Brasil 200 anos – democracia é exceção

Imagem: Jonny Lew
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*

Nossa história é marcada por longos períodos autoritários com hiatos democráticos

Nesta quarta-feira (7/9), o Brasil celebrou duzentos anos de independência política em relação a Portugal. Uma frase do historiador Sérgio Buarque de Holanda define bem nosso país nesses dois séculos: “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. Isso significa que, por aqui, a democracia foi mais “exceção” do que “regra”.  Nossa história é marcada por longos períodos autoritários com hiatos democráticos.

Conforme é do conhecimento de todos, após sua independência, o Brasil se constituiu como a única monarquia da América do Sul (seus vizinhos subcontinentais adotaram o sistema republicano). Não obstante, o império brasileiro possuía caraterísticas típicas dos regimes absolutistas europeus, pois a adoção do Poder Moderador colocava o imperador acima dos outros poderes.

Esta realidade não mudaria até 1889, quando um golpe militar colocou abaixo o Império, inaugurando o sistema republicano. Os dois primeiros presidentes do Brasil – Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto – não foram escolhidos pela população.

Somente em 1894, o Brasil teve o primeiro presidente por eleição direta: Prudente de Morais. No entanto, o pleito em que Morais saiu vencedor (e todos os outros realizados durante a República Velha, que durou até 1930), foi marcado pelo chamado “voto de cabresto”, quando os eleitores eram obrigados a votar no candidato indicado pelos grandes proprietários de terra. Definitivamente, isso não pode ser classificado como “democracia”.

Entre 1930 e 1945 o Brasil teve um único presidente, Getúlio Vargas, que, assim como Deodoro e Floriano, também não foi escolhido pela população.

Em 1945, passados longos cento e vinte e três anos após a independência, ocorreu, enfim, a primeira eleição presidencial minimamente democrática da história do Brasil. Como “alegria de pobre dura pouco”, o primeiro hiato democrático brasileiro não chegou a duas décadas; foi interrompido por um golpe militar, em março de 1964.

A partir de então, tivemos aquilo que Chico Buarque (filho do historiador citado no início do texto) intitulou como “página infeliz da nossa história”: um tenebroso período ditatorial, de 1964 a 1985.

Com a queda dos militares, surgiu a “Nova República”, que também teve vida curta. Quando todos achavam que ruptura democrática era coisa do passado, em 2016 um golpe parlamentar derrubou a presidenta Dilma Rousseff. Os motivos para a retirada da primeira mulher a ocupar a presidência da República foram basicamente os mesmos para o golpe contra João Goulart, cinco décadas antes. Como bem aponta o sociólogo Jessé Souza, no Brasil, um governo pode até ser eleito pelo povo, mas, se colocar em prática algum tipo de política que minimamente beneficie os pobres, será deposto.

Nesse contexto golpista, em 2018, pela primeira vez na história do Brasil, foi eleito um presidente de extrema direita: Jair Bolsonaro. Não podemos dizer que se tratou de um pleito democrático, haja vista que um dos candidatos (Lula) foi preso justamente para não participar da corrida presidencial. Portanto, vivemos mais um período autoritário.

Em suma, a matemática não falha: em dois séculos de história, tivemos somente cinquenta anos que podem ser considerados minimamente democráticos.

Esse é o (triste) quadro que nos é apresentado neste bicentenário da independência.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Arquétipos e símbolos
Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO: Carl Jung combinou a literatura, a narração de histórias e a psicanálise para chegar às memórias inconscientes coletivas de certos arquétipos, promovendo a reconciliação das crenças com a ciência
Apelo à comunidade acadêmica da USP
Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: Carta para a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional – AUCANI
Fundamentos da análise social
Por FABIO DE OLIVEIRA MALDONADO: Apresentação à edição brasileira do livro recém-lançado de Jaime Osorio
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
O martírio da universidade brasileira
Por EUGÊNIO BUCCI: A nossa universidade precisa se preparar e reforçar suas alianças com suas irmãs do norte. O espírito universitário, no mundo todo, só sobrevive e se expande quando sabe que é um só
A ampliação do Museu de Arte de São Paulo
Por ADALBERTO DA SILVA RETTO JR.: O vão livre do MASP será um espaço inclusivo ou excludente de alguma forma? A comunidade ainda poderá ali se manifestar? O famoso “vazio” continuará sendo livre, no mais amplo sentido do termo?
Minha infância nos porões da Bela Vista
Por FLORESTAN FERNANDES: “Eu morava lá na casa dele e queria sair de lá, eu dizia que passava mal, que comia mal, dormia mal e tudo ia mal, e ela não acreditava”
Sofia, filosofia e fenomenologia
Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro de Alexandre Kojève
Ideologias mobilizadoras
Por PERRY ANDERSON: Hoje ainda estamos em uma situação onde uma única ideologia dominante governa a maior parte do mundo. Resistência e dissidência estão longe de mortas, mas continuam a carecer de articulação sistemática e intransigente
O humanismo de Edward Said
Por HOMERO SANTIAGO: Said sintetiza uma contradição fecunda que foi capaz de motivar a parte mais notável, mais combativa e mais atual de seu trabalho dentro e fora da academia
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES