Por ALEXANDRE LINARES*
A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
1.
Asad Haider partiu no dia 4 de dezembro de 2025. Jovem demais, brilhante demais, necessário demais. Sua ausência ecoa como um silêncio súbito no meio de um diálogo urgente, interrompido mais precisávamos de sua voz.
Filho de imigrantes paquistaneses na Pensilvânia, doutor em História da consciência pela Universidade da Califórnia em Santa Cruz, fundador da Viewpoint Magazine, Asad Haider não se contentava com explicações fáceis. Marxista no sentido mais vivo da palavra, aquele que não apenas interpreta o mundo, mas se atreve a desmontar os muros do senso comum para transformá-lo radicalmente.
Sua escrita e fala eram uma ponte entre a teoria e o corpo marcado da opressão. Sabia que classe e raça não são categorias abstratas, mas cicatrizes reais, cotidianas, que se entrelaçam nas ruas, nas escolas, nas fronteiras e nos corpos racializados.
Em Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje, sua obra traduzida pela Editora Veneta, Asad Haider revela como a infância sob o olhar suspeito do império moldou sua consciência política. Lembra-se da professora que exigia redações que justificassem os bombardeios de Bill Clinton no Sudão; do apelido de “Osama” que recebeu no colégio e de todas as condições particulares de ser um jovem estadunidense filho de imigrantes paquistaneses. Mas não se curvou. Ao contrário: transformou aquela dor em ferramenta analítica, em empatia militante.
2.
Em um dos seus últimos artigos² publicados no portal que fundou, Viewpoint Magazine, sobre a luta do povo Palestino, resgatava o intenso e vivo relato de Ghassan Kanafani e retomava a análise de Karl Marx sobre a questão irlandesa. Para ele, a luta palestina não é apenas “nacional”, mas de terra, água, pão e existência como a irlandesa fora Marx um século antes.
Via nas colônias israelenses não só a ocupação de espaço geográfico, mas a aniquilação sistemática da possibilidade de vida digna: o bloqueio de sementes, o despejo de esgoto, o controle da eletricidade, a destruição das estradas. Sabia que a libertação não se separa da materialidade da vida.
Com rigor, clareza e uma extraordinária firmeza, Asad Haider recusava reducionismos. Sua metodologia era um exercício constante de ligar o universal ao particular, a história à carne viva da luta em todas as suas intersecções e conexões. Como escreveu Jane Barros Almeida³ sobre o livro de Asad Haider: “Ao longo dos capítulos é evidente o esforço metodológico de exercitar as conexões entre o universal e o particular. O resgate histórico referenciado teórica e politicamente, possibilita um aprofundamento do debate sobre Identidades relacionando-o com os conceitos de raça e classe social. A partir de exemplos históricos concretos, do passado, ao presente – incluindo recentes eventos na universidade – retoma o debate das contradições e da objetividade das lutas sociais em curso”.
Ao saber de sua morte, pelo meu amigo Leo Vinicius, seu tradutor para o português, exclamei: “Puxa vida!”. Era jovem demais. No relato publicado no Facebook por seu amigo e camarada Gavin Walker, professor da Cornell University, sentimos a dor da perda de um amigo. E ele alerta uma enorme responsabilidade de lidarmos com a terrível epidemia que atinge a saúde mental da classe trabalhadora.
Asad Haider não se foi inteiro. Deixou sementes. E onde há sementes, há futuro.
*Alexandre Linares, jornalista, professor e editor, é membro da direção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Notas
¹ HAIDER, Asad. Armadilha da Identidade. São Paulo: Veneta. Um trecho da introdução do livro pode ser lido no Nexo Jornal.O autor esteve no Brasil em 2019 para o lançamento de seu livro. Sua apresentação do livro pode ser assistida no youtube da Tapera Taperá.
² HAIDER, Asad,Land and Existence in Gaza. Disponível em português no site LavraPalavra.
³ALMEIDA, J. B.Assad Haider: descortinando a sofisticada e cruel relação entre opressão e exploração no debate racial. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 21, p. 1-6, 2021. DOI: 10.20396/rho.v21i00.8660021.
A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
C O N T R I B U A





















