A irracionalidade da guerra às drogas – II

Imagem: Aphiwat Chuangchoem
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Por MARCOS FERREIRA DE PAULA

A posição mais racional diante do problema das drogas ilícitas é defender e legalizar todas elas

Guerra às drogas, milícias e a eleição de Jair Bolsonaro

Na guerra às drogas, os governos realizam gastos estratosféricos com prisões, policiamento e armas (o tema da “indústria das armas” e sua relação com o narcotráfico, aliás, mereceria todo um capítulo à parte). Para justificar a guerra e os gastos que ela envolve, alimentam a condenação moral das drogas. Sentem-se então livres e autorizados para executar a guerra. No Brasil, a maior preocupação dos policiais não é matar alguém durante uma operação; o problema é se a pessoa não era um traficante. Se for traficante, tudo bem – a mídia entenderá, a sociedade aceitará, e a guerra continua.

Mas os gastos gigantescos, o aumento da produção e do consumo de drogas, e o custo social das mortes – revolta, ressentimento –, a corrupção de policiais, funcionários públicos, políticos e empresários não encerram ainda todos os efeitos da guerra às drogas. Ela também elege governantes. Na Colômbia, ficaram famosas as ligações entre o narcotráfico e as eleições dos inícios dos anos 1990: enquanto o Cartel de Medellín era destruído e Pablo Escobar era morto em 1993, o Cartel de Cáli, chefiado então pelos irmãos Miguel e Rodríguez Orejuela, tratava de financiar as candidaturas de vários políticos de seu interesse.

No Brasil, a guerra às drogas teve também como efeito, em 2018, a eleição de um presidente da República, Jair Bolsonaro, e vários governadores de extrema direita como Wilson Witzel no Rio de Janeiro. Nas eleições brasileiras, entretanto, a relação causal entre uma coisa e outra não é tão explícita. Entre a guerra às drogas e a eleição de Bolsonaro existem algumas mediações. A principal delas talvez seja o fenômeno das milícias.

Historiadores, sociólogos, antropólogos ou jornalistas, ao tentarem compreender melhor a ascensão do neofascismo no Brasil e a chegada da extrema direita ao poder nas eleições de 2018, certamente não poderão desconsiderar a guerra às drogas como um dos principiais fatores explicativos. Vejamos algumas conexões.

Repetimos o tempo todo que o Brasil talvez seja o país mais desigual do mundo. Temos muito dinheiro, estamos ainda entre as maiores economias capitalistas do mundo, mas a renda é extremamente mal distribuída. Trabalhadores e trabalhadoras não precisam ler O capital de Karl Marx para sentir que estão sendo explorados, para viver na pele e no dia a dia a injustiça social. A extrema desigualdade gera então revolta, ressentimento e violência. E a maneira como quase sempre se lida com tudo isso, no Brasil, é a violência empregada por agentes do Estado, particularmente as polícias e as forças armadas. Assim, antes mesmo da política pública de guerra às drogas, o país já vivia uma crise social que em geral é tratada como caso de polícia.

A ditadura militar, que vigorou entre 1964 e 1985, deixou entre seus legados os chamados “esquadrões da morte”, grupos de extermínio que agiam à margem ou fora da lei, realizando crimes de execuções e torturas, com a justificativa de acabar com a violência e a desordem nos bairros mais pobres. Toda essa história, inclusive a que contamos a seguir, está excelentemente narrada no livro A República das Milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro (Todavia), do pesquisador e jornalista Bruno Paes Manso. Quando, em 1988, o país criou uma nova Constituição, esses grupos passaram a atuar numa ilegalidade e ilegitimidade ainda maior do que antes.

Mas sua atuação agora já não era um bom negócio: com o fim da ditadura, a sociedade civil e suas instituições passaram a ter mais força, e o Estado já não podia fazer vistas grossas aos policiais e ex-policiais que atuavam fora da lei fazendo justiça com as próprias mãos, inclusive ganhando para isso: cobravam para matar. E então muitos desses grupos tiveram que desaparecer. Muitos, mas não todos: alguns deles se transformaram em milícias, particularmente no estado do Rio de Janeiro.

Quando a guerra às drogas se instalou de fato nos anos 1990, o aumento da violência tornou a vida nas favelas e nos bairros pobres das grandes cidades brasileiras ainda mais insuportável. À violência dos traficantes somava-se agora a violência policial resultante da guerra. E como a guerra era – e tem sido – um grande fracasso, a violência da guerra não resolvia o problema e o aumentava. Foi assim que nasceram as milícias: elas surgiram para trazer a paz aos moradores. Uma vez que o próprio Estado não era capaz de garantir, dentro da lei, a paz e a segurança nos territórios mais pobres, grupos de agentes do estado – policiais, ex-policiais, agentes penitenciários e bombeiros militares – começaram a criar as milícias privadas para atuar às margens da lei e da Constituição, com o objetivo de trazer a paz a esses territórios. E como o culpado pela violência era o narcotráfico, as milícias nasceram com um forte discurso que se mantém até hoje: “combater o tráfico”, acabar com os traficantes.

Na verdade, as milícias são um fenômeno de privatização da segurança pública. Se os grupos de extermínio cobravam para matar por encomenda, as milícias nasceram cobrando taxas de serviço de segurança aos comerciantes locais, garantindo que eles não seriam assaltados. No Rio de Janeiro, estes grupos eram chamados inicialmente de “polícia mineira”, uma expressão que designava um tipo de polícia corrompida. Da segurança dos comerciantes, estes grupos ampliaram seus serviços a todos os moradores, passando a cobrar deles taxas pelos serviços prestados.

À medida que esses seguranças privados se ampliavam e se fortaleciam, passavam a cobrar todo tipo de taxa, como aluguel, venda e compra de imóveis, e instalação clandestina de TV e internet a cabo, além de assumirem o monopólio da venda de gás de cozinha. Nasciam assim as milícias tal como conhecemos hoje. Um estudo exploratório de 2008 realizado pela Fundação Heinrich Böll em pareceria com o LAV (Laboratório de Análises da Violência) da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) descrevia o que eram as milícias:

Compostos, a princípio, por policiais e outros agentes do estado, estes grupos começaram a dominar de áreas previamente controladas por narcotraficantes. Em muitos casos, os moradores e os comerciantes pagavam uma taxa em troca da suposta proteção. A iniciativa provocou uma controvérsia intensa. Um número significativo de pessoas públicas, encabeçadas pelo prefeito da cidade, se manifestaram com discursos de justificação da iniciativa, quando não de apoio aberto, considerando que as ‘milícias’ eram uma reação de policiais que moravam naqueles locais com a intenção de ‘liberar’ as populações submetidas pelo narcotráfico.[1]

No entanto, sob o pretexto de levar a paz às comunidades pobres, as milícias levaram uma outra guerra. Sob vários aspectos, a presença das milícias tornava a vida das pessoas ainda pior do que sob a guerra ao narcotráfico. No relatório de 2008 que acabamos de citar, os pesquisadores não deixaram de observar a dificuldade de entrevistar os moradores, mesmo sob estrito sigilo, porque eles temiam represálias dos milicianos. Em 2011, num outro relatório, também da Fundação Heinrich Böll e do LAV-UERJ, os pesquisadores frisavam que a situação era ainda pior. E escreveram: “É mais fácil estudar o tráfico de drogas do que milícias. O clima de intimidação nestas áreas é intenso, como revelam não apenas as recusas, mas também muitas das falas que finalmente obtivemos”.[2]

E, de fato, a face mais cruel das milícias ficou conhecida da população do país em maio de 2008, quando dois repórteres do jornal carioca O Dia foram sequestrados e torturados física e psicologicamente por milicianos, na favela do Batan, zona oeste do Rio, apenas porque tentavam fazer em sigilo uma matéria sobre a atuação das milícias no bairro. Desde então, as milícias passaram a ser vistas como aquilo que realmente são, grupos armados atuando à revelia da lei. Maio de 2008 foi um marco, um ponto de inflexão na história das milícias: “O que se alastrara por anos nas regiões mais periféricas da cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense e que aterrorizava o cotidiano de cada vez mais pessoas, virou finalmente um caso notório, levando, entre outras ações, à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, naquele mesmo ano”.

A CPI, coordenada pelo deputado do PSol (Partido Socialismo e Liberdade) Marcelo Freixo, descobriu muitos crimes e indiciou muita gente envolvida, inclusive diversos parlamentares eleitos, além de policiais, ex-policiais e civis. Alguns foram presos, e as milícias sofreram uma maior repressão, de tal forma que mesmo algumas lideranças que não foram presas tiveram suas atividades bloqueadas.

As grandes mídias corporativas retomaram então o discurso de guerra às drogas – compreensível, pois se as milícias deviam sair, a guerra “legal” contra os traficantes deveria “voltar”. As milícias, contudo, não deixaram de existir, apenas passaram a atuar de forma mais discreta: são menos ostensivos, controlam menos os acessos de entrada e saída das favelas, expõem-se menos. Mas continuam igualmente violentos e tirânicos. E embora sua estrutura tenha sido abalada após 2008, com algumas lideranças presas e perda de mandatos políticos de seus integrantes eleitos, as milícias continuavam economicamente fortes, em 2011. Essas eram algumas das conclusões do relatório do LAV-UERJ, há mais de dez anos…

Jair Bolsonaro, como se sabe, sempre foi um defensor das milícias, e as defendias publicamente, inclusive em seus pronunciamentos na Câmara dos Deputados em Brasília. Ninguém dava muita atenção – era o “louco dos PM’s” e dos militares, um sujeito de extrema direita, o que sobrara dos porões da ditadura, um ex-militar do exército que parecia não oferecer perigo, tão bizarras eram suas falas. Mas na defesa pública das milícias, Bolsonaro não estava sozinho: alguns governadores, prefeitos, deputados e vereadores faziam coro com ele. O motivo pelo qual defendiam as milícias era sempre o mesmo: a população local, incluindo policiais que moravam nos bairros, estava realizando uma “autodefesa comunitária”, na expressão de um prefeito do Rio, contra a violência dos traficantes.

Contudo, após 2008 e a CPI daquele ano, foi ficando cada vez mais claro que as milícias eram organizações criminosas com participação de agentes do Estado, sobretudo policiais, e que eram tão ou mais violentas e tirânicas quanto os chefes do narcotráfico. Mas há mais: “O prego final no caixão do mito da milícia como uma cruzada de libertação do narcotráfico acontece quando comprovamos que, em alguns casos, a própria milícia controla o tráfico de drogas de forma mais ou menos indireta, como uma forma de aumentar sua renda”.[3]

O dinheiro corrompe. Mas os milicianos já nasceram corrompidos, com suas práticas de justiça pelas próprias mãos, de segurança privada ilegal para comerciantes locais e de cobranças de taxas de moradores pelos serviços de proteção. Daí para a associação com os traficantes locais foi um passo. Droga dá muito dinheiro, e foi sempre isso o que os milicianos buscavam.

Hoje em dia quase todo mundo sabe que Jair Bolsonaro e seus três filhos têm ligações diretas ou indiretas com as milícias, particularmente as de Rio das Pedras, bairro que é considerado berço do fenômeno das milícias. Essa ligação ficou mais clara no final de 2018, logo depois da eleição de Bolsonaro, quando se descobriu que um ex-assessor de seu filho Flávio Bolsonaro estava sendo investigado por crime de corrupção. Tratava-se de Fabrício Queiroz, um ex-policial ligado ao “Escritório do Crime”, nome da organização miliciana de Rio das Pedras, curral eleitoral dos Bolsonaro. Suspeita-se que o Escritório do Crime esteja por trás do assassinato de Marielle Franco, então vereadora da cidade do Rio, e seu motorista, Anderson Gomes. Tudo isso ainda está sendo investigado, mas os indícios e evidências que ligam os Bolsonaro, as milícias e o assassinato de Marielle são fortes demais para que não se trabalhe nessa linha de investigação.

Em 2018, e isso nós também já sabemos, Jair Bolsonaro não era exatamente o candidato das classes dominantes econômicas, financeiras e midiáticas. Mas quando ficou claro que a sociedade estava polarizada entre uma candidatura de centro-esquerda, encabeçada por Fernando Haddad do PT, e a de extrema direita de Jair Bolsonaro, elas optaram (alguns discretamente) por esta última, em coerência com o antipetismo que as grandes corporações midiáticas vinham pregando há mais de dez anos no país, mas também em coerência com o projeto neoliberal que estas classes defendiam.

Jair Bolsonaro foi então favorecido por uma conjuntura específica, complexa, e há uma série de fatores que explicam sua ascensão ao poder. O fato é que com ele os milicianos, que já vinham tentando ocupar cargos executivos e legislativos, chegaram ao poder. E como as milícias estão muitas vezes associadas ao narcotráfico, não deixou de ser “simbólica” a prisão de um sargento da aeronáutica, flagrado com 39 kilos de cocaína no aeroporto de Sevilha, na Espanha.

Conhecemos a história: o sargento era um dos membros da comitiva de Bolsonaro que pousou em Sevilha num avião presidencial da FAB (Força Aérea Brasileira); a comitiva deveria seguir para o Japão, para participar de uma reunião do G-20. O sargento foi condenado a 6 anos de prisão e multa de 2 milhões de euros. Quando isso aconteceu, o governo de Jair Bolsonaro não completara ainda seis meses de mandato. Em menos de 18 meses de governo, Jair Bolsonaro já tinha mais de 30 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados. A sociedade começava a se dar conta do que significava eleger um representante miliciano do crime organizado.

Causalidade necessária e irracionalidade

A guerra às drogas não veio do nada e causa necessariamente diversos efeitos, certamente mais negativos do que positivos, mais maléficos do que benéficos. Corrupção, mortes, assassinatos, encarceramento em massa e aumento da produção, do comércio e do consumo de drogas – tais efeitos mostram que a guerra às drogas não só não elimina o problema do tráfico, mas o amplia ainda mais, criando novos e maiores problemas. Um deles pode ser o de contribuir para eleger presidentes da República ligados a milícias que nasceram também, em grande medida, como efeito da própria guerra. No caso de Jair Bolsonaro, seus efeitos negativos se estenderam a um país inteiro, com consequências devastadoras para a República e para a sociabilidade brasileira.

Faz então sentido um país gastar rios de dinheiro com políticas públicas como essa?

Despender enormes quantias do orçamento público para aumentar o problema que se quer combater, insistindo no mesmo caminho quando já estão claras sua ineficácia e contraproducência, isso tem um nome: chama-se irracionalidade.

Há menos de um século, o narcotráfico não era um problema. Maconha, cocaína e outras substâncias psicoativas não eram ilegais – mas a partir dos anos 1930, os Estados Unidos resolveram que eram. O problema não existia, ele foi criado. E essa é também uma história que vem sendo cada vez mais conhecida. Avançando cada vez mais na perseguição implacável a produtores, comerciantes e consumidores dessas substâncias, os Estados Unidos levaram ou coagiram a maior parte dos países a assinar acordos multilaterais para combater o demônio do narcotráfico e do uso de drogas.

Desde 1961, quando os países membros da ONU assinaram Convenção Única sobre Drogas Narcóticas, a guerra às drogas foi se intensificando ao longo dos últimos 50 anos. E o problema não foi resolvido, nem sequer diminuído – pelo contrário, ele só aumentou. Agora, está claro como a luz do dia que não há algo de errado com a política de guerra às drogas: elas é que são o próprio erro. Porque elas não combatem o mal: promovem-no, aumentam-no, fazem crescer o “monstro”, o “demônio” das drogas e do tráfico.

Mas poderíamos perguntar: qual seria então a solução? Política de redução de danos, descriminalização dos usuários etc.? Medidas assim não são ruins em si, pelo contrário. Mas talvez seja preciso tocar na ferida e desfazer um problema que foi criado para ser combatido, e ao ser combatido teve seu tamanho aumentado. Enquanto as drogas continuarem sendo proibidas e demonizadas, será sempre preciso combatê-las para cumprir a lei e para satisfazer posturas moralistas.

É verdade que a questão é complexa, mas vários países já estão se dando conta do infundado das guerras às drogas e seguindo por outro caminho. Um bom exemplo disso são os próprios Estados Unidos, onde tudo começou, mas onde vários estados já legalizaram e regulamentaram o uso medicinal e recreativo da maconha. A maconha corresponde a mais de 80% das substâncias psicoativas consumidas no mundo. Por isso, em O fim da guerra, Denis R. Burgierman, que viajou o mundo para conhecer outras formas de lidar com as drogas, argumentou corretamente que a legalização e regulamentação da maconha é um caso estratégico, se quisermos pôr fim à guerra às drogas.

O documentário Quebrando Tabu finaliza com esta frase: “Em 1971, os EUA declararam guerra às drogas. Quarenta anos depois, é hora de declarar paz”. Isso foi em 2011, quando o documentário foi lançado. No Brasil, quase dez anos se passaram e as políticas de segurança pública continuam insistindo em trilhar o mesmo caminho. É irracional – a não ser talvez para aqueles que ganham com ela (traficantes; empresários, políticos, policiais e juízes corrompidos; indústria das armas e de segurança privada). Foi também em 2011 que Denis R. Burgierman publicou O fim da guerra. Não foi por acaso que ele escolheu como epígrafe do livro esta famosa frase de Albert Einstein: “Insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”.

Insistir na guerra às drogas é uma insanidade que se prova pelos efeitos necessários de uma política pública que carrega as marcas da irracionalidade e da desumanidade.

Mas já sopram os ventos da legalização…

Em 2022, mapas da legalização nos EUA já mostravam que a maconha legalizada recobre mais de 85% do território estadunidense, em que pese as diferentes legislações de cada Estado, mais ou menos permissiva quanto aos dois principais tipos de uso da canábis (medicinal ou recreativo; a maior parte dos Estados que legalizaram permitem ambos os usos). O Canadá é o país mais avançado na questão: lá a maconha é totalmente legalizada em todo o território do país. No Brasil, a legalização avança, mas a passos lentos. Espera-se que o atual governo democrático e progressista retome seriamente a pauta, agora que o projeto reacionário e fascista do bolsonarismo foi derrotado nas urnas, embora não o tenha sido na sociedade.

É nesse sentido, de uma retomada da pauta da legalização e contra a guerra às drogas, que o atual ministro Silvio Almeida parece estar sinalizando. Em sua entrevista à BBC News Brasil além de apontar o “prejuízo mortal” que a guerra às drogas causa “à sociedade brasileira”, ele aponta para algo importante nesse debate: a necessidade termos o próprio Estado e a ciência como aliados na luta pela legalização das drogas. 

Pouca gente sabe, mas enquanto no âmbito do Estado uma ação que trata da descriminalização das drogas permanece parada desde 2015, no campo das ciências um passo importante foi dado já há mais de quatro anos. Contra a irracionalidade do proibicionismo que levou à guerra às drogas e ao aumento do narcotráfico, cientistas brasileiros resolveram se posicionar no debate. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC –, numa Assembleia Geral Ordinária ocorrida em julho de 2018 por ocasião da 70ª. Reunião Anual da entidade, seus sócios decidiram por unanimidade escrever uma moção com o título “Por uma política de drogas progressista e não proibicionista”. Os cientistas simplesmente decidiram tomar a posição mais racional diante do problema das drogas ilícitas: defenderam a legalização e regulamentação de todas elas, não apenas da maconha.

Pois é, cientistas… O documento foi publicado e enviado à presidência da República, ao Congresso Nacional, ao Supremo, à imprensa e a outros órgãos e instituições importantes do país – para que todos pudessem ouvir a voz da razão. É verdade que nem todos ouviram, e a voz dos cientistas tampouco parece ter chegado a todos os cidadãos e cidadãs do país. Tudo bem. Pois como disse Freud em O futuro de uma ilusão: “a voz do intelecto pode ser baixa, mas não descansa até ser ouvida”.[4]

*Marcos Ferreira de Paula é professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Para acessar o primeiro artigo da série clique aqui.

Notas


[1] Justiça Global (org.). Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008, p. 48.

[2] “No sapatinho”: a evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008-2011) / Ignacio Cano & Thais Duarte (coordenadores); KryssiaEttel e Fernanda Novaes Cruz (pesquisadoras). – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2012.

[3]Justiça Global (org.). Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008, p. 64.

[4] FREUD, S. O futuro de uma ilusão. Obras Completas, vol. 17. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 297.


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