Cálice ou cale-se?

Anja Lautar, Sem direção para casa, 2013
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Por JOÃO GABRIEL DO NASCIMENTO PIRES*

A canção “Cálice” de Chico Buarque e Gilberto Gil, inserida no contexto da Música Popular Brasileira durante o regime militar, revela a profundidade e o impacto da arte como meio de protesto e reflexão social

Introdução

 Nas mais variadas funções orgânicas do cotidiano, é comum ouvirmos músicas, assistirmos filmes, séries ou consumirmos determinados recursos audiovisuais com a finalidade de passatempo ou como uma ilustração da vida cotidiana, afinal quem nunca ouviu uma música e disse: “Essa é a minha música” ou ao assistir um filme tenha dito: “Esse personagem me representa”. O que muitas vezes, não notamos o real significado das representações por detrás da obra, ao discurso que cada artista traz consigo, não apenas como uma expressão artística, mas também com uma forma de protesto que muitas vezes se materializa nas obras.

Embora, há pensadores como Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer, que defendam que a arte perdeu a sua principal função o seu viés estético, e se adequou a uma ideia capitalista de industrialização da cultura, onde a arte abandona o seu principal objetivo e passa a ser só mais uma mercadoria na vida das massas. A Indústria Cultural[i] discorre que a arte é usada como instrumento para gerar recursos financeiros para o artista ou a produtora deste, o que deixa a obra com um único objetivo, o de fomentar e arrecadar cada vez mais capital e não com a sua principal função, a artística. O que faz com que se questione de fato se é arte, ou apenas uma alusão a vida cotidiana ou mais uma mercadoria para a venda. Logo se torna cada vez mais preocupante, o comércio da cultura, principalmente as camadas mais pobres da população, que muitas vezes utilizam de serviços estatais, visto que não possuem condições financeiras para pagar por serviços privados como educação, saúde, segurança ou lazer com compra de livros, streamings de músicas, filmes e séries.

Entretanto, ao olharmos para a MPB (Música Popular Brasileira), é nítido ver que possui muitas obras de protesto e também narrativas da vida cotidiana comum no Brasil, mesmo que tenha suas obras provenientes de uma Indústria Cultural, mas não só pautada com uma a ótica capitalista. Sobretudo entre as décadas dos 60, 70 e 80; em que o país passava por um período maculado de sua história, marcado por uma Ditadura Militar (1964-1985). Nesse tempo o Brasil passou por suas respectivas transformações sociais na música, na cultura e no cinema; muito orientados ainda pela década de 20, que trouxe o Modernismo ao Brasil, protagonizado pela Semana de Arte Moderna (SAM)[ii] (1922-SP). O que anos mais tarde, sobretudo nos anos 60, muda o cenário mundial e nacional fazendo com que haja grandes revoluções culturais visto que o mundo passava pelo conflito da Guerra Fria[iii] (1947-1991) e o Brasil, Ditadura. Assim, a música e o cinema abrem espaço para as obras de protesto e a democratização da cultura torna-se mais presente ao povo, com vanguardas literárias como Tropicália[iv] e Concretismo[v], que vieram principalmente da Europa e dos Estados Unidos, mas ainda sim adentraram bem ao território nacional e foram utilizados como forma de conscientizar pessoas e fomentando um pensamento crítico entre eles, como se vê: “A tropicália configurou-se como um movimento cultural, transcendendo os limites de questões meramente estéticas ou confinadas ao âmbito da canção popular. Havia uma predisposição, por parte dos músicos que inauguraram a tendência, de pensar criticamente a arte e a cultura brasileira.” (Naves,p.47).

Nessa mesma lógica, o presente trabalho tem como objetivo analisar a obra “Cálice” de autoria de Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, utilizando metodologia para o estudo de casos (YIN, 2001), e discorrer de teorias aclamados de pensadores como Vygotsky e Bakhtin.

