Por JOÃO P. PEREIRA*
A abundância que gera escassez: a crise capitalista é um colapso de excesso, onde demasiado capital produz fome e desemprego, revelando a irracionalidade do sistema
O método dialético demonstrou-se necessário para a profunda compreensão do capitalismo. A dialética moderna, por outro lado, até aqui, revelou-se capitalista em sua essência; pois o atual sistema é o organismo mais dialético da história do cosmos – ainda, por enquanto. Em diante, demonstraremos como tal modo de raciocínio, que é também uma visão de mundo, explica o que parece assunto puro da economia, as crises periódicas do capital.
Dialética do desigual e combinado
Para vermos a causa central das crises periódicas do capital, precisamos entender a dialética por meio da lei do desenvolvimento desigual e combinado (León Trotsky, percebido por Moreno como causa das crises). Em resumo, tal legalidade afirma que os elementos de um todo orgânico desenvolvem-se de modo desigual e, nisso, combinam-se – o que pode gerar forte contradição. Assim é a crise.
Considere-se o setor que produz produtos para o consumo final como o mais dinâmico, portanto, mais fácil aumentar o número de fábricas, por exemplo (mais desenvolve-se). Eis a ponta de lança da economia, o que explica a base da crise.
(i) O setor que produz matéria-prima não consegue crescer tanto quanto o setor de bens de consumo. Não é fácil produzir uma nova mina ou um novo poço de petróleo. Assim, os preços ou custos dos insumos crescem, o que diminui o lucro do empresário.
(ii) Com o aumento do número de empresas e de negócios, demanda-se mais trabalhadores – mas a produção sexual de novas forças de trabalho é lenta, não acompanha os ciclos econômicos e seus ritmos. Logo, falta mão de obra na economia aquecida, o que aumenta salários (demanda por trabalhadores maior do que a oferta) e, por isso, arranca mais uma vez do lucro do investidor.
(iii) Com a economia a todo vapor, aquecida, cresce a demanda por dinheiro e, por isso, os juros sobem. Mais uma vez, o lucro empresarial é tomado, dessa vez, pelos bancos. (iv) Aumenta o número de empresas concorrendo com a economia mui ativa. Desse modo, o lucro também é mais repartido.
Vemos que o desenvolvimento desigual e combinado dos fatores da economia, a desproporção, produz crises econômicas inevitáveis na economia não planejada. O que era lucro patronal torna-se, em parte e em parte ainda maior, custo com matéria-prima, com salário, com juros e perda por concorrência.
Capital é crise
A dialética demonstra que tudo tem, em si, a sua própria negação, a sua própria negatividade. A coisa é a sua contradição viva. Vejamos isso na concretude, no exemplo.
A crise costuma ser vista como uma doença econômica ou fruto de certos acasos. Na verdade, o capital é crise – sua exigência consolidada produz mais crises do que estabilidades. O fato de haver quebras econômicas é parte de sua regra, de sua normalidade doentia; isso, em parte, por ser, também, uma transição entre as sociedades de classes anteriores e o socialismo de amanhã, entre o passado e o futuro dentro de si.
O pleno emprego (utilização de toda, ou quase toda, mão de obra e recursos – máquinas etc. – disponíveis) não é o inverso da crise, nem sequer sinal da crise posterior – trata-se da própria crise, ela mesma. Pleno emprego, para o capital, é crise. Na essência, o capitalismo promove, para si, uma constante fuga, mas para frente; o crescimento é a contratendência relativa da tendência à crise. Isso significa que a crise é, bem visto, uma solução temporária!
Dentro da relação dialética de tendência com, muitas vezes produzida por esta própria, sua contratendência relativa, percebemos a causa produzir efeitos opostos. Fatores da crise produzem a própria saída apenas relativa da crise mesma, seu adiamento: (a) Baixa dos preços. Com as falências e com o desemprego, o consumo geral cai – a demanda cai em relação à oferta de mercadorias (incluso mercadorias produtivas). As empresas que resistem à quebradeira, normalmente as maiores, podem comprar matéria-prima, máquinas, etc. por um preço mais vantajoso.
(b) Redução dos salários. Na crise, o desemprego aumenta, por isso as greves param de ter força, o medo da miséria retorna. O patrão consegue novamente impor baixos salários, maior jornada e mais intensidade do trabalho. Além do mais, como a crise é superprodução e há queda da demanda por desemprego, as mercadorias que o operário compra com seu salário ficam mais baratas, o que pressiona para baixo o custo salarial.
(c) A falência de muitas empresas, especialmente as menores, faz com que a concorrência reduza e, então, menor quantidade de capitalistas embolsa o lucro total da sociedade. (d) Finalmente, as mercadorias acumuladas nos mercados são vendidas ou perdem validade. Então demanda-se nova produção.
Percebemos que a face destrutiva da crise, a quebra econômica, tem seus fatores: excesso de capital, falências, queda do emprego, queda do salário, não escoamento das mercadorias, queda da demanda. Tais fatores que conformam a crise são, por outro lado, oposto, meios para sair dela própria temporariamente, na fuga para frente mesmo quando recua. A crise não é negada ou superada, mas, neste ponto, propriamente adiada. Assim amadurece as condições para socialismo.
A causa, afirma a dialética, pode ter efeitos opostos: a mesmos elementos da crise promovem a saída dela de maneira temporária.
Crise: subprodução ou superprodução?
O pensamento não dialético pensa “ou isto ou aquilo”, ou seja, duas afirmações não podem ser, ambas, verdadeiras – princípio formal da não contradição. Já a dialética, ao contrário, considera a possibilidade de “ou ambos”, que duas afirmações contrárias são verdadeiras de fato (pensa: isto e aquilo). Veremos que a crise é tanto de subprodução quando de superprodução nos parágrafos seguintes.
Antes da maquinaria, as crises eram por falta, por escassez. Por razões naturais e ambientais, tinha-se má colheita ou os animais adoeciam, então, crise geral. No capitalismo, ao contrário, a crise costuma ser por excesso, por abundância. Podem ocorrer crises de subprodução, mas a superprodução é a regra regular (de 10 em 10 anos, mais ou menos).
Veja-se melhor: a crise é de superprodução de capitais, capitais em demasia, não grandes quantidades de mercadorias acumuladas na circulação e no mercado; a superprodução de mercadorias é consequência da superprodução de capitais.
Para o marxismo, trata-se de um ótimo argumento afirmar que o sistema capitalista é irracional porque causa fome e desemprego por meio da própria abundância. No entanto, sendo mais rigorosos, o processo ainda é mais complicado e dinâmico. A crise de superprodução de capitais, como entre capitais que produzem o produto final, não matéria-prima etc., atua junto ou como causa de uma crise de subprodução, não superprodução.
Assim, a produção de matéria-prima, pela própria natureza do valor de uso (cereais etc.), não consegue crescer a contento, a tempo, logo há inflação de tal custo para muitas das empresas (subprodução). A produção de novos trabalhadores, a reprodução humana, também está muito abaixo da necessidade do capital em superprodução – os salários sobem por isso (subprodução de força de trabalho).
Enfim, a produção e a circulação de dinheiro encontram limites, logo há elevação dos juros (subprodução). Eis três modos de corroer o lucro de ao menos parte da burguesia, o que produz crise. A produção também produz crise, sua própria quebra.
Assim, a crise de superprodução é, também, uma crise de subprodução – via de regra. Unidade dos opostos – pura dialética! Mesmo em tempos de superprodução geral e crônica, isso afirma-se como lei capitalista relativa.
Demonstramos que a educação dialética do raciocínio permite entender a crise do capital. Para cada ponto levantado, ativamos um aspecto fundamental do pensamento dialético. Quem separa Marx da dialética faz uma falsificação, produz um marxismo “marxiano” pessoal, põe na letra do Mouro suas próprias convicções. Não é um problema ter coragem de dizer que Marx estava errado (e ele poderia errar). No entanto, apresentamos provas científicas de que a dialeticidade permite a essencial compreensão do capitalismo e, em especial, de suas crises.
*João P. Pereira é graduando em filosofia na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
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