Por ARACY P. S. BALBANI*
Ativistas como Greta Thunberg, Jane Fonda e Luiza Erundina, entre outras, continuam a inspirar gerações com uma resiliência e dedicação às suas causas, mesmo diante de adversidades e riscos
“Se não há grandes causas, a vida não faz sentido” (Pedro Casaldáliga).
A lista de ativistas pela paz, pela conservação do ambiente, pelos direitos humanos e dos animais, pela democracia ou pela soberania nacional que já foram presos, perseguidos, torturados ou assassinados é interminável. Seus nomes e obras ficaram gravados para sempre na história da humanidade.
Independentemente de nacionalidade, sexo, cor da pele, idade ou crença, as pessoas que desafiam os poderes tradicionais – político, econômico, religioso, militar e midiático – tornam-se alvos preferenciais do ódio coletivo ou institucional.
De imperadores a guardas da esquina, os narcisistas poderosos que são desafiados ou desmascarados reúnem o pior de si para se vingarem dos ativistas. É assim desde que o mundo é mundo.
1.
Greta Thunberg tem 22 anos e menos de 1,50m de altura. A pequena grande ativista sueca não deixa ninguém indiferente às suas falas e ações. Ela é admirada ou ridicularizada, conforme a linha editorial do veículo de comunicação ou a ideologia do freguês.
Basta ver as manchetes diferentes para o fato da deportação de Thiago Ávila e Greta Thunberg por Israel após a interceptação da Flotilha da Liberdade para Gaza: “Thiago e Greta, militantes globais pela humanidade em crise”; “Israel deporta mimadinha comunista”.
A intelectual e escritora baiana Jacinta Passos foi uma ativista política notável em Sergipe. Após o golpe de 1964, foi presa em Aracaju ao pichar um muro contra a ditadura. Submetida a interrogatório, respondeu com versos e poesias. Foi rotulada como louca e condenada, sem julgamento, a uma internação psiquiátrica. Manteve uma densa produção literária durante a internação. Faleceu aos 57 anos no manicômio. O Brasil perdeu uma intelectual e humanista de primeira grandeza.
A atriz Jane Fonda foi detida várias vezes durante protestos nos EUA ao longo de décadas. Uma das detenções aconteceu quando tinha 81 anos de idade, por ela protestar em Washington contra as mudanças climáticas. Ao que tudo indica, a atriz, em ótima saúde aos 87 anos atualmente, não deixará de apoiar causas publicamente por medo de novas detenções.
Aos 90 anos, a deputada federal Luiza Erundina coleciona histórias de ataques preconceituosos contra si, inclusive os feitos por colegas parlamentares em 2024, que abalaram sua saúde e a fizeram ser levada para uma UTI. O conjunto das agressões permanece simbolizado na foto icônica de César Diniz, feita para o Estadão em 01/10/1987, quando Luiza Erundina foi cercada e arrastada por policiais militares na reintegração de posse de um terreno no Jardim Aurora, zona leste da capital paulista. Resiliente, Luiza Erundina prossegue na resistência com garra e energia juvenis.
Jacques Roumain, além de escritor e poeta haitiano renomado, foi intelectual marxista, fundador do Partido Comunista local, e ativista do nacionalismo e da organização política dos indígenas no Haiti. Foi preso quatro vezes em razão do seu engajamento político, totalizando quase três anos de prisão. Presume-se que os encarceramentos em condições sanitárias precárias tenham minado a saúde de Jacques Roumain. Morreu aos 37 anos, em 1944. O Haiti e toda a comunidade francófona foram privados de um grande pensador e autor.
Pedro Casaldáliga, poeta e bispo católico de São Félix do Araguaia (MT), dedicou-se, por mais de meio século, a “humanizar a humanidade”, e a proteger, de forma intransigente e destemida, os povos indígenas, os miseráveis e os sofredores. Foi ameaçado de expulsão do Brasil e de morte, e perseguido pela imprensa reacionária, pela ditadura militar e por membros da própria Cúria Romana. Tornou-se exemplo imortal de paz, humildade e justiça.
Hélio Pellegrino, mineiro poeta, médico psicanalista e político progressista, foi um dos líderes intelectuais da Passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro em 1968 em repúdio à violência da ditadura militar. Pellegrino esteve preso no ano seguinte. Em meio ao seu legado literário e político, encontra-se uma mensagem potente de esperança: “[O demônio é] O paraninfo de todos os fechamentos oriundos das tripas de quantas leis de segurança possam existir. Não obstante, as fechaduras cedem. As portas, interditadas e lacradas, se abrem. A lei democrática, ao fim das contas, acaba por prevalecer contra a burrice demoníaca do fascismo”.
2.
Vivemos a era dominada pelas big techs, com seus algoritmos e suas ferramentas de inteligência artificial, e pelo capitalismo agonizante. Nesse caldo de cultura, emergiu uma das safras mais medíocres de todos os tempos de políticos profissionais, latifundiários desmatadores de biomas, pregadores religiosos fundamentalistas, fisiculturistas e atiradores machistas, influenciadores digitais e capitalistas predadores.
Essa turma, que parece usar a cabeça apenas para tingir os cabelos ou aplicar botox nas rugas, e defende solucionar tudo no tiro, na pancada, na bomba ou nas sanções econômicas abusivas, só é valente até a hora em que a própria chapa esquenta.
Quando a resistência ao arbítrio se organiza e se manifesta, os fantoches “antissistema” fogem e largam na mão os seus seguidores-doadores de Pix. O que importa mesmo é salvar a própria pele e, claro, o dinheiro deles.
Ser ativista de causas justas é uma razão de viver e uma grande honra, ainda que isso torne o militante persona non grata em círculos de poder.
Por outro lado, toda persona non Greta, isto é, aquela incapaz de se comprometer publicamente com o bem comum – justamente ao contrário do que Greta Thunberg tem feito –, condena si mesma a uma existência vazia e ao esquecimento. A prisão mais cruel é a própria consciência do dever não cumprido.
Por isso, quem acredita numa causa verdadeiramente humana, coletiva e justa vai resistir sempre. Desistir? Jamais!
Xô, fascismo! Vade retro com seu cheiro de enxofre!
Aracy P. S. Balbani é médica. Atua como especialista no SUS no interior paulista.
Referências
Mangue Jornalismo. Você conhece Jacinta Passos? Assista agora na Mangue o documentário sobre essa importante escritora que morreu esquecida em um sanatório de Aracaju. 2023, em: https://manguejornalismo.org/voce-conhece-jacinta-passos-assista-agora-na-mangue-o-documentario-sobre-essa-importante-escritora-que-morreu-esquecida-em-um-sanatorio-de-aracaju/
Alice de Andrade Pampani. Voz e verso: a escrita de Jacinta Passos na década de 1940 no Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Sergipe, 2024. Em: https://ri.ufs.br/handle/riufs/20228
Luiza Erundina, Ivana Jinkings e Luiz Bernardo Pericás. Socialista, feminista e nordestina: a primeira prefeita da maior capital do Brasil. Jacobin, 2020. Em: https://jacobin.com.br/2020/11/socialista-feminista-e-nordestina-a-primeira-prefeita-da-maior-capital-do-brasil/
João Arthur Pugsley Grahl. Tambores de Jacques Roumain: ao ritmo de Henri Meschonnic. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, 2021. Em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/43040
Carlos Francisco Bauer. Pensando a integração latino-americana a partir do marxismo orbital-popular de Jacques Roumain. Le Monde Diplomatique Brasil, 2024. Em: https://diplomatique.org.br/pensando-a-integracao-latino-americana-a-partir-do-marxismo-orbital-popular-de-jaques-roumain/
Hélio Pellegrino. A burrice do demônio. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1988.
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