras de Jânio de Freitas: “O governo Bolsonaro não tem a direcioná-lo uma doutrina, nem de arremedo, que lhe dê fisionomia como razão de ser e propósito. O nível médio de ignorância entre os que o habitam não permitiria lidar com ideias, rasas que fossem, nem com noções de ordem cultural, simplista embora”.

No fascismo, sublinha Eco “o irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é boa em si. Portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão”. Como dizia o próprio Mussolini: “L’azione há seppellito la filosofia”. Segundo Leandro Konder, “o fascismo adotou a solução de um pragmatismo radical, servindo-se de uma teoria que emasculava a teoria em geral”.No discurso ou na ação, para ele, interessa apenas os resultados.

As inacreditáveis palavras de Bolsonaro sobre o coronavírus, expressas em rede nacional de televisão, remetem às concepções acima referidas. Essas palavras foram qualificadas de “estarrecedoras”, “desonestas” e criminosas” pelas entidades mais representativas da área da saúde e pelas sociedades médicas, por minimizarem a importância desse vírus, ao qualificá-lo de “gripezinha”, desdenhando das medidas adotadas pelo Ministério da Saúde de seu próprio governo, como o isolamento social.

Esse “pragmatismo radical” também colide frontalmente com a Organização Mundial da Saúde (OMS) cujo Diretor, Tedros Ghebreyesus, qualificou o coronavírus de “inimigo da Humanidade”, situando-se, ademais, em radical descompasso com as evidências científicas, unanimemente proclamadas pelos especialistas na matéria. Comporta-se, pois, o militar-presidente como os fascistas, que extraem de seu fundamentalismo, conforme lembra Raimundo de Lima, “um gozo sádico de mal-estar entre as pessoas, semeando a confusão entre elas, fazendo da contradição e do paroxismo um empreendimento de efeitos hipnóticos”.

Outra manifestação do protofascismo é a intolerância e a perseguição aos diferentes, aos seus modos de ser, agir e pensar. Tende sempre a desqualificar os que não se adéquam a sua camisa-de-força ideológica. Utilizam a mesma estratégia de desmoralização, pretendendo que as universidades são “um ninho de comunistas”, fonte de “balbúrdia”, incompetência e pouca produtividade”. Essa hostilidade em relação ao mundo intelectual e à cultura, salienta Umberto Eco “sempre foi sintoma de fascismo”.

A missão essencial da universidade contrasta com essa concepção rudimentarmente tecnicista: a de contribuir para a formação de um espírito crítico capaz de renovar os valores sociais e culturais existentes. Exemplar, a esse respeito, foi a declaração de seu ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez, sobre o papel que cumpre a universidade desempenhar: formar “bons empregadores e bons empregados.

No mesmo sentido, Jair Bolsonaro dissemina as escolas militares, ou militarizadas, no Brasil, para, supostamente, melhorar a sua qualidade “garantindo que o professor possa exercer a sua autoridade na sala de aula”. Jânio de Freitas lembra, a esse respeito, o papel decisivo que tiveram as escolas militares na Alemanha, ao longo dos anos 1930, para a infiltração do nazismo e do culto ao ditador.

Os protofascistas são agenciadores de intrigas, de fofocas inventadas para prejudicar supostos adversários e desafetos. É precisamente o caso do demiurgo saído das urnas. Ele sempre pretendeu que a facada de que foi vítima teria sido resultante de um complot da esquerda, apesar do laudo pericial acatado pelo juiz que apreciou o caso atestar a insanidade do seu agressor. No caso dos nazistas, exemplo desse comportamento foi a difusão de uma teoria fantasiosa, baseada em uma suposta conspiração mundial urdida por uma aliança entre os judeus e a Rússia Soviética, destinada à destruição da Alemanha.

A versão tupiniquim dessa teoria se traduz na extensão, pelo bolsonarismo, do conceito de “comunista” a quase todos os seus opositores que, supostamente, pretendem trocar o verde-amarelo da bandeira brasileira pela cor vermelha, com a colaboração da mídia, sob a égide do “marxismo cultural”.

Não podemos deixar de sublinhar algo que nos parece essencial: os diferentes aspectos em que se manifesta a ideologia ultraconservadora do governo Bolsonaro estão interligados. Eles estão subsumidos ao entendimento de que o Estado deve patrocinar uma revolução na área cultural, de modo a liberá-la da influência nefasta de um suposto “marxismo cultural”, que tornou “doente” a cultura no Brasil e a arte “degenerada”.

