As novas indicações para o Banco Central

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

O Banco Central deve aceitar passivamente as expectativas do mercado e seus efeitos sobre os juros longos?

Posso falar do Banco Central mais um pouco? Prometo, querido leitor, mudar de assunto na próxima coluna. É que há motivo para insistir no assunto hoje: o governo finalmente anunciou os dois novos nomes para a diretoria do Banco Central (BC), exercendo prerrogativa legal do Presidente da República. A demora foi mais longa do que se poderia esperar, pois os mandatos dos diretores que estavam de saída venceram no fim de fevereiro. Em todo caso, está feito. Foram indicados Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária e Aílton de Aquino Santos para a diretoria de fiscalização. Os nomes seguem para apreciação do Senado.

Não quero discutir as qualidades e a biografia dos indicados, mas sim situar as indicações no quadro mais amplo do BC e do seu Comitê de Política Monetária (Copom). A pergunta que cabe fazer é a seguinte: eles conseguirão fazer diferença na condução da política monetária?

Há uma certa esperança de que poderão fazer alguma diferença. O próprio Presidente da República deve estar na expectativa de que os diretores indicados por ele tragam ventos novos a um Banco Central amarrado a uma política monetária bem discutível, para dizer o mínimo.

A relutância em rever a política de juros estratosféricos causa perplexidade. Só recebe aplausos na Faria Lima e da parte dos super-ricos, os principais detentores de riqueza financeira. Com essa política, o Brasil se constitui, como se sabe, em verdadeiro paraíso dos rentistas. Onde, pergunto, existe a oportunidade de aplicar em títulos públicos e outros ativos financeiros, usufruindo, ao mesmo tempo, de alta rentabilidade, liquidez e risco de crédito baixo? Não é por outra razão que Roberto Campos Neto, quando aparece na Faria Lima para palestras ou reuniões, encontra a acolhida eufórica que só um Messi recebe quando entra em campo. A diferença é que Messi é um supercraque e Campos Neto, nem tanto.

Mas não quero resvalar para ataques ad hominem. Campos Neto não é essencialmente diferente de alguns dos seus antecessores na presidência do Banco Central, Ilan Goldfajn ou Henrique Meirelles por exemplo, como ele fiéis e monótonos servidores da turma da bufunfa. O Brasil só sairá do subdesenvolvimento, volto a dizer, quando figuras desse naipe deixarem de ser celebrados e considerados como referências.

Campos Neto domina amplamente, pelo que se sabe, as reuniões da diretoria do Banco Central e do Copom. Os demais diretores, menos expressivos ao que parece, não conseguem fazer face a ele. Isso abre uma janela de oportunidade para os dois novos diretores. Se quiserem inovar, terão de polemizar com apenas um, e não com um grupo de integrantes do Copom. É verdade que esse “um” é o presidente da instituição, mas o desafio seria maior se outros diretores também tivessem voz ativa.

Tudo depende, é claro, do ânimo dos novos diretores. Que caminho seguirão? O mais fácil, regiamente recompensado pelo mercado, é somar-se pacifica e bovinamente ao “consenso” que sustenta a política de juros elevados. O diretor que o fizer será acolhido como membro “responsável” e “confiável” da comunidade financeira.

A mídia tradicional, amplamente financeirizada, dará repercussão pronta e vasta a seus pontos de vista, por mais triviais e inofensivos que possam ser. Terminada a sua passagem pelo Banco Central, ele terá ofertas de empregos confortáveis e bem-remunerados na Faria Lima e adjacências. E deixará o campo sob aplausos calorosos do mercado e da mídia. O roteiro que acabo de resumir é conhecido – e tentador.

O caminho mais árduo, menos recompensador, é questionar, exercer o espírito crítico. Há diversas maneiras de fazê-lo. Vejamos algumas.

O Banco Central é bem opaco quanto aos modelos que fundamentam, ou ajudam a fundamentar, suas decisões de política monetária. Esses modelos são usados para identificar a taxa de juro consistente com as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Respondem, em outras palavras, à seguinte pergunta: qual a taxa de juro requerida para forçar a inflação a convergir para as metas? Poderiam os novos diretores, especialmente o de política monetária, sair da zona de conforto e examinar com cuidado esses modelos, avaliando se são aceitáveis ou não.

Modelos macroeconômicos nunca são a única referência usada pelo Banco Central para definir os rumos da política monetária, nem no Brasil nem em parte alguma. Se os novos diretores pretendem ser mais do que vaquinhas de presépio, terão de examinar com lupa não só os modelos, mas também os outros elementos que fundamentam as decisões do Copom, em especial as variáveis construídas pelo próprio Banco Central. Isto inclui, por exemplo, as desagregações dos índices de preços, os núcleos de inflação, os critérios utilizados para aferir as expectativas de inflação, além dos indicadores correntes e antecedentes dos níveis de atividade econômica e emprego.

Outro ponto espinhoso, raramente discutido: como se formam as expectativas de inflação e qual o papel do Banco Central na sua formação? O Banco Central deve aceitar passivamente as expectativas do mercado e seus efeitos sobre os juros longos? Ou deve atuar para influir sobre elas e operar ao longo da curva de juros, como têm feito os bancos centrais de países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008-2010?

Os novos diretores também deveriam, no meu entender, debruçar-se sobre uma questão básica: convém rever as metas de inflação? Tem base a afirmação sempre repetida pelo atual presidente do Banco Central de que um aumento da meta em nada ajudaria a praticar juros mais civilizados? O argumento dele, in nuce, é que a revisão da meta levaria a um aumento pro tanto da inflação esperada, forçando o Banco Central a continuar praticando juros elevados. Parece frágil essa suposição. Mesmo que a inflação esperada aumente, pressionando os juros nominais, a flexibilização das metas deve permitir uma diminuição dos juros reais. O tema é polêmico, mas o que se espera dos novos diretores é disposição de levantar dúvidas sobre essa e outras teses dominantes no Banco Central.

Paro por aqui. Os diretores novos, como os demais, estão protegidos por mandatos fixos, de acordo com a lei de autonomia do Banco Central. Estão, assim, relativamente a salvo das insatisfações do governo e do presidente da República que os indicou. Isso os faria pender para os dogmas e interesses da Faria Lima? Veremos.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 19 de maio de 2023.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Paulo Martins Eugênio Trivinho Valerio Arcary Antonio Martins Airton Paschoa Gerson Almeida Francisco Fernandes Ladeira Chico Alencar Ricardo Musse Ronaldo Tadeu de Souza Lorenzo Vitral Jean Pierre Chauvin Eugênio Bucci Renato Dagnino Marcus Ianoni Carlos Tautz André Singer Chico Whitaker Ladislau Dowbor José Machado Moita Neto Milton Pinheiro João Carlos Loebens Leonardo Sacramento José Luís Fiori Ricardo Antunes Alysson Leandro Mascaro Slavoj Žižek Matheus Silveira de Souza Ari Marcelo Solon Ronald León Núñez Samuel Kilsztajn Luis Felipe Miguel André Márcio Neves Soares Sergio Amadeu da Silveira Marilena Chauí Liszt Vieira Salem Nasser Daniel Costa Marjorie C. Marona João Feres Júnior Yuri Martins-Fontes Leda Maria Paulani Eleutério F. S. Prado Anselm Jappe Daniel Afonso da Silva Luiz Werneck Vianna Luiz Renato Martins Leonardo Boff Jorge Luiz Souto Maior Eleonora Albano Francisco Pereira de Farias José Costa Júnior Carla Teixeira Paulo Nogueira Batista Jr Kátia Gerab Baggio João Adolfo Hansen Celso Favaretto Henri Acselrad João Paulo Ayub Fonseca Fábio Konder Comparato Dênis de Moraes Daniel Brazil Alexandre Aragão de Albuquerque José Dirceu Jorge Branco Eduardo Borges Leonardo Avritzer Manchetômetro Marcos Aurélio da Silva Luiz Carlos Bresser-Pereira Ronald Rocha Otaviano Helene Paulo Fernandes Silveira Marcelo Guimarães Lima Marcos Silva Jean Marc Von Der Weid Benicio Viero Schmidt Antonino Infranca Paulo Capel Narvai Elias Jabbour Tadeu Valadares Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Fabbrini Boaventura de Sousa Santos Maria Rita Kehl Lincoln Secco Berenice Bento Ricardo Abramovay Armando Boito Manuel Domingos Neto Bruno Fabricio Alcebino da Silva Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Bento Prado Jr. Tales Ab'Sáber Luciano Nascimento Fernão Pessoa Ramos Alexandre de Freitas Barbosa Vinício Carrilho Martinez Thomas Piketty Alexandre de Lima Castro Tranjan Marilia Pacheco Fiorillo João Carlos Salles Tarso Genro Paulo Sérgio Pinheiro Osvaldo Coggiola Mariarosaria Fabris Andrés del Río Heraldo Campos Walnice Nogueira Galvão Antônio Sales Rios Neto Mário Maestri Rodrigo de Faria Everaldo de Oliveira Andrade Valerio Arcary Celso Frederico Bernardo Ricupero Gabriel Cohn Andrew Korybko Igor Felippe Santos Luís Fernando Vitagliano Luiz Eduardo Soares Dennis Oliveira Flávio Aguiar Vladimir Safatle Luiz Bernardo Pericás Henry Burnett José Raimundo Trindade Claudio Katz Vanderlei Tenório Denilson Cordeiro Bruno Machado Caio Bugiato Francisco de Oliveira Barros Júnior Julian Rodrigues Eliziário Andrade Afrânio Catani Priscila Figueiredo Remy José Fontana Gilberto Maringoni Annateresa Fabris João Sette Whitaker Ferreira José Geraldo Couto Michael Löwy Plínio de Arruda Sampaio Jr. Marcelo Módolo Luiz Marques Atilio A. Boron Rubens Pinto Lyra Juarez Guimarães Michel Goulart da Silva Rafael R. Ioris Luiz Roberto Alves Fernando Nogueira da Costa Gilberto Lopes Érico Andrade José Micaelson Lacerda Morais João Lanari Bo Michael Roberts Sandra Bitencourt Flávio R. Kothe

NOVAS PUBLICAÇÕES