A chacina do Guarujá

Christine Borland, gêmeos fantasmas, 1997
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Por LUIS FELIPE MIGUEL*

Violentas e corruptas, as polícias são singularmente incompetentes em desempenhar as tarefas às quais seriam destinadas

O governo paulista reconheceu 8 mortos, embora se fale em 10, 12 ou mesmo 19. Familiares das vítimas apontam sinais de tortura e execução. Mas Tarcísio de Freitas já se antecipou: “não houve excesso”. Também declarou estar “extremamente satisfeito com a ação da polícia”.

A Rota empreendeu a operação como vingança pela morte de um soldado. A imprensa noticiou que os policiais teriam ameaçado assassinar pelo menos 60 moradores como represália.

É o modus operandi da Rota – em 2015, promoveu uma chacina com 23 mortos para vingar as mortes de um PM e de um guarda civil municipal. Só que esse tipo de ação é coisa de bandos mafiosos, não de força policial.

Por mais justa que seja a indignação pela perda de um colega, a polícia existe para proteger a população e para identificar e prender criminosos, não para promover banhos de sangue.

Ainda que os “suspeitos” fossem todos realmente suspeitos, a violência policial não seria justificada. Mas, como todos sabem, nem isso são.

Há mais de 50 anos, a Rota é sinônimo de truculência. Suas vítimas são contadas na casa dos milhares. Mas sua diferença em relação ao padrão médio das polícias brasileiras é de quantidade, não de qualidade.

(Outro dia vi um vídeo de humor, não lembro a fonte, em que dois estrangeiros se submetem a um quiz para saber o quanto conhecem do Brasil. Uma das perguntas é “Qual é a gangue mais violenta das cidades brasileiras?” A resposta correta é “Polícia Militar”. Humorístico, mas tristemente preciso.)

Para a extrema direita, a violência policial é um valor a ser preservado. A chacina no Guarujá não é suficiente: a bancada da bala quer carta branca para matar. Pedem a retirada das câmeras dos uniformes.

Violentas e corruptas, as polícias são singularmente incompetentes em desempenhar as tarefas às quais seriam destinadas. Num círculo vicioso particularmente perverso, a falência da segurança pública turbina discursos favoráveis à violência policial. A mesma população que corre o risco de ser morta pela polícia é levada a aplaudir seus excessos.

O discurso cínico de Tarcísio de Freitas não é impensado. Ele sabe a que público está agradando quando avaliza a chacina do Guarujá.

*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica).

Publicado originalmente nas redes sociais do autor.


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