Nas palavras de Roberto Alvim, ex-Secretário Especial de Cultura do governo federal, ao reproduzir, adaptada à realidade brasileira, um discurso de Joseph Goebbels, nº 2 do regime nazista: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, dotada de capacidade de envolvimento emocional e será também imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações de nosso povo”. Posicionamento em consonância com o pedido do Presidente para que “faça uma cultura que não destrua, mas salve nossa juventude”.

Essa “revolução cultural”, traduzida em uma política de Estado, resgataria, “imperativamente” uma visão conservadora da família, do patriotismo e da religião, invocando a “profunda ligação de Deus” com esses supostos pilares da nacionalidade. Trata-se, inequivocamente, de uma concepção totalitária, na qual – à diferença do nazi-facismo – o fundamentalismo cristão, sobretudo pentecostal, desempenha um papel essencial.

A atuação de Alvim à frente de sua pasta recebeu rasgados elogios de Bolsonaro, para quem ele estaria implementado uma “cultura de verdade”. Não obstante, no mesmo dia em que exaltou a atuação de Alvim, foi obrigado a demiti-lo, sob forte e inédita pressão nacional e internacional, advinda sobretudo dos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário brasileiros, da OAB e da comunidade judaica nacional e internacional. Mas nenhuma crítica foi feita à atuação de Alvim e as suas opções político-ideológicas à frente de sua Secretaria.

Características comuns aos líderes fascistas ou protofascistas

Uma forma de blindar o líder carismático e o seu governo, nos regimes nazi-fascistas, como também no Brasil, é pretender que tenha sido escolhido por Deus para governar os seus países. Na Itália, até a Igreja Católica alimentou essa ideologia. Logo após a assinatura do Tratado de Latrão o Papa Pio XI comentou, referindo-se a Mussolini: “Nós também fomos favorecidos com aquele que a Providência Divina colocou no nosso caminho”. E de várias partes do país, repercutindo a fala do Sumo Pontífice, dizia-se: este é o homem da Providência.

Dessa forma, o líder carismático passa a ser considerado um mito, ou um super-homem, cuja autoridade é inquestionável. Com efeito, não poucas vezes as massas, no curso da história, desamparadas, submetidas à recessão econômica, à insegurança individual e à descrença em lideranças políticas, sentiram a necessidade de criar um herói e atribuir-lhe qualidades sobre-humanas. Não obstante, o fascismo e a extrema-direita que com ele tem afinidade, necessita aproximar esses pretensos semideuses do homem comum. Nas palavras de Laura Fermi: “O Duce, em 1992, se misturava ao povo e dava tapinha nas costas em pessoas humildes, ajudava um ferreiro dizendo que tinha sido sua profissão e que gostava do trabalho manual e que tinha inveja daqueles que o realizavam. Aparecia entre os segadores, usando somente um par de calças velhas, com seu torso desnudo brilhando à luz do sol”. Com isso, sua popularidade dava um salto à frente.

Idêntica estratégia adota o salvador da pátria brasileiro, supostamente ungido por Deus para salvar o Brasil da corrupção e da “ameaça comunista”. É flagrado, em trajes caseiros, comendo sanduíche de leite condensado, ou descontando um cheque em caixa eletrônico e parando, com frequência, sua comitiva para cumprimentar os seus apoiadores.

Hitler, Mussolini, diversos tiranetes e também Bolsonaro têm mais uma característica que os aparenta: elegeram os “comunistas” como inimigo comum, atribuindo-se, no Brasil, essa pecha a boa parte de opositores, que de comunistas não nada têm a ver. Por fim, os líderes fascistas e protofascistas compartilham um maniqueísmo entranhado pois entendem que só os que comungam com os seus ideais querem o bem do país. A pátria, acreditam, só é amada por eles e por seus seguidores.

Não podemos aceitar a banalização do mal. A “eterna vigilância” é, portanto, conditio sine qua non para enfrentá-la com chances de êxito. Nas palavras de Umberto Eco: “o protofascismo pode voltar sobre o mais inocente dos disfarces. O nosso dever é pô-lo a nu e apontar novas ocorrências todos os dias, em todas as partes do mundo. Liberdade e liberação são uma tarefa infinita”.

*Rubens Pinto Lyra é Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba.

Copyright by Rubens Pinto Lyra. Todos os direitos reservados.

Outros artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Celso Favaretto Priscila Figueiredo Chico Whitaker Chico Alencar Afrânio Catani Dênis de Moraes Mariarosaria Fabris Lucas Fiaschetti Estevez Alexandre Aragão de Albuquerque Luiz Eduardo Soares Alysson Leandro Mascaro Bernardo Ricupero Samuel Kilsztajn Juarez Guimarães Bruno Fabricio Alcebino da Silva Kátia Gerab Baggio Flávio R. Kothe Daniel Costa Eleonora Albano Carla Teixeira Bento Prado Jr. Julian Rodrigues Heraldo Campos Gabriel Cohn José Raimundo Trindade Eliziário Andrade Sergio Amadeu da Silveira Luís Fernando Vitagliano Celso Frederico Fernando Nogueira da Costa Antonino Infranca Renato Dagnino Luciano Nascimento Anselm Jappe João Lanari Bo Paulo Capel Narvai Luiz Roberto Alves Paulo Nogueira Batista Jr Andrew Korybko Fernão Pessoa Ramos Leda Maria Paulani Henry Burnett Vanderlei Tenório Eduardo Borges Marcelo Guimarães Lima Michael Roberts Eugênio Trivinho Paulo Sérgio Pinheiro João Carlos Loebens Rafael R. Ioris José Micaelson Lacerda Morais Marcos Aurélio da Silva Lincoln Secco Elias Jabbour Francisco Pereira de Farias Ricardo Antunes Marcus Ianoni André Márcio Neves Soares Denilson Cordeiro João Paulo Ayub Fonseca Luiz Carlos Bresser-Pereira Gilberto Maringoni Bruno Machado Gilberto Lopes Valerio Arcary Boaventura de Sousa Santos João Carlos Salles Maria Rita Kehl Berenice Bento Carlos Tautz José Dirceu José Luís Fiori José Machado Moita Neto Luiz Renato Martins Liszt Vieira João Feres Júnior Milton Pinheiro Marcelo Módolo Henri Acselrad Osvaldo Coggiola Luiz Bernardo Pericás Vinício Carrilho Martinez Leonardo Sacramento Mário Maestri Claudio Katz Anderson Alves Esteves Dennis Oliveira Roberto Noritomi Benicio Viero Schmidt Ronaldo Tadeu de Souza Ladislau Dowbor Jorge Branco João Sette Whitaker Ferreira Vladimir Safatle Marjorie C. Marona Tales Ab'Sáber Francisco Fernandes Ladeira Tarso Genro Ricardo Abramovay Luis Felipe Miguel Remy José Fontana Matheus Silveira de Souza Eleutério F. S. Prado Slavoj Žižek Otaviano Helene Tadeu Valadares Airton Paschoa Yuri Martins-Fontes Armando Boito Manuel Domingos Neto Thomas Piketty Antonio Martins Roberto Bueno Leonardo Boff Fábio Konder Comparato Alexandre de Lima Castro Tranjan André Singer Luiz Marques Marilia Pacheco Fiorillo Valerio Arcary Paulo Fernandes Silveira Rubens Pinto Lyra Jean Marc Von Der Weid Flávio Aguiar Michael Löwy Rodrigo de Faria Luiz Werneck Vianna Francisco de Oliveira Barros Júnior Manchetômetro Alexandre de Freitas Barbosa Lorenzo Vitral Eugênio Bucci Gerson Almeida Sandra Bitencourt Leonardo Avritzer Ari Marcelo Solon Ronald Rocha José Costa Júnior Ronald León Núñez Atilio A. Boron Walnice Nogueira Galvão Daniel Afonso da Silva Marcos Silva Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ricardo Fabbrini Ricardo Musse Paulo Martins Igor Felippe Santos Daniel Brazil José Geraldo Couto Antônio Sales Rios Neto Annateresa Fabris João Adolfo Hansen Everaldo de Oliveira Andrade Salem Nasser Jean Pierre Chauvin Marilena Chauí Caio Bugiato Érico Andrade Jorge Luiz Souto Maior

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada