Carta ao comandante supremo

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MANUEL DOMINGOS NETO, ADRIANA MARQUES, PIERO LEIRNER, SUZELEY KALIL MATHIAS, ANA PENIDO*

É indispensável o envolvimento da sociedade na Política de Defesa Nacional, que deve estabelecer diretrizes para uma reforma militar

Senhor Comandante, agravam-se as tensões guerreiras e o Estado brasileiro está despreparado para sustentar seus interesses. O povo está desunido e nosso entorno estratégico desarticulado. As fileiras estão fragilizadas em decorrência de suas estruturas obsoletas, da dependência do estrangeiro em armas e equipamentos e do envolvimento corporativo em atividades políticas.

Enquanto isso, a revisão dos documentos orientadores da Política de Defesa Nacional foi entregue ao Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, como se esta tarefa não fosse política.

As investigações policiais acerca do envolvimento de integrantes das corporações militares em atividades ilícitas não podem obscurecer os problemas da Defesa, inclusive porque os desvios de função do militar decorrem em boa medida da prevalência do castro nas definições desta política pública.

A formulação da Defesa do Brasil deve ser de responsabilidade do poder político, do contrário poderá ser reduzida ao reflexo de interesses corporativos não convergentes com os da sociedade. Cumpre ao militar subordinar-se ao civil representado pelo poder político.

Permita-nos sugerir que as diretrizes da Defesa Nacional observem as seguintes prioridades:

(i) A coesão da sociedade que, desunida, não logrará se defender. A redução das iniquidades é o fundamento da coesão social. Essa coesão se baseia na crença de que a política equaciona as divergências, não a guerra.

(ii) A supressão do conceito de “inimigo interno” nas formulações doutrinárias da Defesa Nacional. Em política, há adversários, não inimigos.

(iii) A busca da integração dos povos sulamericanos, como manda nossa Constituição, em vista de formar barreira protetiva estratégica. A política externa deve se adequar a esses objetivos. A Carta determina que sejamos prioritariamente pacíficos. Nestes termos, o chamado “poder militar” deve ser operado como instrumento secundário.

(iv) A busca de efetiva autonomia na produção de armas, equipamentos e produtos essenciais à sociedade. Essa busca deve ter em vista a capacidade de dissuasão, jamais a ações provocativas.

(v) A reforma dos instrumentos de força do Estado de maneira que o militar se volte exclusivamente contra eventuais agressores estrangeiros. Esses instrumentos devem articular suas percepções de mundo, seus conhecimentos e capacidades técnicas.

(vi) A capacitação de pessoal civil para o Ministério da Defesa sob a responsabilidade de profissionais civis, com integrantes das Forças Armadas atuando de forma subordinada.

Em vista de uma necessária reforma militar, adiantamos as seguintes proposições:

(a) Redução efetiva das despesas com pessoal por meio do redimensionamento de efetivos e enxugamento do quadro de oficiais generais de acordo com as diretrizes de uma nova política estratégica; (b) Desativação de unidades militares sem relevância para a Defesa Nacional, cujos exemplos mais notórios são os “Tiro de Guerra”.

(c) Ampliação robusta dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação mobilizando para efeito a capacidade nacional, com destaque para a comunidade científica e a indústria especializada; (d) Priorização da capacidade aeronaval autônoma relativamente à capacidade terrestre; (e) Afastamento das corporações militares de tarefas relativas à Segurança Pública e reforma ou criação de organizações especializadas neste domínio.

(f) Capacitação da Defesa Civil de forma a que as corporações militares se concentrem em sua missão precípua; (g) Supressão dos cargos de comando passíveis de ser exercidos pelos chefes de estados-maiores; (h) Capacitação dos estados-maiores conjuntos de modo a beneficiar a interoperabilidade das Forças Armadas.

Senhor Comandante, é indispensável o envolvimento da sociedade na Política de Defesa Nacional, que deve estabelecer diretrizes para uma reforma militar. Consideramos indispensável a convocação de uma Conferência Nacional de Defesa.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura). [https://amzn.to/3URM7ai]

*Adriana Marques é professora do bacharelado em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

*Piero Leirner é professor titular do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar.

*Suzeley Kalil Mathias é professora de Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

*Ana Penido é pesquisadora de pós-doutorado no Programa San Tiago Dantas (UNESP – Unicamp – PUC-SP).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Kátia Gerab Baggio Marcus Ianoni Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Eduardo Borges Milton Pinheiro Luiz Werneck Vianna Ricardo Fabbrini Everaldo de Oliveira Andrade Paulo Nogueira Batista Jr Tales Ab'Sáber Matheus Silveira de Souza Manuel Domingos Neto Afrânio Catani Mário Maestri Daniel Afonso da Silva Jorge Branco Manchetômetro João Lanari Bo Dênis de Moraes Alexandre Aragão de Albuquerque Tarso Genro André Márcio Neves Soares Eugênio Bucci Eleutério F. S. Prado Valerio Arcary Osvaldo Coggiola Tadeu Valadares Valerio Arcary Paulo Fernandes Silveira André Singer Alexandre de Freitas Barbosa Alexandre de Lima Castro Tranjan Alysson Leandro Mascaro Francisco Fernandes Ladeira Bruno Machado Francisco Pereira de Farias Ronaldo Tadeu de Souza Liszt Vieira Elias Jabbour Leonardo Avritzer Carla Teixeira Walnice Nogueira Galvão Vladimir Safatle Renato Dagnino Samuel Kilsztajn Daniel Costa Marcelo Guimarães Lima Henri Acselrad Ronald Rocha Daniel Brazil Priscila Figueiredo João Feres Júnior Antônio Sales Rios Neto Marjorie C. Marona Michael Löwy Denilson Cordeiro Henry Burnett Benicio Viero Schmidt Eugênio Trivinho Fábio Konder Comparato Michael Roberts Rodrigo de Faria Atilio A. Boron Paulo Capel Narvai Jean Pierre Chauvin Vinício Carrilho Martinez Salem Nasser Paulo Martins Thomas Piketty Lincoln Secco Marilia Pacheco Fiorillo Leonardo Boff Anselm Jappe Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luiz Roberto Alves Érico Andrade Jean Marc Von Der Weid Boaventura de Sousa Santos Ricardo Musse Gerson Almeida Antonino Infranca Vanderlei Tenório José Raimundo Trindade Lorenzo Vitral Fernão Pessoa Ramos Claudio Katz Celso Favaretto Eliziário Andrade João Paulo Ayub Fonseca Airton Paschoa Paulo Sérgio Pinheiro Otaviano Helene Luiz Marques Ari Marcelo Solon Ronald León Núñez Chico Whitaker Eleonora Albano Celso Frederico Fernando Nogueira da Costa Marcos Silva Slavoj Žižek João Sette Whitaker Ferreira José Costa Júnior Lucas Fiaschetti Estevez Andrés del Río Rafael R. Ioris João Adolfo Hansen Bento Prado Jr. Caio Bugiato Igor Felippe Santos Andrew Korybko Juarez Guimarães Marcos Aurélio da Silva Berenice Bento Bernardo Ricupero Ricardo Antunes Luiz Bernardo Pericás Marilena Chauí José Dirceu Julian Rodrigues Yuri Martins-Fontes Flávio R. Kothe Luiz Eduardo Soares José Machado Moita Neto Rubens Pinto Lyra Annateresa Fabris Leonardo Sacramento Sergio Amadeu da Silveira Remy José Fontana Luiz Renato Martins Ladislau Dowbor Maria Rita Kehl Luiz Carlos Bresser-Pereira Leda Maria Paulani Carlos Tautz Gilberto Maringoni José Luís Fiori Jorge Luiz Souto Maior Gilberto Lopes Heraldo Campos Dennis Oliveira Plínio de Arruda Sampaio Jr. Luciano Nascimento Francisco de Oliveira Barros Júnior Michel Goulart da Silva João Carlos Salles José Micaelson Lacerda Morais Flávio Aguiar Luís Fernando Vitagliano Armando Boito Mariarosaria Fabris Gabriel Cohn Ricardo Abramovay Sandra Bitencourt José Geraldo Couto Marcelo Módolo Luis Felipe Miguel Chico Alencar João Carlos Loebens Antonio Martins

NOVAS PUBLICAÇÕES