A economia favorece a reeleição?

Imagem: Paulinho Fluxuz_
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

A barbárie tem chances, sim, de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais

Há pouco mais de um mês, publiquei aqui um artigo com título dramático: “Hora de partir para a jugular!”. Argumentei que Bolsonaro vive seu pior momento, mas pode se recuperar e disputar com grande chance a reeleição. E que cabe, portanto, derrubá-lo agora, na sua fase de maior fraqueza. Desde que o artigo foi publicado, as possibilidades de recuperação do governo ficaram mais evidentes. Já não vejo quase ninguém se animando a dizer, como muitos antes diziam, que o presidente nem chega ao segundo turno das eleições do ano que vem.

Isso é uma pena, claro, mas temos que ser realistas. Quero retomar a discussão hoje, concentrando-me nos aspectos econômicos, sem repetir os argumentos do artigo anterior.

A recuperação da economia brasileira

As evidências vêm-se acumulando de que a economia está tomando impulso, apesar da segunda onda da epidemia. Isso resulta de uma combinação de fatores. Do exterior vem o aumento da demanda externa por exportações brasileiras, liderado pelo rápido crescimento das duas maiores economias do mundo, a dos Estados Unidos e, sobretudo, a da China. Ligado a isso, e em especial à expansão chinesa, temos um ciclo de alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil e, em consequência, melhora pronunciada dos nossos termos de troca. O real depreciado também contribui para o aumento das exportações.

No plano interno, as indicações são de que, com muito custo e sofrimento, as empresas e os indivíduos – mais um exemplo da criatividade que caracteriza o brasileiro – se adaptaram à pandemia, o que também favorece certa recomposição da atividade econômica. Além disso, e a despeito da alta recente da taxa básica de juro administrada pelo Banco Central, a atividade parece responder, com defasagem, à diminuição dos juros iniciada em meados de 2019. Quanto à política fiscal, parece provável que ela acabe sendo, na prática, bem menos restritiva do que anunciava ou desejava a equipe econômica do governo. Pode até ocorrer expansão fiscal na segunda metade do ano. E não se deve descartar que uma avaliação a posteriori da política fiscal, baseada por exemplo na variação do déficit primário ajustado para excluir efeitos cíclicos, venha a indicar neutralidade ou até certo impulso em 2021. Por essas razões e outras, houve reavaliação geral para melhor das previsões de crescimento do PIB neste ano. Já há quem projete 5% ou mais.

Observo, de passagem, que esse crescimento nada tem a ver com as reformas estruturais cantadas em prosa e verso pelo mercado, pela mídia corporativa e pelo ministro Paulo Guedes. Não só porque elas têm avançado relativamente pouco (e ainda bem porque o governo e o Congresso as têm formulado de modo altamente questionável, para dizer o mínimo), mas também porque muitas delas têm impacto duvidoso em termos de reativação. Por exemplo, o “efeito confiança” sobre o investimento privado, via diminuição de juros de longo prazo, é incerto e, na melhor das hipóteses, pequeno, podendo ser neutralizado por efeitos contracionistas sobre a demanda de algumas dessas reformas.

A recuperação não é espetacular

Bem sei, leitor, que a recuperação em curso está longe de espetacular. Ela se concentra, por enquanto, no setor primário exportador (agropecuária e extrativa mineral). Indústria e serviços continuam fracos. A economia apenas voltou ao nível pré-pandemia, que era, recorde-se, um nível deprimido após seis anos de recessão ou crescimento medíocre. Grande parte do crescimento do PIB em 2021 (ano calendário sobre ano calendário) deriva de uma herança estatística e o crescimento ao longo do ano será bem menor do que sugere a taxa interanual. As projeções para o PIB em 2022 ainda são modestas – em torno de 2 a 2,5%, segundo levantamento semanal do Banco Central.

Pode-se questionar se resultados como esses realmente ajudarão o governo do ponto de vista político. Tanto mais que – e esse ponto é crucial – o mercado de trabalho continua desastroso. O desemprego alcançou níveis recordes e os salários reais sofrem com isso e com o efeito corrosivo da alta da inflação, provocada por choques de oferta (câmbio, commodities, energia elétrica). Também não se pode descartar que ocorram novos choques adversos com efeitos sobre PIB, emprego e/ou inflação. Por exemplo, um apagão no fornecimento de energia elétrica. Ou uma terceira onda destrutiva da pandemia.

O adversário tem munição econômica

Apesar disso, é mais realista, acredito, admitir que o quadro econômico geral evoluirá de forma positiva até as eleições de 2022, favorecendo a reeleição do presidente. Feita a ressalva de que previsões em economia estão sempre sujeitas a chuvas e trovoadas, diria que a inflação deve ceder, a expansão da atividade econômica deve provavelmente continuar e pode até ganhar ímpeto, propiciando com alguma defasagem a recuperação do emprego.

Um fator fundamental é o avanço da vacinação, ainda que com atraso verdadeiramente criminoso. Outro – menos comentado –, a expansão do gasto público daqui até a eleição.

Não quero, leitor, espalhar desânimo, mas creio que é preciso reconhecer que o governo terá munição para promover uma política fiscal relativamente flexível e, em especial, a ampliação expressiva do programa Bolsa Família, com forte impacto eleitoral. Essa é uma das razões, como indiquei acima, para rever para cima as projeções de crescimento do PIB. A afirmação talvez surpreenda, uma vez que contraria o discurso dominante no Brasil, inclusive o da equipe econômica do governo, de que “o Brasil está quebrado”, “O Estado faliu”, “precisamos de urgente consolidação fiscal” etc. Acontece que esse discurso alarmista nunca teve fundamento, como eu e outros economistas temos explicado repetidamente nos anos recentes.

Há um fator específico que ajuda o governo. O teto constitucional de gastos é reajustado em termos nominais, a cada ano, pela inflação acumulada em doze meses até junho do ano anterior. O teto para 2022 será corrigido com a inflação no pico. Como será que o governo usará esse espaço? Pergunta ingênua, claro. O ministro Paulo Guedes vem dando a pista em repetidas declarações. Disse, por exemplo, que o PT mereceu ganhar quatro eleições porque fez o Bolsa Família. Disse, também, que admite prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses como ponte para um novo e ampliado Bolsa Família. Imagine, leitor, o impacto político de um programa de transferência de renda turbinado – e talvez rebatizado para que Bolsonaro possa chamá-lo de seu!

Se houver dificuldades com o teto de gastos ou com algum outro obstáculo legal, alguém duvida que se encontrará um jeito de contorná-los? Na briga entre a luta pela reeleição e eventuais escrúpulos fiscais da equipe econômica ou do mercado financeiro quem será que leva a melhor?

Um apelo ao leitor

Por esses e diversos outros motivos, também de natureza não-econômica e não abordados neste artigo, é que se deve admitir que a barbárie tem chances, sim, de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais. Não é à toa que venho dizendo e repetindo: é hora de partir para a jugular!

Admitindo-se que não haja nenhum bolsominion extraviado nesta coluna, posso terminar com um pedido ao meu querido leitor ou leitora? Salvo por motivos realmente extraordinários, não deixe de fazer a sua parte e comparecer à manifestação no dia 19 de junho e às que se seguirão! Não é hora de preguiça e pequenas covardias. Não é hora de ficar em casa, angustiado, protestando nas redes sociais ou se lamuriando com amigos e família. Tome todas as precauções sanitárias e compareça.

E vista preto em sinal de luto pelas quase 500 mil vítimas da Covid-19. Preto, não vermelho. As manifestações – e creio que as lideranças sabem disso – devem ser amplas, transcendendo a esquerda e incluindo todos que se opõem à barbárie.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata (LeYa).

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 11 de junho de 2021.

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES