A síndrome de Burnout

Imagem: Görkem Dalgıç
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por PAULO VITOR GROSSI*

Burnout: sintoma da máquina capitalista que consome humanos como “capital descartável”. Enquanto o mercado gera a doença, oferece curas superficiais em pílulas, sem escutar a raiz do sofrimento.
“Mas fomos criados desse jeito, como sair desse vício capitalista?”

Sim, é nesse contexto que a maioria de nós nasceu, praticamente todos, ou alguém aqui cresceu em outro sistema social? Acontece. Mas sim, o superego diz para consumir mais, ficamos totalmente aptos para isso devido a essa grande e contínua exposição ao sistema de capital. Achamos mais que normal o vício, a coisa de ter, assimilar em excedente, ou de forma customizada se um cliente assim pede. São os efeitos simbólicos do sistema capitalista a que devemos sobreviver. Toda essa narrativa do sofrimento é causada pelo mercado. As regras ditadas pelo mercado serão sempre atraentes, até quando fazem todas essas maldades com os trabalhadores, levando cada dia mais pessoas às terapias. O que o mercado vem e diz é que é fácil, é legal, digo, é legalizado te explorar nesse troca-troca insaciável. O mercado até acha que qualquer um consegue! Isso exclui o alcance de cada pessoa. Colocando a questão de outra forma, eles dão para tirar, e até na hora de oferecer uma cura é uma cura mercadológica, eu falo da dopação por antidepressivos. O Capitalismo gera a insatisfação das pessoas de uma maneira que beira o colonial, uma recolonização feita a base de remédios, para a seguir ofertar os paliativos dos males que eles mesmos criaram. Nesses casos é bom recordar que isso não exclui o problema, apenas o afasta, é tudo por hora, facilmente substituível. A psicoterapia indica que o que vem da mente precisa ser olhado e ouvido com o máximo cuidado, criteriosamente assistido para realmente entender a situação de cada sujeito; ou seja, o fato da medicina formal receitar todas essas pílulas antidepressivas sem entender a raiz dos transtornos dos indivíduos é bem leviano, precipitado, e tende a não gerar os resultados esperados pelos pacientes com seus conflitos, quando não a desenvolver outros quadros. Ou você já comprou algum remédio para o inconsciente? Não é uma crítica à indústria farmacêutica, todos sabemos das maravilhas da Medicina do século XXI, mas apenas um puxão de orelha pela extrapolação de indicações e receitas sem a devida investigação. A própria propaganda facilita o equívoco. Isso sem contar a automedicação, muitas vezes incentivada nos shorts e reels que recebemos todos os dias.

Essa forma de pensar e produzir valores capitalistas através da saúde física e mental das pessoas é muito instável. Cada Ser Humano precisa de atenção e cuidado, ser ouvido e ser visto de igual para igual. Todo raciocínio ajuda nesse momento.

“Fale mais dessa depreciação da gente humana, por gentileza.”

Incrivelmente aceito, há um cálculo bizarro de depreciação do capital humano, um mau uso das pessoas, dos trabalhadores enquanto o mercado de trabalho usa e descarta esses indivíduos sem o real cuidado que é próprio dos seres humanos verdadeiros. Somos todos pessoas! Falta respeito nessas relações. Falta tanto que beira a citação de muitos nomes que o autor seria proibido de dizer!

Culpas e cobranças acompanham os seres exaustos em vias de cair no Burnout, é uma consequência de como um sistema estressor molda esse Ser diante da impossibilidade de acompanhar um mundo que só admite a velocidade, relegando assim o ócio ao descrédito e tantos fatores de ordem moral. É duro bater tanto nessa tecla! Mas quem nunca foi recriminado por querer ficar sem fazer nada? Um empregado vira até acusador do outro! O que fazer com esses funcionários “incapacitados” pelo desgaste e sofrimento psíquico imposto pela exaustão? Pensamos no que fazer quando já aconteceu. É um tiro no escuro. Quem vai pagar essa conta? Isso depois de haver perdido sua autoestima, sua satisfação no trabalho. Até mesmo a Sociedade atua com seus preconceitos, rechaçando esses indivíduos, expondo sua fragilidade; dirão: “é porque ele é que não consegue”, “ela é que caiu doente”. De qualquer modo, todos são vítimas de um teor de distanciamento social, vítimas como que sugadas por esse sistema gerador de Burnout. Não é só uma palavra, é uma síndrome!

Sensação de fracasso parece um termo positivo, maduro? E esgotamento psíquico, remete a quê, algo benefício e construtivo para um futuro melhor? Dificilmente. Será que essa insensibilidade tem a ver com o gênero Humano? Humanos que são mamíferos, isso mesmo, pensem nas características que definem o Homo Sapiens. Se destrinchar o termo, “homem sábio” ou “homem que sabe”, aí temos um indicativo. Características cognitivas como racionalidade, autoconsciência, capacidade de raciocínio ou linguagem simbólica, inteligência, é a designação cientificamente aceita para o Homem moderno. Não bate em nada com a impessoalidade das fábricas. Entretanto, o indivíduo moderno não se diferencia das demais espécies do Reino Animal apenas pela presença disso tudo. O Homo Sapiens é também um mamífero, e mamíferos são animais endotérmicos, ou seja, mantêm a temperatura do corpo constante. Falo de calor porque calor é contato. Isso é fundamental. Sem esse fator mamífero vira aquele estranhamento, as pessoas não se reconhecem, chegando a desviar os olhos ao passar umas pelas outras na rua, na empresa.

Isso é descuido, pessoas não são engrenagens nem meros objetos, logo não devem de forma alguma ser tratadas desse jeito, jeito impessoal, longe. Você não precisa aceitar. Descuidar do convívio e da sociabilização é um perigo.

A exploração perpetuada por esse sistema neoliberal, sistema capitalista, ela nunca é justa. Descartar ou substituir pessoas, chamá-las de capital humano claramente não dá certo porque é antinatural, apenas uma ilusão pretensiosa criada há alguns séculos e que já não deveria ter vez neste século XXI. Não era hora de riscar a expressão capital humano do imaginário popular? O que ocorre é que a amarração foi muito bem feita, mentes ardilosas impuseram isso, e até hoje se admite essa, no mínimo, metodologia. Resta apenas por hoje a fuga das empresas que não se adequam ao manejo humanizado. Quem quer continuar? Você decide. E sabe por que você tem esse poder? Porque você é um dos que mantém esse molde, você que é a força de trabalho disseminadora. Sem você para abastecer as empresas, elas não se mantêm, e como isso pesa para eles! Melhor vai ser ter escolhas mais justas.

*Paulo Vitor Grossi é terapeuta neuropsicanalista.

Trecho do livro Síndrome de Burnout! análise de sintomas e tratamento (Editorial Presente, 2025).

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

O anti-humanismo contemporâneo
Por MARCEL ALENTEJO DA BOA MORTE & LÁZARO VASCONCELOS OLIVEIRA: A escravidão moderna é basilar para a formação da identidade do sujeito na alteridade do escravizado
Discurso filosófico da acumulação primitiva
Por NATÁLIA T. RODRIGUES: Comentário sobre o livro de Pedro Rocha de Oliveira
Desnacionalização do ensino superior privado
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Quando a educação deixa de ser um direito para se tornar commodity financeira, 80% dos universitários brasileiros ficam reféns de decisões tomadas em Wall Street, não em salas de aula
Cientistas que escreveram ficção
Por URARIANO MOTA: Cientistas-escritores esquecidos (Freud, Galileu, Primo Levi) e escritores-cientistas (Proust, Tolstói), num manifesto contra a separação artificial entre razão e sensibilidade
O sentido na história
Por KARL LÖWITH: Prefácio e trecho da Introdução do livro recém-editado
Guerra nuclear?
Por RUBEN BAUER NAVEIRA: Putin declarou os EUA "patrocinadores de terrorismo", e agora duas superpotências nucleares dançam na beira do abismo enquanto Trump ainda se vê como pacificador
Oposição frontal ao governo Lula é ultra-esquerdismo
Por VALERIO ARCARY: A oposição frontal ao governo Lula, neste momento, não é vanguarda — é miopia. Enquanto o PSol oscila abaixo dos 5% e o bolsonarismo mantém 30% do país, a esquerda anticapitalista não pode se dar ao luxo de ser 'a mais radical da sala'
Carta aberta aos judeus e judias no Brasil
Por PETER PÁL PELBART: “Não em nosso nome”. O chamado urgente aos judeus e judias brasileiras contra o genocídio em Gaza
Gaza - o intolerável
Por GEORGES DIDI-HUBERMAN: Quando Didi-Huberman afirma que a situação de Gaza constitui "o insulto supremo que o atual governo do Estado judaico inflige àquilo que deveria continuar sendo seu próprio fundamento", expõe a contradição central do sionismo contemporâneo
Poemas experimentais
Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: Prefácio do autor
Cães de guarda
Por EMILIANO JOSÉ: A Carabina Turca na redação da Folha de São Paulo
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES