Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
As expectativas dos investidores são afetadas pelas relações de causalidade entre taxa de câmbio, taxa de inflação, taxa de juros, taxa de crescimento e taxa de desemprego, complexas e interdependentes
A predominância ora de investidores em valor, ora de especuladores seguidores de tendência, no mercado de ações, influencia os ciclos de alavancagem e desalavancagem financeira. Esses dois tipos de participantes têm abordagens e comportamentos distintos, afetando a dinâmica desse mercado de capitais e os ciclos de crédito ou endividamento de maneiras diferentes.
O investidores em valor baseiam suas decisões de investimento na análise fundamentalista típica de economista, buscando comprar ações consideradas subvalorizadas em relação aos fundamentos econômicos das empresas, como lucro, fluxo de caixa e ativos. Eles tendem a manter essas posições durante longo prazo, esperando O Mercado (ser sobrenatural por ser onipresente, onisciente e onipotente) corrigir eventuais sub valorações.
Quando esses investidores em valor predominam, o mercado de ações tende a ser mais estável, pois eles não se engajam em compras e vendas rápidas com base em flutuações de curto prazo. A preferência por observar os fundamentos microeconômicos, setoriais e macroeconômicos, em certas ocasiões, resulta em menor alavancagem financeira, porque eles buscam retornos sustentáveis e consistentes, em vez de ganhos rápidos.
Durante períodos nos quais predominam os investidores em valor, a desalavancagem tende a ocorrer de forma mais gradual e ordenada, impulsionada por avaliações de os preços dos ativos estarem elevados diante os fundamentos. Esse comportamento ajuda a amortecer choques e evitar bolhas financeiras.
Diferentemente, especuladores seguidores de tendência [trend followers] tomam decisões com base nas tendências de preços e no momentum do mercado, usando análise técnica ou grafista típica de “econofísicos”. Eles compram ativos em alta e vendem os em baixa, esperando lucrar com a continuidade dessas tendências.
Quando os especuladores predominam, os mercados se tornam mais voláteis. As compras e vendas são rápidas e reativas, feitas até por algoritmos. Eles utilizam alavancagem para amplificar seus retornos, aumentando o risco de bolhas de ativos durante ciclos de alta e de correções acentuadas durante ciclos de baixa.
A predominância dos especuladores costuma levar a ciclos de alavancagem mais intensos. Quando as tendências são altistas, especuladores alavancam suas posições para maximizar ganhos, inflando bolhas de ativos. No entanto, essas bolhas inflam e explodem. As reviravoltas na tendência para baixista leva à desalavancagem rápida e desordenada, exacerbando crises financeiras.
Portanto, ambos impactam os ciclos de alavancagem e desalavancagem. Durante ciclos de alta [Bull Markets], a predominância dos especuladores seguidores de tendência leva a uma expansão rápida da alavancagem, porque mais participantes buscam lucrar com o aumento dos preços dos ativos. Isso gera um ciclo autoalimentado de valorização e maior alavancagem.
Ciclos de baixa [Bear Markets] ocorrem quando o índice de mercado (Ibovespa, Dow Jones, S&P 500, Nasdaq etc.), começa a corrigir ou inverter a tendência e os especuladores buscam rapidamente a reduzir suas posições alavancadas. Desencadeia vendas em massa, justamente por terem se endividado.
Essa desalavancagem acelerada agrava as quedas de preços, levando a crises de liquidez e aos efeitos amplificados no sistema financeiro, favorável a quem fez “vendas à descoberto”. Tomaram dinheiro emprestado para alugar ações, vendê-las na alta e recomprá-las na baixa para as devolver com o lucro embolsado.
A predominância de investidores em valor durante períodos de correção de mercado ajuda a suavizar o processo de desalavancagem. Esses investidores, ao buscar ativos subvalorizados, fornecem suporte aos preços dos ativos e ajudam a estabilizar o mercado, evitando quedas mais acentuadas e desordens financeiras.
A transição entre predominâncias de uns ou outros leva a mudanças nos regimes de mercado, alternando períodos dominados por cada qual. Essas transições costumam ser influenciadas por mudanças nas condições econômicas, políticas monetárias, ou eventos externos capazes de alterar as expectativas de mercado.
Após uma crise financeira, os investidores em valor costumam predominar, focando em fundamentos microeconômicos, setoriais, macroeconômicos e oportunidades de longo prazo. Conforme o mercado de ações se recupera e a confiança retorna, especuladores se tornam mais ativos, buscando lucrar com a tendência emergente, levando a uma nova fase de alavancagem financeira.
Os críticos da “financeirização” deveriam entender essa lógica da economia de mercado capitalista, para melhor interpretação, em vez de só condená-la. A predominância de investidores em valor tende a favorecer ciclos de alavancagem e desalavancagem mais moderados e estáveis, enquanto a predominância de especuladores seguidores de tendência leva a ciclos mais extremos e voláteis.
A dinâmica entre esses grupos de participantes do mercado desempenha um papel crucial na formação e ruptura de bolhas de ativos (formas de manutenção de riqueza), bem como na estabilidade do sistema financeiro como um todo. A riqueza em ativos financeiros representa 54% da mundial e a maior parte é cotada em ações. A taxa de câmbio é decisiva para determinar o poder aquisitivo mundial dela.
Por isso, as expectativas dos investidores são afetadas pelas relações de causalidade entre taxa de câmbio, taxa de inflação, taxa de juros, taxa de crescimento e taxa de desemprego, complexas e interdependentes. Essas variáveis interagem de forma dinâmica, influenciando-se mutuamente.
A alta da taxa de câmbio (depreciação da moeda nacional) aumenta o preço dos bens e serviços importados, se gerar pressões inflacionárias, é fenômeno conhecido como “inflação importada”. No caso da economia brasileira, por exemplo, a alta dependência de insumos e produtos importados amplifica esse efeito. Movimentos bruscos na taxa de câmbio alteram as expectativas de inflação, levando os agentes econômicos a ajustar preços preventivamente.
Um aumento na taxa de juros doméstica atrai capital estrangeiro, valorizando a moeda local, ou seja, apreciando o real. Os investidores buscam maiores retornos em renda fixa com juros mais altos, aumentando a demanda pela moeda brasileira.
Entretanto, taxas de juros mais altas desaceleram o crescimento econômico e, em longo prazo, isto enfraquece a moeda, devido à fuga de capitais pela expectativa de menores retornos no futuro. O Banco Central do Brasil utiliza a taxa de juros (Selic) como principal instrumento de controle da inflação. Ao aumentar a taxa de juros, busca reduzir a demanda agregada para conter a inflação. Juros mais altos encarecem o crédito, reduzindo o consumo e o investimento.
A taxa de juros afeta diretamente o custo do capital. Quando é alta, o custo do capital também é elevado, desincentivando o investimento privado e, consequentemente, impactando negativamente o crescimento econômico.
Em geral, há uma relação inversa entre crescimento econômico e desemprego. Um crescimento tende a reduzir o desemprego, porque mais mão-de-obra é necessária para sustentar a expansão da produção. Se o crescimento econômico é insuficiente ou negativo, o desemprego tende a aumentar.
A relação tradicionalmente observada entre desemprego e inflação sugere uma relação inversa entre as duas variáveis. Em cenários de baixo desemprego, pressões inflacionárias surgem, devido ao aumento dos salários e da demanda agregada. No entanto, essa relação não é estática e muda em diferentes contextos.
Uma taxa de câmbio mais elevada torna as exportações brasileiras mais competitivas, contribuindo para o crescimento econômico. Entretanto, aumenta o custo dos insumos importados, impactando negativamente o setor produtivo. Movimentos na taxa de câmbio, consequentemente, afetam o ciclo econômico, com apreciações excessivas levando a crises de competitividade e depreciações levando à instabilidade dos preços.
Essas relações são influenciadas por diversos fatores, como a política fiscal, a conjuntura global, a credibilidade do Banco Central, choques exógenos como variações nos preços das commodities e crises internacionais etc.
Na economia brasileira, essas dinâmicas interagem com questões estruturais e conjunturais específicas do país. Entender essas interações exige uma abordagem sistêmica para levar em consideração não apenas as variáveis econômicas em si, mas também as expectativas dos agentes econômicos e o contexto institucional e internacional nas quais estão inseridas. A vida financeira é complexa, os críticos da “financeirização” necessitam aprender a lidar com ela…
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]
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