Contra o fascismo e o genocídio em Gaza

Imagem: Khaled Hourani
image_pdf

Por GRUPO DE PSICANALISTAS DO INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE
Diante do horror, o silêncio é cumplicidade. Como psicanalistas, erguemos a voz contra o genocídio em Gaza, denunciando a desumanização que legitima a barbárie. Defender a vida não é opção — é imperativo ético

Carta aberta de psicanalistas

“A crueldade não é somente o mal aplicado continuamente sobre o outro. É também a indiferença diante do sofrimento do outro” (Silvia Bleichmar).

Nós, um grupo de psicanalistas do Instituto Sedes Sapientiae, convidamos a comunidade psicanalítica a se posicionar pelo fim do genocídio na Palestina.

Enquanto o debate se centra na terminologia – genocídio ou não? –, o governo atual de Israel segue, impune, a perpetrar a destruição implacável em Gaza. Sugerimos a leitura do artigo II da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio da ONU.

Em consonância com a história do Instituto ao qual este grupo está ligado, e a partir dos parâmetros que regem nossa prática – estabelecida na carta de princípios do Instituto Sedes Sapientiae -, pensamo-nos como agentes que pautam “[…] suas atividades pelas linhas fundamentais que consagram o homem como princípio […], o exercício da defesa dos direitos humanos como método e a libertação como fim”, e manifestamos nosso total repúdio à destruição maciça e à limpeza étnica em curso na Palestina.

Nada justifica arrancar famílias palestinas de seu lugar de origem, expulsando-as da faixa de Gaza.

Nada justifica afirmar que, enquanto houver palestinos em Gaza, o massacre continuará. Isso é propor declaradamente a limpeza étnica.

Nada justifica a construção de campos de concentração.

Nada justifica que a defesa da existência de um Estado esteja condicionada à eliminação de um povo.

Nada justifica que, em nome de uma suposta segurança de Israel, cometam-se descalabros que promovam o apagamento do outro.

Nada justifica profanar túmulos.

Nada justifica impedir o acesso de ajuda humanitária.

Nada justifica que pessoas sejam alvejadas em sua busca por água e comida.

O povo palestino está impedido de receber qualquer ajuda humanitária:  morre de fome, de sede, de ausência de assistência médica, de bombardeios, de exaustão. Temos testemunhado um extermínio que vem violando todos os pactos de direitos humanos.

Como psicanalistas, não podemos compactuar com o apagamento do sujeito que, reduzido a coisa, pode ser retirado da vida. É evidente a estratégia de desumanização da população palestina, na busca por legitimar sua eliminação maciça; basta escutar a fala do Ministro da Defesa de Israel, que se referiu ao povo palestino como “animais humanos”.

Também manifestamos nosso total repúdio ao terrível ato de violência e sequestro cometido pelo grupo terrorista Hamas a israelenses e a pessoas de outras nacionalidades, participantes de um Festival de Música, no dia 07 de outubro de 2023.

Trata-se de um cenário que carrega muitas complexidades, envolvendo uma trágica história de erros e crimes executados neste prolongado conflito. É preciso levar em consideração as diversas responsabilidades, derivadas de interesses econômicos e políticos de muitos atores: estadunidenses, europeus e de outros países da região.

Ainda assim, não há medidas de comparação válidas diante da barbárie e da agonia inominável. O horror aos massacres nos obriga a tomar posição, seja qual for a vítima. A destruição não poupa vidas.

Entendemos que nossa prática como psicanalistas deve sempre estar, inextricavelmente, alinhada à preservação dos direitos humanos, zelando pela ética que tem a vida como bússola fundamental de nossas ações. Diante disso, é nosso dever manifestar profundo repúdio aos horrores que temos assistido.

Denunciar a violência cometida pelo atual governo israelense não é antissemitismo. Acreditamos que a violação sistemática de pactos simbólicos que têm a vida como princípio, como constatamos nos crimes cometidos pelo governo fascista, liderado por Benjamin Netanyahu, tem criado condições ao inaceitável crescimento do antissemitismo.

Como psicanalistas, lutamos pela manutenção da vida e para que os princípios transmitidos pela ética humana sejam preservados. Opor-se à violência, à limpeza étnica e ao genocídio é defender a Humanidade, e, como princípio, deve estar à frente de qualquer posição que tenhamos a respeito da existência de Israel, de dois Estados ou de um Estado que abarque toda a população da região.

Terminamos aqui citando as palavras de um grupo de profissionais do cinema, elaboradas em carta de apoio ao discurso de Jonathan Glazer no Oscar 2024: “Apoiamos todos aqueles que apelam a um cessar-fogo permanente, incluindo o regresso seguro de todos os reféns e a entrega imediata de ajuda à Gaza, e o fim do bombardeamento e do cerco contínuos de Israel a Gaza. Honramos a memória do Holocausto dizendo: nunca mais para ninguém”.

Convidamos a comunidade psicanalítica a se juntar a nós contra o fascismo e em defesa da vida.

Até o momento a carta foi assinada por 807 psicanalistas.

Para consultar as assinaturas e novas adesões clique em https://forms.gle/rgTo4rEb6tNtnzrA8


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES