Por MOVIMENTO ESTUDANTIL 1º DE MAIO
A ditadura dos patrões volta-se agora, nas vésperas do dia 1º de Maio, a golpear a universidade, aposentando professores que se destacam pelo mais alto padrão de ensino do país, como é o caso do professor Florestan Fernandes.[i]
Não podemos permitir, companheiros, de forma alguma o afastamento deste e de outros professores da USP perpetrado por um governo cuja única autoridade repousa nas armas de ½ dúzia de generais. Por um governo que não conta com o apoio de qualquer setor da população, inclusive, de amplas camadas da própria burguesia. Por um governo que após o 5º ato da farsa de abril está se desmoralizando a cada dia que passa, porque em nome da força soltou dezenas e dezenas de decretos na praça sem ter força para cumpri-los. O decreto que estabelece penas para estudantes e professores, por exemplo, revela bem a estultície dos militares que pensam combater a revolução por decretos!
Dizem que houve “mudança qualitativa” do caráter da repressão após o 5º ato. Engano, companheiros. Na verdade, o golpe de dezembro desenvolveu o mesmo processo de repressão já existente desde 64. A mesma repressão covarde que busca abafar as lutas do movimento Estudantil fazendo chantagem contra alguns líderes estudantis, indo às salas de aula disfarçados em imprensa à cata de alguns colegas.
Onde está a força tão decantada e mitificada da repressão que teve de assistir imóvel ao boicote dos vestibulares de Ciências Sociais? Nada mudou companheiros. Não é a primeira vez que o Crusp é invadido e nem é a primeira vez que professores e estudantes são perseguidos.[ii] Se hoje deixarmos rolar a cabeça de Florestan Fernandes, abrindo grave precedente, amanhã o fato poderá se repetir com outros professores.[iii] Se permanecemos passivos diante da ocupação do Crusp e diante da expulsão de professores, aí a repressão se sentirá forte para prosseguir com suas arbitrariedades. Já está tardando um movimento político organizado pela UEE, Grêmio e Centrinhos visando a devolução do Crusp. Já é tempo da UEE e do Grêmio convocarem assembleias gerais para discutir a questão do Crusp e dos professores demitidos.
O 1º de Maio
Em 1968, no dia de luta dos trabalhadores, os estudantes se uniram à classse operária nas manifestações da Pça. da Sé que culminaram com a expulsão a pau e pedra do interventor Sodré do palanque montado pelos pelegos sindicais; depois, ombro a ombro com os operários, os estudantes participaram de uma passeata gritando pelas ruas “Só a greve derruba o arrocho” e mostrando, na prática, a necessidade do M.E. unir suas lutas às lutas operárias. [iv] Neste 1º de Maio de 69, os trabalhadores esperam que mais uma vez os estudantes participem de manifestações públicas em repúdio à ditadura dos patrões e ao arrocho salarial. É o momento de levarmos às ruas nosso protesto contra a ocupação do Crusp e contra a demissão de Florestan e seus colegas, no dia que marca a luta dos trabalhadores brasileiros contra a ditadura dos patrões e pela greve contra o arrocho!
Propostas para a assembleia de ciências sociais
(1) Que a Assembleia seja transformada em assembleia geral do Grêmio ou da UEE;
(2) Apelo aos professores aposentados para que desconsiderem o decreto e retornem às aulas;
(3) Boicote às aulas dos professores substitutos, realizando discussões políticas no horários de suas aulas;
(4) Formação de grupos de trabalho, visando a continuação das lutas na Universidade e as manifestações de 1º de Maio;
(5) Decretação de Assembleia geral permanente para discutir: (a) a ocupação militar no Crusp; (b) demissão de professores da USP; (c) Reestruturação e Paritárias;
(6) Greve geral de 48 horas em protesto à ocupação do Crusp e à demissão de professores.
Fora os milicos do CRUSP!
Todo o poder às paritárias!
Pelo retorno imediato do professor Florestan Fernandes e outros professores demitidos!
Fora os pelegos dos sindicatos!
Todo poder aos comitês de empresas!
Só a greve expulsa os milicos do CRUSP!
Só a greve derruba o arrocho!
Movimento estudantil 1º de maio – seção de Ciências Sociais
28 de Abril de 1969. [v]
Movimento Estudantil 1º de Maio(ME1M).[vi]
Pesquisa, edição e notas de Paulo Fernandes Silveira.
Referências
ALMADA, Pablo; VALLE, Maria (2022). 1968 – Movimentos estudantis e operários: entrevista com Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, Educação & Sociedade, v. 43, p. 1-13. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/GSV8qQrx9Qpw8hrfXFGcLZd/
BNM 009. 1-2. Ação Penal 207/69-A. Apelação STM 39.111. Ação Libertadora Nacional (ALN). Projeto Brasil: Nunca Mais, Ministério Público Federal. Disponível em: https://bnmdigital.mpf.mp.br/pdf/BNM_009/?BNM=009
Carta de Florestan Fernandes (2006). Fundação Perseu Abramo. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2006/04/15/carta-de-florestan-fernandes/
CELESTE FILHO, Macioniro (2006). A reforma universitária e a universidade de São Paulo – década de 1960. (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/10540
COGGIOLA, Osvaldo (1995). Florestan Fernandes e o socialismo, Revista Adusp, n. 4, p. 34-38. Disponível em: https://www.adusp.org.br/files/revistas/04/r04a09.pdf Coleção Eduardo de Oliveira e Oliveira. Unidade Especial de Informação e Memória (UEIM), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Disponível em: https://www.ueim.ufscar.br/colecoes/colecao-eduardo-de-oliveira-e-oliveira
Coleção Eduardo de Oliveira e Oliveira. Unidade Especial de Informação e Memória (UEIM), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Disponível em: https://www.ueim.ufscar.br/colecoes/colecao-eduardo-de-oliveira-e-oliveira
Correio da Manhã, 24/3/1968, Agrava-se crise estudantil em SP: excedentes, edição 22995 (1), p. 1. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_07&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=90645
Correio da Manhã, 3/5/1968, Tumultos do 1º de Maio provocam impacto em SP, edição 23024, p. 3. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_07&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=91618
De Florestan Fernandes às manifestações de 1º de maio (1969). CEDEM/CEMAP/FM-04, UNESP.
FERNANDES, Florestan (1979). A gratuidade do ensino superior. In. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa-Omega, p. 129-153.
FERNANDES, Florestan (2008). A “revolução brasileira” e os intelectuais. In. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, p. 159-170.
Folha de S. Paulo, Comunicado oficial do exército anuncia intervenção no CRUSP, edição 14.430, p. 11. Disponível em: https://acervo.folha.com.br/digital/leitor.do?numero=3146&anchor=5257948&origem=busca&originURL=&maxTouch=0&pd=15dc3144aedaf741d4b6fc89a1004c26
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Jornal do Brasil, 4/10/68, Sodré manda ocupar escolas para evitar luta estudantil, edição 152, p. 7. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=122771
Jornal do Brasil, 14/10/68, Polícia paulista prende Vladimir e mais 1239 no Congresso da ex-UNE, edição 160, p. 1. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=123207
Jornal do Brasil, 14/12/68, Governo baixa Ato Institucional e coloca Congresso em recesso por tempo indeterminado, edição 213, p. 1. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=126463
Jornal do Brasil, 26/4/69, Costa e Silva aposenta mais 44 servidores com base no AI-5, edição 16, p. 3. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=132917
Jornal do Brasil, 30/4/69, Presidente aposenta diversos diplomatas, edição 19, p. 3. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=133156
Jornal do Brasil, 8/5/69, Sodré escolherá entre três quem dirigirá USP durante a licença de Gama e Silva, edição 26, p. 4. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=133553
KILSZTAJN, Samuel (2022). 1968, sonhos e pesadelos. São Paulo: gg.gg/drivesk.
MAAR, Wolfgang (2006). In. FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO (org.). Depoimentos. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2006/04/18/wolfgang-leo-maar/
Memorial da Democracia. Regime joga Une e UEES na ilegalidade. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/regime-joga-une-e-uees-na-ilegalidade
OLIVEIRA, Tiago (2018). Entre as crítica das armas e as armas da crítica: trotskistas na ditadura militar (1968-1973). Uma contribuição à história do trotskismo no Brasil. (Doutorado em História Social). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/13383?show=full
SILVA, Franklin (2014). Entrevista: Franklin Leopoldo e Silva. In. LOPES, Gustavo. Ensaios de terrorismo: história oral da atuação do Comando de Caça aos Comunistas, p. 219-229. Salvador: Editora Pontocom. Disponível em: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/upload/003-historia-oral-atuacao-ccc.pdf
XXX Congresso da UNE (1968). Delegacia de Ordem Social. Dossiês Movimento Estudantil. Os 0235. São Paulo: Arquivo do Estdado de São Paulo. Disponível em: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/deops/prontuarios/BR_SPAPESP_DEOPSOS000235.pdf
Última Hora, 14/9/64, Terrorismo cultural nas escolas: S. Paulo, edição 1381, p. 2. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=386030&pasta=ano%20196&pesq=&pagfis=102295
Notas
[i] Entre 64 e 68, Florestan Fernandes estabeleceu uma intensa relação com o movimento estudantil.
Em 9 de setembro de 1964, Florestan enviou uma carta ao Tenente-Coronel Bernardo Schoman protestando contra o fato da faculdade de filosofia e de outros institutos da USP estarem sendo investigados pela polícia militar (Carta de Florestan Fernandes, 2006). Florestan foi preso por isso (Jornal do Brasil, 12/9/1964). Os estudantes foram solidários com o professor: “Os alunos da faculdade de filosofia não voltarão às aulas até que o professor e sociólogo Florestan Fernandes seja libertado pelas autoridades do IPM” (Última Hora, 14/9/1964, p. 2).
Poucos dias depois, Florestan saiu da prisão, sua faculdade o recebeu em festa: “O aluno Fuad Daher Saad, presidente do Grêmio, conduziu o professor entre os estudantes. Houve pique-pique e mais palmas” (Jornal do Brasil, 14/9/1964, p. 4).
Florestan foi eleito paraninfo dos formandos em ciências sociais de 1964, turma de Eduardo de Oliveira e Oliveira, intelectual e militante do movimento negro (Coleção Eduardo de Oliveira e Oliveira). Em seu discurso, proferido em 23 de março de 1965, Florestan defendeu a resistência dos intelectuais à ditadura (FERNANDES, 2008).
Em 1967, o movimento estudantil iniciou uma campanha nacional a favor dos excedentes, estudantes que alcançaram a nota necessária nos vestibulares, mas não conseguiram vagas nas universidades públicas (CELESTE FILHO, 2006). Essa campanha reuniu estudantes universitários e secundaristas. Acusado de instigar os estudantes a entrarem sem autorização numa reunião da congregação de docentes da faculdade de filosofia que trataria da demanda dos excedentes e da reforma universitária, Florestan ameaçou pedir demissão (Jornal do Brasil, 23/3/1968).
Sobre a carência de vagas para os excedentes nas universidades, Florestan afirmou: “os excedentes são um efeito e não a causa desta crise que mostra bem o caráter da universidade brasileira, ela é uma instituição de elites” (Correio da Manhã, 24/3/1968, p. 1).
Em maio de 1968, numa conferência organizada pelo Centro Acadêmico Pereira Barreto, da faculdade de medicina da UNIFESP, Florestan sustentou: “Impõem-se atentar para os problemas da educação popular e abrir todas as escolas, inclusive as universidades, ao povo” (1979, p. 130). Em suas análises, Florestan destacou a enorme disparidade no número de pessoas brancas e negras que têm acesso às universidades públicas: “Embora seja patente que as formas de atenuação das ‘linhas de cor’ ainda não são universais (elas são mais eficazes na Bahia que em São Paulo), também fica claro que uma participação desvantajosa, na estrutura social, acarreta uma espécie de ‘morte civil’. Os estratos sociais, assim atingidos, são sistematicamente privados dos direitos garantidos pela ordem legal e só por acaso conseguem efetivamente desfrutá-los” (1979, p. 138-139).
[ii] Os meses finais de 1968 marcaram um acirramento da repressão contra os estudantes universitários e secundaristas.
No início de outubro, ocorreu a batalha da Maria Antônia. Num confronto desigual, estudantes do Mackenzie ligados ao CCC atacaram os estudantes que defendiam a faculdade de filosofia da USP. Muitas pessoas ficaram feridas, o secundarista João Guimarães morreu ao levar um tiro na cabeça (Jornal do Brasil, 4/10/1968).
Segundo Franklin Leopoldo e Silva, à época estudante de filosofia: “A gravidade dos fatos já é bem conhecida, mas acho que valeria a pena insistir em algumas questões: por exemplo, o fato de que armas foram levadas para o Mackenzie; e organizados grupos de atiradores no Mackenzie. Foram-lhes disponibilizadas armas químicas ou, pelo menos, elementos químicos que pudessem ser utilizados como armas. Tudo isso mostra a participação ativa das autoridades do Mackenzie e autoridades da segurança pública da época. Eu acho que a culpa deve ser dividida entre as autoridades universitárias do Mackenzie e da USP, acerca das quais nós sabemos o grau de ‘reacionarismo’ que levou àquele tipo de posição. E, portanto, professores e alunos que ali estavam, alunos não só da USP, mas também de outras escolas – da PUC, alguns do próprio Mackenzie (a esquerda do Mackenzie), e secundaristas engajados no movimento – formaram um grupo que até onde foi possível, até o último instante, tentou defender a faculdade. Só saímos de lá quando o incêndio atingiu tal proporção que não era mais possível permanecermos lá dentro” (2018, p. 228).
A UNE e as UEEs foram colocadas na ilegalidade a partir da Lei Suplicy, sancionada pelo general Castelo Branco em 9 de novembro de 1964 (Memorial da Democracia). Desde então, os congressos da UNE passaram a ser clandestinos.
Em 13 de outubro de 1968, auxiliados por agentes do DOPS, 150 soldados cercaram o sítio em Ibiúna onde se realizava o 30º Congresso da UNE (Jornal do Brasil, 14/10/1968). Centenas de estudantes foram presos e fichados e suas lideranças foram levadas para o DOPS: Luis Travassos (presidente da UNE), José Dirceu (presidente da UEE-SP), Vladimir Palmeira (presidente da UME) e Antônio Guilherme Ribas (presidente da UPES).
A repressão produziu diversas pastas, com fotos, nomes e informações gerais dos estudantes fichados (XXX Congresso da UNE, 1968). Cópias dessas pastas ficavam nas salas de tortura para induzir a denúncia de outras pessoas da resistência (KILSZTAJN, 2022).
Em 17 de dezembro de 1968, a Força Pública e o DOPS invadiram o Conjunto Residencial da USP (CRUSP) e prenderam todos os estudantes. No dia seguinte, o jornal Folha de S. Paulo divulgou, apenas, o comunicado do exército sobre a invasão (Folha de S. Paulo, 18/12/1968).
Segundo Wolfgang Leo Maar, à época estudante de filosofia e morador do conjunto residencial: “O CRUSP despertava a ira do regime não só por sua posição central na organização estudantil (foi ali a grande assembleia em que se discutiu as prisões de Ibiúna), mas porque significava um espaço crítico em relação à manipulação ideológica moralizante promovida pelo governo de então. A despolitização do movimento estudantil que se promovia oficialmente tinha ali seu grande contraponto: cultura e ciência eram vistas no CRUSP como necessariamente engajadas. A política era considerada intrínseca à vida estudantil” (MAAR, 2006, s/p).
Entre os estudantes presos estava Arkan Simaan, militante do ME1M. O relatório do DOPS afirma que ele “era muito atuante na propaganda subversiva no CRUSP, através da distribuição de panfletos, pichações, afixação de cartazes e participação em reuniões e assembleias em que falava de maneira violenta, incitando os seus colegas à desordem e à luta contra o governo” (IPM-CRUSP, s/p).
[iii] Em 13 de dezembro de 1968, o governo ditatorial baixou o Ato Institucional n.º 5. O § 1.º do Art. 6.º determina: “O Presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste Artigo” (Jornal do Brasil, 14/12/1968, p. 1).
Em 26 de abril de 1969, os jornais noticiaram a aposentadoria compulsória de 44 funcionários públicos, entre eles, os docentes da USP: Florestan Fernandes e João Vilanova Artigas (Jornal do Brasil, 26/4/1969, p. 1).
Dias depois, foi divulgada uma nova lista de docentes aposentados compulsoriamente, entre eles: Mário Schenberg; Caio Prado Jr.; Fernando Henrique Cardoso; Emilia Viotti; Paula Beiguelman; Octavio Ianni; José Arthur Giannotti e Bento Prado Jr. (Jornal do Brasil, 30/4/1969, p. 3).
Em solidariedade, Sérgio Buarque de Holanda, professor de história da USP, requereu aposentadoria antes mesmo de atingir o limite de tempo de serviço (Jornal do Brasil, 8/5/1969, p. 4).
[iv] Segundo Arkan Simaan, o militante Fábio Munhoz foi quem trouxe a informação de que “operários de Osasco queriam perturbar o discurso do governador Abreu Sodré na Praça da Sé no 1º de Maio” (OLIVEIRA, 2018, p. 47).
A comemoração organizada pelo governo era apoiada por lideranças sindicais indicadas pelo próprio governador. Assim que começou a discursar, o governador foi vaiado e atacado por pedras atiradas pelos manifestantes (Correio da Manhã, 3/5/1968). Houve uma violenta repressão policial, razão pela qual essa data ficou conhecida como Maio Vermelho (ALMADA; VALLE, 2022).
O evento uniu operários, universitários e secundaristas. O Maio Vermelho inspirou a criação do ME1M. O movimento apoiou as greves operárias. Após a greve dos metalúrgicos de Osasco, em julho de 1968 (Jornal do Brasil, 17/7/1968), o operário José Ibrahim “refugiou-se na residência dos atores Francisco Solano e Gabriela Rabelo, então integrantes do ME1M” (OLIVEIRA, 2018, p. 48).
Envolvidos em diversas campanhas políticas e educacionais, como a campanha a favor dos estudantes excedentes das universidades públicas, os secundaristas tiveram um papel fundamental na luta contra a ditadura. Na cidade de São Paulo, um dos principais focos da resistência secundarista foi o Colégio de Aplicação da USP (JANOTTI, 2021).
[v] Um exemplar desse folheto encontra-se na coleção Fábio Munhoz, no Centro de Documentação e Memória (CEDEM), da UNESP. Agradeço a importante colaboração de Guilherme Machado Nunes, historiógrafo do CEDEM.
Esse folheto foi encontrado entre os livros e textos do estudante frei Tito de Alencar Lima, apreendidos pelos agentes do DOPS, em novembro de 1969 (BNM 009. 1-2. Ação Penal 207/69-A. Apelação STM 39.111, p. 267).
[vi] O ME1M surgiu em 1968. Alguns fundadores do movimento participaram do Partido Operário Revolucionário-Trotskista (POR-T), quarta geração do movimento trotskista no Brasil (OLIVEIRA, 2018). Fizeram parte do ME1M: Fábio Munhoz; Júlio Calasso; Mtnos Abdala Calil; Arkan Simaan; Ottaviano de Fiori; Walter Paixão; Francisco Solano; Gabriela Rabelo e Luiz Araújo, cujo espólio intelectual encontra-se no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP.
Na juventude, Florestan Fernandes militou com seu amigo Hermínio Sacchetta no Partido Socialista Revolucionário (PSR), também atrelado ao movimento trotskista (COGGIOLA, 1995).
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