Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*
O dilema brasileiro permanece: como construir soberania tecnológica quando o mercado de trabalho ainda reflete a lógica colonial do emprego precário e da informalidade estrutural?
1.
Estamos entrando no último ano do terceiro governo Lula e a aproximadamente dez meses das eleições presidenciais de 2026. O atual governo teve alguns importantes momentos para proposição de políticas econômicas e sociais alternativas, muito especialmente a taxação das grandes fortunas, a isenção do imposto de renda para quem recebe até cinco mil reais e a luta pela inconstitucionalidade da jornada de trabalho 6 por 1. Parece-nos que uma análise mais detida nos aspectos econômicos e que retirem algumas consequências táticas em termos de intervenção política se faz necessário.
Utilizamos os dados divulgados pelo IBGE em duas pesquisas diferentes (PIM e PNAD-C)[i] para estabelecer um quadro geral da conjuntura econômica e principalmente retratar elementos do mercado de trabalho, tanto para vislumbrar possíveis alterações no quadro social, quanto pensar a intervenção política no próximo ciclo.
Primeiro vale analisar os dados da Pesquisa Industrial Mensal, mesmo que o peso da indústria não tenha se alterado substancialmente, a despeito do projeto de “Nova Indústria Brasil”, porém sua significação sobre o emprego urbano e influência sobre os demais setores (serviços, agropecuária e construção civil) mantém-se como sinalizador do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) como um todo e, principalmente como um elemento que pode ou não sugerir alterações no quadro econômico de médio prazo.
O declínio da indústria nacional e sua recuperação já é um ponto de debate estrutural central, se tornando ainda mais relevante em função das grande alterações geopolíticas colocadas, algo expresso no próprio discurso estadunidense, tanto nos governos republicanos (Donald Trump) quanto nos democratas (Joe Biden e Kamalla Harris), portanto acompanhar esses dados são centrais para pensarmos possíveis saídas para o caso brasileiro e também como as políticas de geração de novos postos de trabalho industriais devem se colocar na centralidade do debate nacional em torno da soberania nacional tecnológica.
Assim, mesmo que o peso da indústria de transformação na composição do PIB tenha se reduzido nos últimos anos, de 20%, na década de 1980, para somente 14,4% em 2024, alterando a produção industrial podemos interferir com grande expressão no crescimento do PIB dos próximos anos e, principalmente, na geração de empregos de qualidade tecnológica superiores, estabelecendo uma agenda tanto de reindustrialização, quanto de organização das cadeias de produção nacionais. Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI, 2025)[ii] a manutenção de um mesmo padrão industrial tem dificultado uma retomada inovativa da indústria brasileira.
Nos “nove meses já cobertos pelas estatísticas do IBGE, a indústria não cresceu em cinco deles e nos demais meses, em geral, ficou perto da estabilidade”, sendo fundamental o fortalecimento de uma política de planejamento industrial de longo prazo para o país, o que aqui denominamos de fortalecimento da soberania nacional tecnológica.
2.
Os dados da PIM (Pesquisa Industrial Mensal) mostram desempenhos tímidos e que para podermos pensar um outro padrão industrial terão que ser alterados, uma tarefa central para se pensar um projeto de nação. Assim, se observam os seguintes parâmetros gerais, em comparação ao ano de 2024:
Indústria geral: +3,2% no 4º trim/24; +2,0% no 1º trim/25; +0,6% no 2º trim/25 e +0,5% no 3º trim/25; Bens de capital: +14,1; +4,6%; -2,2% e -2,4%, respectivamente; Bens intermediários: +2,9%; +1,4%; +3,0% e +2,5%; Bens de consumo duráveis: +17,1%; +11,4%; +5,6% e -1,2%; Bens de consumo semi e não duráveis: 0%; +1,2%; -5,3% e -3,1%, respectivamente.
Mesmo considerando a fragilidade apresentada nos dados é importante observar um certo comportamento positivo do setor de bens intermediários, havendo um parcial rompimento com o retrocesso duradouro do setor que tinham marcado o período que vai de 2015 a 2022. Segundo os dados do IBGE o setor responsável por fornecer insumos ao restante da economia cresceu no último bimestre 2,5%, porém a questão a ser observada é menos a magnitude do crescimento e mais a sua permanência que vêm ocorrendo nos últimos quatro intervalos trimestrais. Infelizmente não se observa esse comportamento em outro segmento chave: o de bens de capital.
Os dados da indústria podem ser cruzados com os dados de ocupação fornecidos pela última PNAD-C, sendo que no terceiro trimestre de 2025 (ago/out) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que a taxa de desocupação alcança o menor nível dos últimos cinco anos (5,6% ou 6,04 milhões de brasileiros), porém a taxa combinada de desocupação e subocupação da força de trabalho ainda se encontra muito elevada, próximo a 10% da força de trabalho potencial, ou algo em torno de 10,5 milhões de trabalhadores nesta dupla condição.
3.
Vale observar que a força de trabalho brasileira se torna crescentemente precarizada, isso em função tanto das contrarreformas dos últimos anos de neoliberalismo sanguinário (período Michel Temer/Jair Bolsonaro), quanto pelas novas tecnologias de plataforma (capitalismo de plataforma) que avançam em novas formas de informalidade e perdas de direitos sociais.
O número de trabalhadores empregados no regime de conta própria representa um número muito expressivo da força de trabalho total brasileira, sendo que neste terceiro trimestre de 2025 representa 25,27% de uma força de trabalho total de 102,43 milhões de trabalhadores, ou seja, algo em torno de 25,27 milhões de pessoas.
Esse elevado número se coaduna com as formas precárias de emprego que se estabelecem em um mercado de trabalho pouco estruturado e que apresenta elevada informalidade. Assim, os dados de trabalhadores na informalidade também continuam muito expressivos, o que denota uma característica estrutural da economia brasileira, por mais que tenha havido uma pequena redução na taxa de informalidade, mas ela se mantém elevada: em 2017 era de 40,2% (3° trimestre), em 2025 encontra-se em 37,8% (3° trimestre), o que representa aproximadamente 38,7 milhões de trabalhadores.
Os números da economia apontam que o atual governo conseguiu somente no limite estabilizar alguns dos aspectos mais críticos da economia brasileira: taxa de desocupação e taxa de inflação, porém ainda perdura uma incapacidade de alterar padrões estruturais que penalizam a sociedade brasileira e, muito especialmente, sua população trabalhadora.
Aqui vale ressaltar dois aspectos de não ruptura do governo Lula 3 em relação ao período imediatamente anterior que tornaram a gestão pública e a organização da sociedade brasileira piores, nos referimos a manutenção de um regime fiscal extremamente contracionista, que bloqueia a capacidade de expansão dos investimentos públicos, somente alterando muito tenuemente em relação ao regime de teto de gastos dos governos ultra neoliberais de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Do mesmo modo não foi realizado uma alteração qualitativa nos aspectos da legislação trabalhista, mantidas as regras espoliativas da LC 13.467/17, inclusive sem uma política de regulamentação necessária do trabalho de plataforma.
Interessa aos setores democráticos populares estabelecer, frente este cenário, uma política coordenada de intervenção que capitalize bandeiras sociais como a taxação dos mais ricos e a proibição de jornadas de trabalho espoliativas como a jornada 6 por 1, da mesma forma travar disputas na sociedade que empurre o governo Lula para posições mais reformistas, inclusive em termos de políticas industriais de longo prazo que organize um novo padrão de soberania nacional tecnológica.
*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de A disputa das ideias na atual conjuntura: Neoliberalismo, resistência e redes sociais (Edições AVL). [https://amzn.to/4sdcENq]
Notas
[i] PIM (Pesquisa Industrial Mensal) e PNAD-C (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar Contínua). O acesso para o acervo de dados SIDRA, com acesso em: https://sidra.ibge.gov.br/acervo#/S/Q.
[ii] IEDI (Instituto de Estudos para o desenvolvimento Industrial). Acesso em: https://iedi.org.br/artigos/top/analise/analise_iedi_20251104_industria.html.






