Apresentação dos autores e da obra

Diante do processo de busca da redemocratização do Brasil, surgem grandes nomes da MPB produzindo marcas de protesto, entre eles estava Chico Buarque, Francisco Buarque de Hollanda nome seu de batismo. Chico, é arquiteto de formação pela USP (Universidade de São Paulo), é compositor, escritor e estreou sua carreira de cantor em 1966 com o álbum “Chico Buarque de Hollanda”. Tendo seus primeiros sucessos como a música A Banda, A Rita, Pedro Pedreiro e outros, ele por sua vez vai militar contra a o governo regente e participa da histórica passeata dos Cem Mil[vi] (1968), e em 1969 passa por um exílio por 14 meses na Europa, voltando apenas em 1970 e tendo sua anistia política apenas em 1979.

Outrossim, temos o compositor Gilberto Passos Gil Moreira (Gilberto Gil), um dos grandes nomes do tropicalismo no Brasil, tendo um grande currículo de obras, e atualmente está como titular da cadeira vinte da Academia Brasileira de Letras. Gil, é formado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e possui uma vasta obra na música tendo mais de cinquenta álbuns em toda sua carreira. O cantor por sua vez também apresentou uma carreira na política como vereador (1980-1984) em Salvador e atuando como Ministro da Cultura (2003-2008). Ao mesmo passo que é político também é cultural, reconhecido como um grande celebre brasileiro.

Assim a música Cálice foi difundida inicialmente em 1973, em um show de Gilberto Gil e Chico Buarque no Anhembi, como narra Gil: “O Cálice/Eu, eu, eu só, eu vou can…/eu canto um pedacinho que eu me lembro só/Não, é porque, é porque tem uma/Tem… Quero! Me dá/ É que tem uma parte da letra que é do Chico/Que eu não lembro/Que eu não cheguei nem a aprender, porque…/É, eu explico porquê, porque, porque, eu cheguei…/ Cheguamo na casa do Chico, e a gente decidiu, a gente ajeitou, decidiu…/Tá legal, pode me dá./Deixa eu explicar o que aconteceu./Daí, o Chi, o Chi, o Chico tinha…/Não, peraí, deixa eu falar./Eu combinei com o Chico que a gente ia fazer e tal/Levei um pedacinho das ideias que eu já tinha, escrito e tal/A gente concordou: Vamo fazer, vamo fazer/Daí viajou, veio pro interior de São Paulo/Fazer parte do Circuito Universitário/E, eu fiquei lá pelo Rio, depois eu vim e voltei/Quando chegou na véspera do, no dia do show/Na véspera do Anhembi foi que a gente foi se encontrar então ele ja’tava com parte da letra dele pronta/E eu com a minha/Então ele cantava a parte dele e eu cantava a minha/E eu não se, não sa, não sei até hoje, mas é…/Deixa eu,deixa eu cantarolar pra vocês aqui / Deixa eu ver como é/Pai, afasta de mim esse cálice …“ (Cálice – Gilberto Gil ao vivo na USP. 1973)

 Entretanto sofre uma grande censura do período, sendo liberada apenas no álbum “Chico Buarque” (1978), na voz de Chico Buarque e Milton Nascimento. A obra faz uma alusão direta à censura protagonizada no regime, fazendo uma aproximação entre a palavra “cálice” com “cale-se”. Desta forma, podemos caracterizar que as obras possuíam narrativas utópicas para o momento, como o ideal de liberdade, questões a respeito da sexualidade, grandes questionamentos sobre o regime imposto na época, etc. Visto que o Brasil lidava com uma grande repressão e remoção de direitos civis, individuais e sociais; em detrimento da Ditadura, então reuniram-se artistas, professores, religiosos, estudantes e todos aqueles que eram contra o regime para lutar, onde muitos foram perseguidos, exilados e até mesmo mortos. Nessa tentativa de ilustrar a vida, surgiram grandes músicas aclamadas até os dias atuais e usadas como crítica para o momentos fascistas que circundam o país verde e amarelo na ocasião, como o caso da canção Cálice.

Já nos anos de 1978, quando Chico lança o álbum “Chico Buarque”, sendo seu décimo sétimo disco da carreira, trazendo grandes composições como Cálice, Apesar de Você, Tanto Mar e outras, após conseguir burlar a censura vigente no momento, pois a maioria das cantigas eram de desacordo com a situação nacional. Isto posto, pode-se caracterizar que a música nasce com o intuito de criticar a censura imposta no período, que por sua vez, os autores utilizam de uma Figura de Linguagem[vii] chamada Paronomásia, que consiste na aproximação de palavras de sons parecidos, mas de significados distintos, como podemos observar a seguir: “Cálice” e “Cale-se”, onde cálice evoca ideia uma taça pequena com pé, e cala-se provém do verbo calar, que promove o sentido de ficar calado, não produzindo som ou ruído. Ainda mais a letra da música faz uma referência direta ao um trecho da Bíblia Sagrada Cristã, como cita a seguir:

“Ele avançou um pouco, curvou-se com o rosto no chão e orou: Meu Pai! Se for possível, afaste-me este cálice. Contudo, que seja feita a tua vontade, e não a minha.” (A Bíblia, Novo testamento e salmos, 2008, 84)

Podemos ver que o refrão da música faz referência direta ao trecho citado acima:

“Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue…”
(Buarque e Gil. 1973)

Portanto, é nítido que além da mensagem parafraseada da Bíblia, a música retrata um pedido de socorro proveniente do Divino, ora buscando afastar o “cale-se” enquanto censura e quebra do regime, ora a ideia de que se for possível afastar de o “Cálice”, pedindo o afastamento da dor, do sofrimento imposto por essa.

Linguagem, discurso e suas tendências

A inquietação quando o assunto é linguagem é palco para muitos campos de estudos. A Linguística, a Literatura, a Semântica, a Comunicação, a Antropologia e outros. Partindo desse ponto, a Psicologia Social não poderia ficar de fora, afinal qual espaço social que não é atravessado pelo fator linguagem ou o artefato do discurso?

Segundo a perspectiva de Rimé (1984), é comum pensarmos a linguagem como um difusor neutro de ideais e ideologias, onde temos o emissor, o destinatário, e o receptor e outros que interagem entre si, ora como um produtor, ora como consumidor. Desta forma, o autor muitas vezes produz algo pensando na difusão da obra, para determinadas pessoas, grupos ou classes, entretanto ainda que o produtor não as conheça e sem a intenção final de ser influência, acaba amiúde passando um pouco dos seus pensamentos para a obra, abrindo palco e alimentando um certo discurso entre aqueles que consomem da sua obra, fomentando novas opiniões e difusão delas, abrindo espaço para novos discursos e a partir de tal, conquistando aglomerados e fortalecendo a ideia.

Assim, é evidente que a música “Cálice”, é uma ilustrativa para a tese de Rimé. É nítido que os discursos são reproduzidos a partir de falas, textos e outros; com um certo embasamento de figuras referência no assunto, entretanto nem todos são canônicos no assunto, mas ainda sim tem os seus respectivos espaços para discurso. Assim tínhamos no período em que Chico Buarque, Gilberto Gil e Milton Nascimento, e outros nomes de referências da MPB, eram vistos como inspiração para a juventude em matéria de resistência e combate ao regime da época. É importante ressaltar que a interação do homem com o seu meio é muito comum, resgatando os pensadores Mikhail Bakhtin (1895-1975), Vygostsky (1896-1934), Volochinov (1929/1992) em as teorias em grupo “Círculo de Bakhtin” é possível constatar a ideia. Bakhtin discorre, que há um interacionismo entre o produtor e consumidor, onde as comunicações do autor devem incorporar suas linguagens pessoais e suas interações sociais do dia-a-dia, para que haja uma conexão do autor com o consumidor. Isso cria uma relação orgânica e confortável, criando de certa forma uma inspiração para a produção de outras obras. Bakhtin, e Volochinov, dizem que há polifonias de vozes nos discursos, ao fato que muitos enunciados não seguem apenas uma perspectiva e possuem uma ampla intertextualidade de vários diálogos que se misturam entre si, o que abre espaço para amplas interpretações e dando palco para outras expressões e valores.

Outrossim, ainda que muita das obras seja para um seleto grupo, a música “Cálice”, busca uma linguagem ampla, com formas e conteúdos da comunicação que deixa os ouvintes próximos aos autores, mostrando ali uma realidade una para todos os grupos, descrevendo a realidade que o país passava como mostra a toada:

“Pai, afasta de mim esse cálice /Pai, afasta de mim esse cálice/Pai, afasta de mim esse cálice /De vinho tinto de sangue/ Como beber dessa bebida amarga/Tragar a dor, engolir a labuta/Mesmo calada a boca, resta o peito/Silêncio na cidade não se escuta/De que me vale ser filho da santa/Melhor seria ser filho da outra/Outra realidade menos morta/Tanta mentira, tanta força bruta/Pai (pai)/(Refrão)/Como é difícil acordar calado/Se na calada da noite eu me dano/Quero lançar um grito desumano/Que é uma maneira de ser escutado/Esse silêncio todo me atordoa/Atordoado eu permaneço atento/Na arquibancada pra qualquer momento/Ver emergir o monstro da lagoa /(Refrão)/De muito gorda a porca já não anda (cálice)/De muito usada a faca já não corta/Como é difícil, pai (pai), abrir a porta (cálice)/Essa palavra presa na garganta/Esse pileque homérico no mundo/De que adianta ter boa vontade/Mesmo calado o peito, resta a cuca/Dos bêbados do centro da cidade/(Refrão) /Talvez o mundo não seja pequeno (cálice)/Nem seja a vida um fato consumado (cálice, cálice)/Quero inventar o meu próprio pecado/(Cálice, cálice, cálice)/Quero morrer do meu próprio veneno/(Pai, cálice, cálice, cálice)/Quero perder de vez tua cabeça (cálice)/Minha cabeça perder teu juízo (cálice)/Quero cheirar fumaça de óleo diesel (cálice)/ Me embriagar até que alguém me esqueça (cálice)” (Buarque e Gil. 1973)

Embora a música seja toda escrita no sentido conotativo, em que as palavras tomam significados diferentes de seu sentido original, é evidente as ideologias dos autores na narrativa. De acordo com Vygotsky em sua teoria sobre a linguagem, argumenta sobre os referenciaissignificado” e “sentido”. Assim o significadotambém referido como “significado referencial” afirma ser um processo abrangente de relações semânticas que baseiam-se em do processo histórico, ou seja, uma significado não nasce em um breve instante, mas sim a soma de vários instantes gerando uma definição para o significado proposto. Outro ponto é o sentido, que também é intitulado como “significado social-comunicativo”, em que entram os pontos subjetivos do significado a partir da individualidade, pelo qual leva o sujeito a reproduzir um dado discurso, que se molda de acordo com o momento e a intenção do mesmo. Dessa maneira, para Vygotsky a linguagem não é um espelho da realidade, qual menos a função reprodutiva, mas sim a função de criar ou interpretar a realidade posta.

Discurso, ideologia e poder

Pode-se afirmar que em razão do que vem sendo tratado no texto, que discurso é poder. Afinal só tem voz, aquele que possui legitimidade e espaço para tal, embora que na era digital os discursos têm sido difundidos cada vez mais rápidos e com menos legitimidade, onde uma breve postagem sobre algo mais insigne que for, recebe gama de acesso e visualizações instantâneas e vira uma bússola que guia e controla pensamentos, dos mais variados que sejam. Ainda que as práticas linguísticas não tenham a mesmo poderio tais quais como questões econômicas, questões políticas, ainda sim pode ser uma dominação que pode aparecer nas mais variadas configurações sociais.

A vista disso, podemos apresentar o caso da censura imposta ainda nos primeiros anos da Ditadura no Brasil, e que resultou sobre a cantilena Cálice, composta posterior a imposição. Mostrando que o discurso é poderoso, que muitas vezes as forças legítimas de poder preferem silenciar os subalternos, evitando questões de questionamento. O controle é tamanho que os autores citam na canção : “Como é difícil acordar calado/Se na calada da noite eu me dano/Quero lançar um grito desumano/Que é uma maneira de ser escutado/Esse silêncio todo me atordoa/ Atordoado eu permaneço atento/ Na arquibancada pra qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa” ( Buarque e Gil.1973). Assim é importante, mencionar a ideologia, que segundo Parker (1989), consiste como um conjunto de crenças, ressaltando um viés crítico, como cita o autor: “uma adequada noção de ideologia deve incluir uma apreciação da importância do conflito e, portanto, compreendê-la como uma consequência das relações de poder em discurso e textos” (p.4), e que de certa forma a ideologia está ligada diretamente a ideia de alienação, que consiste de deixar o assunto insigne ao ponto de não ser mencionado ou qual menos questionado possível for, proporcionando o menor dos interesses e desviando dedicação para desconstruir a forma opressiva imposta, que muitas vezes é legítima pelo poder.

Diante disso, podemos arriscar parafrasear de forma singela o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que debate sobre o Niilismo. Onde o indivíduo chega ao ponto de suspender os valores dados pelo seu cotidiano, para viver suas próprias ideias de mundo completamente distintas, o que por muitas vezes são completamente utópicas para o direcionamento do mundo presente. Assim, nos leva a crer que a ideologia, pode ser uma “falsa consciência” que o indivíduo toma para si a fim viver as relações de exploração e suspender a consciência sobre elas, como discorre Yépez (1999). O muito faz os autores no trecho: “Quero perder de vez tua cabeça (cálice)/Minha cabeça perder teu juízo (cálice)/Quero cheirar fumaça de óleo diesel (cálice)/Me embriagar até que alguém me esqueça (cálice)” no qual trecho é narrado na primeira pessoa do singular, no caso “eu”.

Considerações finais

A análise da canção “Cálice” de Chico Buarque e Gilberto Gil, inserida no contexto da Música Popular Brasileira durante o regime militar, revela a profundidade e o impacto da arte como meio de protesto e reflexão social. Em meio à repressão e censura da Ditadura Militar, a música emerge não apenas como uma obra de arte, mas como um potente instrumento de resistência e denúncia.

A obra se utiliza da paronomásia, associando o “cálice” ao “cale-se”, para criticar a censura e a opressão do período, evocando a Bíblia para amplificar sua mensagem de sofrimento e resistência. Através da análise da letra e das estratégias linguísticas utilizadas, fica claro que a canção não apenas expressa a dor e o clamor pela liberdade, mas também se conecta com uma tradição de contestação cultural e política que caracteriza a MPB dos anos 60 e 70.

O estudo do discurso e da ideologia apresentada demonstra como a arte, mesmo quando filtrada pela indústria cultural, pode preservar e transmitir mensagens subversivas e críticas. A teoria de Vygotsky sobre linguagem e a abordagem de Bakhtin sobre a polifonia dos discursos são evidentes na forma como a música “Cálice” articula múltiplas camadas de significado e interpretação, refletindo tanto a experiência individual quanto o contexto social mais amplo.

Portanto, a canção de Buarque e Gil não se limita a um mero produto cultural, mas se configura como um poderoso veículo de resistência política e social. O exame da obra ilustra como a arte pode desafiar e subverter o poder, evidenciando a importância de continuar explorando e valorizando o papel da expressão artística na luta contra a opressão e na construção de uma sociedade mais justa e consciente.

*João Gabriel do Nascimento Pires é graduando em Ciências Humanas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Referências


 “Abaixo a ditadura, povo no poder: 56 anos da Passeata dos Cem Mil.” Portal Gov.br, 27 June 2024, https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/noticias/abaixo-a-ditadura-povo-no-poder-56-anos-da-passeata-dos-cem-mil. Accessed 4 August 2024.

A Bíblia Novo testamento e salmos. A Oração no Getsêmani. 1 ed., Canção Nova, 2008.

Buarque, Chico, e Gilberto Gil. Cálice. 1978, https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45121/.

Cambraia Naves, Santuza. Da bossa nova a tropicália. 2ª ed., vol. 1, Rio de Janeiro, Zahar, 2001. 1 vols.

CEGALLA, DOMINGOS PASCHOAL. Novíssima gramática da língua portuguesa. 46ª ed., Companhia Editora Nacional, 2005.

Gil, Gilberto, e Chico Buarque. Cálice. Ao vivo, 1 ed., 26 Maio 1973, p. Brasil. Spotify, Gege produções artísticas, https://open.spotify.com/intl-pt/track/1PARDo3xqFIdJSUkmLD1XJ?si=ebec47821c7e4ad1. Accessed 07 08 2024. Online.

Gomes dos Santos, Gustavo. Anais do X Encontro da ANPUH-DF. 1 ed., Biblioteca Central, 2023, https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/105539451/XEncontroANPUHDF-libre.pdf?1693945290=&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DReinterpretacoes_da_homossexualidade_na.pdf&Expires=1722874371&Signature=VXJMREJH4786iV11nltTAOTZOGuSM7KpSPNKwhU5DafuFA.

“Indústria Cultural: o que é, características e exemplos.” FIA, https://fia.com.br/blog/industria-cultural/. Accessed 4 August 2024.

Nietzsche, Friedrich. A Gaia e a ciência. Companhia das Letras, 2012.

“O que foi a Guerra Fria?” National Geographic, 7 Novembro de 2022, https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2022/11/o-que-foi-a-guerra-fria. Accesso 4 August 2024.

Yépez, Martha Travesso. “Os discursos e a dimensão simbólica: uma forma de abordagem da Psicologia Social.” Estudos de Psicologia, vol. 4, no. 1, 1999, pp. 39-59.

Notas


[i] Indústria Cultural é aquela que utiliza como base a cultura de determinados pólos do mundo para fabricar seus produtos. Contudo, ela também promove uma mudança no estilo de cultura dos indivíduos, promovendo, assim, um comportamento muitas vezes considerado massivo em uma perspectiva de consumismo exacerbado

[ii] A Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo (SP) e reuniu artistas das mais diversas áreas no Theatro Municipal de São Paulo ao longo dos dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. Apresentações musicais e conferências intercalam-se às exposições de escultura, pintura e arquitetura, com o intuito de introduzir ao cenário brasileiro as mais novas tendências da arte.

[iii] A Guerra Fria foi um período marcado por um conflito político-ideológico travado entre Estados Unidos e a ex-União Soviética (URSS), entre 1947 e 1991. Esse período polarizou o mundo em dois grandes blocos, um alinhado ao capitalismo e outro alinhado ao comunismo.

[iv] A Tropicália foi um movimento cultural amplamente difundido nos anos de 1967 e 1968 no Brasil, principalmente no âmbito musical. Tinha como característica o rompimento com o intelectualismo da Bossa Nova e aproximação com a cultura popular e de massa. Além disso, a Tropicália foi caracterizada pela mistura de manifestações e por inovações estéticas, criando assim um hibridismo musical com guitarras elétricas com berimbaus, violões, cuícas e violinos. Seus principais nomes foram: Os Mutantes (Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista), Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e Torquato Neto.

[v] O Concretismo é um movimento artístico e literário que se popularizou no Brasil através das obras de Décio Pignatari e os irmãos Campos. O movimento se caracteriza principalmente pelo trabalho experimental do espaço, a quebra com a poesia lírica, o caráter verbal e visual onde se explora palavra, som e imagem e a autonomia estética.

[vi] A Passeata dos Cem Mil foi um ato que ocorreu em 26 de junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro. O protesto, convocado como um ato de repúdio à repressão e violência da ditadura militar brasileira, foi a maior manifestação popular ocorrida desde o golpe de 1964 é um marco na luta pela restauração da democracia no Brasil.

[vii] Figuras de linguagem, são recursos especiais para quem fala ou escreve, para comunicar com mais força e colorido, intensidade e beleza.


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