A nova composição do STF

Imageme: Elyeser Szturm
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Por LEONARDO SACRAMENTO*

Não há como Cristiano Zanin ser um bom ministro sem defender os trabalhadores

Esse texto é uma espécie de carta aberta. Primeiramente me apresentarei. Sou professor da educação básica e pedagogo do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Sou comunista, marxista-leninista. Pesquiso a relação entre classe dominante e movimentos conservadores brasileiros, assim como a vinculação destes com o liberalismo. Recentemente produzi dois livros. O primeiro chama-se O nascimento da nação: como o liberalismo produziu o protofascismo brasileiro (vol. I e II), pela Editora IFSP.[i] O segundo chama-se Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o apocalipse do liberalismo, pela Editora Alameda. Neste livro, especificamente, procuro analisar como o capital, sobretudo grandes bancos e suas fundações, se apropria das pautas dos movimentos sociais, particularmente o movimento negro. Por fim, sou negro.

Falo que sou negro porque não tenho como fugir. Gostaria de fugir, mas às vezes que sofri racismo não me permite fugir. Não consigo em lugar algum. Simplesmente não dá.

Feitas a apresentação e a ponderação, procuro nessa carta sem formato de carta tornar objeto um comportamento racista presente na esquerda brasileira – não deu para fugir. A esquerda que falo é uma esquerda capitaneada por uma classe média branca que qualifica qualquer pauta ou demanda do movimento negro de “pauta identitária”. A jogada, por óbvio, além de interditar qualquer debate, como se fosse o “mimimi” da extrema direita, não explica o que essa classe média é: branca e identitária.

É o que se vê no caso de Cristiano Zanin e STF.

Comecemos por uma pergunta simples: qual voto de Cristiano Zanin, chamado de polêmica pelos conciliatórios de plantão, teria desfecho diferente se Sérgio Moro fosse o ministro? Provavelmente, apenas a meia arrumada sobre o ridículo meio termo na votação do Marco Temporal criado por Alexandre de Morais, o novo herói da esquerda merecedor de um boneco gigante. Registra-se, a pedido do governo, que viu uma bomba financeira com as indenizações aos grileiros “de boa-fé” de terras indígenas.

Muito se fala do garantismo como critério para escolha dos ministros do STF. Há três meses, quando o nome de Cristiano Zanin foi lançado, defendi que a questão não era Cristiano Zanin versus um ministro não branco e/ou mulher, já que naquele momento os tiozões da esquerda bossanovista identitária acusava o movimento negro e dos povos indígenas de “identitários”, como se não pudessem pautar algo.

Lula ganhou a eleição com votos de trabalhadores negros, mulheres e pobres, não de brancos de bairro gentrificado do centro de São Paulo que escreve poesias e textos “críticos”, fazem meditação em templos orientalistas nos cafundós de São Paulo e tocam bongô para uma bossinha, geralmente enfiados em varandas de qualquer condomínio ou prédio onde moram, ou em bares que fazem aquele estilo popular sem ser de fato popular.

Acompanhando a votação do STF nas searas da Lava Jato e dos direitos trabalhistas, é firme a percepção de que a Lava Jato está, por ora, resolvida. Não há mais clima e ambiente, há mais de um ano, para o lavajatismo. Pelo contrário, construiu um ambiente de garantismo como nunca se viu. Mas que garantismo? Cristiano Zanin respondeu e chegaremos lá.

Sobre o trabalho e a previdência, ocorre movimento contrário. A corte sacramentou e legitimou todas as reformas trabalhistas e previdenciárias, enterrando todos os questionamentos de entidades e sindicatos por meio de ADINs. Todos! Na eterna luta entre trabalho e capital, o capital vence de lavada na corte, cujos ministros volta e meia palestram para bancos, agências de investimento e entidades patronais.

Luís Roberto Barroso, por exemplo, é o típico neoliberal progressista.[ii] Ele foi o relator da ação que questionava o novo cálculo para pensão a viúvas, a qual sofreu redução gritante. Considerou o troço constitucional. Os ministros acompanharam. Exatamente por isso que os votos não podem ser sigilosos. Para que proteger neoliberais com anonimato? É estratégico à esquerda ou aos donos do capital?

Paradoxalmente à Lava Jato, Rosa Weber e Edson Fachin sempre votaram contra as reformas trabalhistas e previdenciárias. Gilmar Mendes e Alexandre de Morais sempre votaram em favor do capital, ou seja, contra os trabalhadores. Os dois novos heróis da esquerda identitária bossanovista são um tipo de Campos Neto e Paulo Guedes na economia, porém garantistas (ufa!). Mas a esquerda identitária bossanovista ainda está na vibe da “democracia como imperativo universal” dos anos 1990, tentando reconstruir o Pacto da Nova República que a própria burguesia chutou com Temer e Bolsonaro. O tal do garantismo virou um totem. Qual garantismo? Chegaremos lá com a explicitação do tabu.

Essa classe média xamânica, esotérica e bossanovista possui a hegemonia da esquerda brasileira, marcadamente legalista e socialdemocrata, ao estilo norte-americano. Assim, adeus aos direitos trabalhistas, algo considerado hoje secundário e démodé. Prova disso é que nenhuma pergunta sobre reforma trabalhista e a reforma previdenciária foi feita a Cristiano Zanin em sua sabatina, restando para a direita e extrema-direita as costumeiras perguntas para o público neopentecostal e punitivista, como aborto, drogas e crimes contra a propriedade (de celulares e terras). Em muitos aspectos, saíram satisfeitos com Cristiano Zanin.

Cristiano Zanin se tornou ministro sem que saibamos o que pensa sobre as reformas trabalhista e previdenciária. E veja, nem precisaria perguntar. Bastava que fosse minimamente conhecida na esquerda – para isso, dependeria de Cristiano Zanin ser de esquerda e estar habituado aos espaços da esquerda; não é, e isso deveria ter sido um sinal importante. Por que a esquerda desvinculou o garantismo penal dos direitos trabalhistas e previdenciários? Dessa forma, o garantismo sofre de algo que o movimento negro sempre acusou: a pauta do garantismo só surgiu porque os acusados passaram a ser ricos, brancos e políticos, logo, membros de alguma maneira da classe dominante.

Portanto, o garantismo praticado pelos grupos progressistas é identitário. Serve para a classe média, a burguesia e adjacências, cujo ponto mais ou menos fora da curva, ou em curva retilínea, foi Lula, o representante político desses setores econômicos que deveriam ser destruídos pelo terrorismo judiciário em nome do fim dos pactos sociais e da financeirização completa atrelada ao agronegócio escravista.

Com a desnudação do fascismo bolsonarista, parte da burguesia deu um passo para trás (apenas um passo), e o STF foi junto, iniciando-se por Gilmar Mendes,[iii] aquele que impedira a posse de Lula como ministro de Dilma em favor de Eduardo Cunha e que agora resolveu a vida de Arthur Lira com o escândalo da robótica após um agradável jantar em Lisboa.[iv]

Garantismo para essa esquerda identitária branca é sinônimo (exclusivo) de antilavajatismo. É o que Cristiano Zanin provou em três julgamentos. Recusou pedido da Defensoria Pública para o reconhecimento do princípio da insignificância para dois trabalhadores que roubaram dois galões de gasolina, um macaco de carro e uma garrafa com diesel pela metade.

Parte da militância branca bossanovista lutou para provar que Cristiano Zanin foi técnico, porque os dois seriam reincidentes – defender técnica de um judiciário burguês herdeiro do Império e da República Velha foi o puro suco do conservadorismo; mas defender o estatuto da reincidência com o exemplo presente da Polícia de São Paulo há um mês no Guarujá, prendendo e matando sem qualquer amparo da lei, sabendo (espero) da existência de “kits flagrantes” e “kits troca de tiros”, é tão fascista quanto o bolsonarismo.

Tecnicamente, o STF tem firmado que o princípio da insignificância pode ser válido para reincidentes – basta ler o HC 93.393/RS, do STF.[v] Cristiano Zanin poderia ter usado a seu bel prazer, se garantista para pobre e preto fosse. Votou pelo não reconhecimento da ação violenta e fascista da Polícia do Mato Grosso do Sul contra indígenas Guarani Kaiowá, a despeito do bombardeio de aldeias e povoados utilizando-se de helicópteros – gravíssimo, pois não faltam dados e registros do genocídio dos Guarani Kaiowá.

Desempatou a votação sobre guardas municipais terem poder de polícia, potencializando a utilização por prefeitos da violência institucional contra trabalhadores pobres e pretos. Qual é o garantismo de Cristiano Zanin, tão ardorosamente defendido pelo identitarismo branco bossanovista? Aquele garantismo restrito à burguesia vinculada à engenharia pesada e ao caso Lula, para o qual Cristiano Zanin foi muitíssimo bem remunerado e ganhou, provavelmente por uma gratidão difícil de entender, uma cadeira no STF.

E veja, defendi e lutei para que Lula fosse solto. Fiz campanha para Lula. Mas isso não me impede de constatar uma restrição sociológica sobre o conceito jurídico de garantismo, tão usado (e surrado). Quem começou a falar de garantismo penal e sempre o defendeu no Brasil foi justamente o movimento negro! E por motivos óbvios. Mas a classe média branca adora apagar o passado e até o presente para se mostrar dona do “novo”.

Para a classe trabalhadora, não existe garantismo, como se viu com o jovem amarrado como animal para o abate na zona sul de São Paulo.[vi] Como se viu nas chacinas de Tarcísio de Freitas (ainda em curso), de Cláudio Castro e de Jerônimo (apadrinhado de Rui Costa).[vii] O preocupante é que Cristiano Zanin substitui Ricardo Lewandowski, o único ministro antilavajatista, garantista (em sentido amplo) e trabalhista. O único coerente na corte incoerente.

A esquerda identitária bossanovista que idolatra Xandão e Gilmar Mendes esqueceu que existe o trabalho, por mais que propagandeie “a volta da reindustrialização”, mesmo com um arcabouço fiscal que está a exigir, sabe-se lá por que raios d’água, déficit zero em 2024. Qual a relação entre déficit zero e reindustrialização? Como déficit zero incide positivamente em um processo de reindustrialização?

Não adianta boicotar suco de uva integral se não se opor e lutar pelo fim da terceirização. Escravismo e terceirização são irmãos. Não há como Cristiano Zanin ser um bom ministro sem defender os trabalhadores. Não saber de sua posição sobre foi o grande erro dessa indicação, pois a escolha deve ser estratégica à classe trabalhadora e à esquerda, assim como os ministros escolhidos por Jair Bolsonaro foram estratégicos para grupos do campo bolsonarista, como os evangélicos. A divinização de parte da esquerda bossanovista identitária a Lula, que tornou proibitiva qualquer crítica, também foi parte imanente do problema. Proliferou-se o patético “Lula sabe o que faz”.

Atualmente, parte desse grupo desertou de Cristiano Zanin após a evidente constatação de Zanin ser um conservador de carteirinha, sem criticar Lula pelo processo acrítico e antipolítico de indicação para um cargo que deveria ser estratégico à esquerda; outros, como o Portal Brasil 247, permanece chamando os críticos de identitários, agarrando-se em uma suposta tecnicidade de Cristiano Zanin, que demonstrou profunda ignorância, comparável ao próprio Sérgio Moro. Pior, agarrando-se em fantasmas da Nova Resistência, Aldo Rebelo[viii] e Rui Costa Pimenta (PCO),[ix] com o mito da separação do Brasil por meio dos povos indígenas – os movimentos separatistas existentes no Brasil são feitos por brancos supremacistas do Sul do país e capitaneados pela extrema-direita, como provou Romeu Zema.

Tudo seria um complô internacional para retirar a Amazônia do Brasil, mito criado pela Ditadura Civil-Militar para justificar o genocídio dos povos indígenas por meio do fluxo imigratório de sulistas para o Centro-Oeste e Norte, resultando em problemas até para o Paraguai (“brasiguaios”). Aliado ao fantasma “indianista”, chacoalha-se a mediocridade do “identitarismo negro”, uma espécie de diversionismo supremacista entre os identitários brancos bossanovistas e de extrema-direita, como Aldo Rebelo e Olavo de Carvalho, com o objetivo de encerrar qualquer debate político. Qual demanda do movimento negro hoje não é identitária para esse grupo de brancos identitários?

Convenhamos, qual teria sido o golpe de mestre de Zanin a não ser rebater obviedades contra as arbitrariedades de Moro? A operação Spoofing, a atuação de Lewandowski e a mudança de ares no STF, que se viu acossado pelo bolsonarismo em 2020 e 2021, fizeram muito, mas muito mais do que Cristiano Zanin. A esquerda bossanovista identitária branca de classe média caiu no canto de um conservador reacionário que perfila com André Mendonça e Kássio Nunes. Simples assim. E não surpreende. São muito parecidos com Cristiano Zanin. Identificam-se, inclusive a ponto de chamar as críticas de “patrulhamento”, termo típico da extrema direita.

No dia 10 de março foi publicada uma reportagem no Portal Brasil 247 sobre a indicação de ministros do STF.[x] À época, alguns advogavam por uma ministra negra. A priori, parte do jogo, inclusive a apropriação da indicação pelo grande capital, o que deveria ser o ponto central de qualquer crítica – não foi! Na reportagem publicada, Joaquim Carvalho, articulista do jornal, concluiu: “Fujam desses identitaristas que querem fazer demagogia com indicação à Corte Suprema. Tem que escolher alguém que tenha este compromisso constitucional”.

Ele criou uma dicotomia inconciliável: “negras” x “compromisso constitucional” ou “identitarismo negro” x “compromisso constitucional”. E, para provar a sua tese, usou Joaquim Barbosa, relator do Mensalão. O que surpreende é a falta de honestidade intelectual. Barroso, Weber, Fux, Tofolli e Fachin (eterno relator da Lava-Jato indicado por um membro do MST) votaram contra o PT todas as vezes. Edson Fachin levou às últimas consequências a Lava Jato no STF, tentando salvar Sérgio Moro até o último momento. Todos foram indicados por Lula e Dilma Rousseff.

Mas para tais ministros, o sentido da polarização entre “negras” x “compromisso constitucional” ou “identitarismo negro” x “compromisso constitucional” não é aplicado. Ele poderia concluir que não se pode exigir que Lula indique um homem branco sem “compromisso constitucional”. Mas ele não está falando de raça, diria um desavisado. Está, só não precisa falar do branco, porque é simplesmente o normal e o esperado, a ponto de se pleitear uma candidata “negra”, que, para o articulista, não teria “compromisso constitucional”, como Joaquim Barbosa, o negro, ou o maldito negro.

Joaquim Barbosa incorporou uma espécie de maldição para a esquerda classe média identitária bossanovista, ou melhor, representa a maldição, a qual um candidato negro necessariamente carregaria se fosse indicado ao STF: a de traição contra a esquerda. Uma espécie de maldição de Cam, na qual Joaquim seria Canãa. Qualquer coisa a posteriori consistiria na perpetuação da maldição.

Em nenhum momento se diz que os ministros brancos, por serem brancos, representam o identitarismo. Joaquim Barbosa é um indivíduo, mas ele é visto como o negro. Todos os outros juízes brancos, que “traíram” Lula e Dilma Rousseff, não são vistos como traidores a partir da raça, uma vez que suas raças não são generalizadas a ponto de se desconfiar de um juiz branco. Mas a mera indicação de uma juíza negra faz lembrar o identitarista branco bossanovista de Joaquim Barbosa, independente de quem seja. E por quê? Porque, mesmo que não confesse, pressupõe que negros são iguais a Joaquim Barbosa porque todos são negros.

Assim, negros não possuem individualidade, porque são negros e, por conseguinte, são iguais a Joaquim Barbosa. Conclui-se, assim, que a experiência de indicar um negro é, a priori, um fracasso ou um erro porque Joaquim “foi” um erro (a posteriori). E se foi, sempre será. É uma espécie de maldição de Cam. Não tem diferença com os neopentecostais. Essa generalização é o puro suco do racismo. Sim, essa esquerda identitarista branca bossanovista é muito racista. Só que se comporta como a família de Rose, do filme Corra!. Dá aquela disfarçada.

Para disfarçar as obviedades das entrelinhas, cita os tais “critérios técnicos” (não observados em Zanin e Toffoli, diga-se de passagem), criando outra polarização: “critérios técnicos” x “negros”. Quando exposto o argumento que exige do negro a expertise jurídica que não se exige a brancos, fala-se do “compromisso político”, por óbvio, forjando outra polarização, à luz da maldição de Joaquim Barbosa. Se o dado for correto, cabe perguntar: Mas como um partido de esquerda não conhece juristas, juízes, defensores, promotores e advogados negros, tendo em vista a vasta militância desses profissionais na luta antirracista e do garantismo penal aos trabalhadores pobres e negros? A resposta diz muito sobre o leque de alianças sociais do atual governo.

Como um negro poderia ser indicado para essa vanguarda de tiãozão identitário bossanovista? Por meio de uma depuração que a faça confiar no candidato, uma espécie de embranquecimento bossanovista zona sul carioca e do centro de São Paulo. Lógico, tal processo está longe de ser exigido pelos candidatos brancos, como provam Jorge Messias e Bruno Dantas, o último afilhado político de José Sarney e Renan Calheiros (cota do MDB no TCU). Em suma, Zanin teve direito a ser apresentado como Zanin, independente do passado de Fachin, Barroso, Fux e Carmen – pelo contrário, Zanin ministro recuperaria a traição individual dos citados. Aqui é uma questão de fidelidade. Todavia, qualquer candidato negro é o Joaquim Barbosa, porque são negros e estariam no STF apenas porque são negros. Joaquim Barbosa não teria quebrado a confiança individualmente, mas a sua raça teria quebrado a confiança com o atual governo, universalizando-se para todo e qualquer negro.

Cristiano Zanin, o identitarista branco por excelência, tem direito à individualidade e ao nome. O candidato negro nem foi ventilado, mas é o negro identitário que deve ser repelido porque é espelho de Joaquim, um produto do complô globalista do Partido Democrata, organização que muitos no atual governo são vinculados, por sinal – Flávio Dino é um exemplo, geralmente silenciado por essa esquerda branca bossanovista vinculada ao complô “indianista” e dos “negros”.[xi] E mesmo se falando mais de mulheres negras, a raça se sobrepõe nos discursos racializados e racistas. Nesse debate tosco e sem sentido, essa esquerda branca classe média da zona sul e do centro expandido de São Paulo “rasgou o véu de emoção e de sentimentalidade das relações familiares e reduziu-as a mera relação monetária”.

A forma como Cristiano Zanin se opôs à tipificação penal para homofobia e transfobia é patética. Questionou que a petição inicial não continha crimes de racismo, sendo os embargos de declaração um recurso inadequado. O argumento é uma bobagem. Na prática, ele exigia uma nova votação da tipificação. Afinal, se o seu voto fosse vencedor, qual teria sido o resultado prático? A tecnicidade, como diria Tite, foi mero instrumento para diversionismo reacionário.

A expectativa era a de que Cristiano Zanin surpreendesse positivamente os trabalhadores na primeira votação sobre algo da reforma trabalhista ou da reforma previdenciária; mas, a ver a sua decisão sobre os dois trabalhadores, mantendo as suas prisões (garantista é só com brancos e ricos), a sua votação favorável para que juízes pudessem julgar casos de escritórios de parentes, o seu voto contrário e solitário contra uma modulação simples para o reconhecimento do ato de homofobia e transfobia como crimes de racismo, a decisão sobre os guardas municipais, a naturalização do genocídio indígena, pode-se concluir que o perfil social de Cristiano Zanin falou mais alto, a ponto de se poder transpô-lo para os casos trabalhistas e previdenciários. Coerentemente, Zanin pediu vistas no julgamento sobre a Revisão da Vida Toda, prejudicando aposentados.

O que esse caso mostrou? Que movimento negro, movimento indígena e demais setores da classe trabalhadora servem para subir rampa, para a propaganda capturada por uma esquerda branca, classe média, bossanovista e identitária. E só! Não tem outra função para esse setor socialdemocrata residente do centro de São Paulo e da zona sul do Rio de Janeiro. A esquerda só pode dar certo no Brasil se essa “elite” que se assemelha aos personagens brancos de Corra! for substituída por uma esquerda verdadeiramente popular, tanto em seu projeto de poder (posição de classe) quanto em sua origem de classe.

Leonardo Sacramento é professor de educação básica e pedagogo do IFSP. Autor, entre outros livros, de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o Apocalipse do liberalismo (Alameda).

Notas


[i] Os dois volumes são gratuitos, compondo-se como material de um curso de extensão denominado Estudos Críticos sobre o Consevadorismo Brasileiro. Estão disponíveis no endereço https://editora.ifsp.edu.br/edifsp/catalog, ou nos endereços, respectivamente Vol. I e Vol. II.

[ii] Barroso pica cartão na XP. Disponível em https://conteudos.xpi.com.br/guia-de-investimentos/relatorios/lives-xp-24-4-luis-barroso-presidente-do-tse-esclarece-situacao-das-eleicoes-municipais/. Disponível em https://conteudos.xpi.com.br/expert/nao-vejo-condicoes-para-um-golpe-no-brasil-porque-nao-ha-causa-para-um-golpe-diz-ministro-do-stf-luis-roberto-barroso/. Disponível em https://conteudos.xpi.com.br/expert/ministro-luis-barroso-propoe-agenda-institucional-pos-pandemia/.

[iii] Discorremos sobre essa mudança de posição de Gilmar em março de 2021. Disponível em https://aterraeredonda.com.br/de-gilmar-a-gilmar/.

[iv] Disponível em https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/coluna/2023/06/gilmarpalooza-em-lisboa-ja-nao-causa-conflitos-e-nem-espanto.ghtml.

[v] Disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7205815. A rejeição do princípio da insignificância foi negado porque o ato foi praticado por mais do que um e à noite. Essas foram as razões formais da 1ª Turma.

[vi] Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/06/08/homem-negro-amarrado-por-pes-e-maos-e-pms-afastados-o-que-se-sabe-e-o-que-falta-saber.ghtml.

[vii] Para uma análise do consenso republicano de matar trabalhadores pretos, indo de Tarcísio a Rui Costa, ver https://aterraeredonda.com.br/a-policia-militar-e-os-pretos/.

[viii] Para uma análise das relações de Aldo Rebelo com o olavismo e a extrema-direita bolsonarista, ver https://aterraeredonda.com.br/o-aldolavismo/.

[ix] Para uma análise do reacionarismo do PCO, com evidentes laços ideológicos, na perspectiva racial, com movimentos conservadores, ver https://aterraeredonda.com.br/borba-gato-aldo-rebelo-e-rui-costa-pimenta/.

[x] Disponível em https://www.brasil247.com/midia/ministro-do-stf-deve-ser-escolhido-por-compromisso-com-a-constituicao-nao-por-genero-ou-raca-diz-joaquim-de-carvalho.

[xi] Sobre evento entre Ministério da Justiça e Open Society, ver aqui. Sobre a conceituação sinofóbica de democracia, à luz da democracia estudunidense, ver aqui.


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