Ecodecálogo

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MICHAEL LÖWY*

Dez mandamentos para salvar a vida neste planeta

O autor destas notas não se julga um novo Moisés e não considera ter recebido este Ecodecálogo de Jeová. Trata-se simplesmente de uma tentativa de responder, com um toque de ironia, em duas páginas breves, à pergunta que muitos se fazem atualmente: o que fazer? O que fazer diante da crise ecológica e da catástrofe climática?

(i) Levarás a sério a crise ecológica. Não se trata apenas de um problema entre muitos outros, é a questão política, econômica, social e moral mais importante do século XXI. É uma questão de vida ou de morte. Nossa casa comum arde em fogo. Não há tempo a perder. Tu tens outras preocupações? Estás preocupado, com toda razão, com o preço da gasolina e do gás e te preocupas injustamente com o grande número de árabes, negros, ciganos, judeus, mexicanos e gays em teu país? Tens que modificar tuas inquietações. A crise climática é mais grave. Muito mais grave? Infinitamente pior. Trata-se da tua sobrevivência e/ou da de teus filhos e netos.

(ii) Não adorarás os ídolos da religião capitalista: “Economia de mercado”, “Energias fósseis”, “Crescimento do PIB”, “Organização Mundial do Comércio”, “Fundo Monetário Internacional”, “Competitividade”, “Pagamento da dívida”, etc. Estes são falsos deuses, ávidos por sacrifícios humanos e responsáveis pelo aquecimento global.

(iii) Agirás diariamente de acordo com os princípios ecológicos. Recusarás viagens de avião nas distâncias cobertas por ferrovias. Reduzirás drasticamente teu consumo de carne. Evitarás as armadilhas do consumismo. Terás consciência da interdependência de todos os seres vivos e agirás com prudência e respeito pela natureza. Mas rejeitarás as ilusões do “beija-florismo”: a crença de que a mudança ecológica resultará da soma de pequenas ações individuais.

(iv) Apoiarás ações coletivas, por exemplo, qualquer luta ecológica concreta, em teu país e no mundo. Consoante o caso, optarás por manifestações de rua, atos de desobediência civil, ZADs [Zonas a Defender], sabotagem de oleodutos. Participarás ou apoiarás movimentos, ONGs, etc. que lutem pelas causas ecológicas, privilegiando as mais radicais.

(v) Nunca oporás o social e o ecológico. Tentarás, por todos os meios, favorecer a convergência entre lutas sociais e ecológicas. Agirás para garantir empregos alternativos aos trabalhadores das empresas poluentes, que devem fechar. Tentarás aproximar sindicatos e movimentos ecológicos.

(vi) Serás solidário, militante e/ou financeiramente, com os refugiados do clima e as vítimas de catástrofes ecológicas. Exigirás que as fronteiras de teu país lhes sejam abertas e que os países ricos do Norte indenizem os países pobres do Sul pelos danos causados pelas mudanças climáticas.

(vii) Lutarás sem trégua contra os políticos ecocidas e/ou negacionistas do clima, os Donald Trump, Jair Bolsonaro, Scott Morrison e cia. Todos os meios são bons para desalojá-los, trocá-los, neutralizá-los.

(viii) Rejeitarás o teu apoio àqueles que invocam o nome da ecologia em vão. Ou seja, os políticos que fazem belos discursos, mas não agem contra as emissões e os combustíveis fósseis. Ou que propõem falsas soluções como os “direitos de emissão”, os “mecanismos de compensação” e outras mistificações do capitalismo verde e do greenwashing.

(ix) Combaterás, por todos os meios, as empresas da oligarquia fóssil, ou seja, o enorme complexo econômico-financeiro-político-militar ligado às energias fósseis: petróleo, carvão, gás. Lutarás por sua expropriação e pela criação de um serviço público de energia, resolutamente orientado para as energias renováveis (solar, eólica, hídrica, etc.) e capaz de oferecer serviços gratuitos às camadas populares.

(x) Sabendo que o problema é sistêmico e que, consequentemente, nenhuma solução verdadeira será possível no marco do capitalismo, participarás, de uma forma ou de outra, dos partidos ou movimentos que propõem alternativas anticapitalistas: ecossocialismo, ecologia social, decrescimento, etc.

*Michael Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de O que é o ecossocialismo (Cortez).

Tradução: Fernando Lima das Neves.


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Os exercícios nucleares da França
Por ANDREW KORYBKO: Uma nova arquitetura da segurança europeia está se formando e molda sua configuração final o relacionamento entre a França e a Polônia
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
A Europa se prepara para a guerra
Por FLÁVIO AGUIAR: Sempre que os países da Europa prepararam-se para uma guerra, a guerra aconteceu. E este continente propiciou as duas guerras que em toda a história humana ganharam o triste título de “mundiais”
Por que não acato as rotinas pedagógicas
Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: O governo do Espírito Santo trata a escola tal qual uma empresa, além de adotar roteiros predeterminados, com matérias postas em “sequência” sem consideração pelo trabalho intelectual em forma de planejamento docente
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
Na escola ecomarxista
Por MICHAEL LÖWY: Considerações sobre três livros de Kohei Saito
O pagador de promessas
Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Considerações sobre a peça teatral de Dias Gomes e o filme de Anselmo Duarte
Carta do cárcere
Por MAHMOUD KHALIL: Uma carta ditada por telefone pelo líder estudantil norte-americano detido pela Polícia de Imigração e Alfândega dos EUA
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES